Os Donos do Poder em Brasília
O império de Paulo Octávio
Revista O Ipê
Um relato crítico da vida e poder político-econômico de um incontornável personagem da história do Distrito Federal.
Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Bertolt Brecht
É improvável que alguém ande por Brasília sem ver uma placa cercando um novo empreendimento em nome da construtora Paulo Octávio. É bem possível que, em um aleatório e repentino pedido, a maioria dos brasilienses seja capaz de emular em uma folha de papel a arte do logotipo de sua empresa – com aquelas garrafais letras ‘O’ se encontrando – sem se fazer necessária qualquer consulta prévia. Contudo, foi o rei, com seu nome talhado em mais um condomínio, quem carregou os vergalhões ou montou um andaime?
Pois bem. Damos início aqui a uma série de textos para esboçar os perfis, históricos e papéis dos donos do poder em Brasília. O primeiro perfil a ser analisado pela revista O Ipê será o do destacado membro da burguesia regional e perene ator político, o senhor Paulo Octávio. Sua trajetória, ora mais, ora menos pública, foi brilhantemente acompanhada pelo trabalho de Rômulo Teixeira, A Batalha Simbólica pelo Poder Político, no qual, em grande parte, nos baseamos.
Quem é Paulo Octávio?
Filho de Cléo Octávio Pereira e Wilma Carvalho Alves Pereira, Paulo Octávio Alves Pereira nasceu no dia 13 de fevereiro de 1950, em Lavras, Minas Gerais. Chegou ao Distrito Federal em 1962, acompanhando o seu pai, que, à época, era chefe de gabinete do secretário de educação da mais nova capital, Hely Menegali.
Contudo, a principal atribuição de Cléo Octávio não era a de político ou servidor público, mas de dentista. Ainda em Lavras, já era proprietário de um dos principais consultórios odontológicos da cidade, mantendo uma clientela assídua e levando uma vida tranquila.
Sua vinda para Brasília não seguia o mesmo objetivo de milhares de outras famílias brasileiras: escapar do pauperismo. Pelo contrário. Alguns amigos do pai de PO viam a atitude de Cléo como um erro, tendo em vista a estabilidade que a família tinha em Lavras. O serviço público e a oportunidade de abrir a terceira clínica odontológica da capital federal não pareciam suficientes para justificar a aventura da mudança.
Entre os motivos da decisão de Cléo Octávio contava também a falta de opções para formação dos filhos na pequena cidade mineira: ali, só havia a Escola Superior de Agricultura (à época ESAL, hoje UFLA). Seguindo as motivações do pai e já instalado em terras candangas, Paulo Octavio ingressa, então, na Faculdade de Economia da UnB. Um ano depois, contudo, ele trancaria o curso para viajar para Washington.
Após retornar dos EUA, PO desiste da graduação em economia para se dedicar ao segmento imobiliário, setor em efervescência na nova capital e no qual o empresário se consolidaria. Trabalha em duas corretoras de imóveis e, aos 26 anos, abre a sua primeira empresa, a PaulOOctavio Investimentos Imobiliários, com um pequeno escritório na Asa Norte. Anos depois, em 1981, ainda se formaria em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB).
A criação da sua fortuna: a família burguesa
A escritora Marilena Chauí em seu livro O que é Ideologia?, lançado em 2001, reflete em determinado momento sobre a composição das famílias em seu caráter de classe. Nesta reflexão, indica-se como a família burguesa constitui um contrato econômico entre duas partes para conservar e transmitir o capital enquanto patrimônio familiar ou herança. E, no caso de Paulo Octávio, este fenômeno torna-se ainda mais transparente.
O primeiro fato que permitiu um salto de desenvolvimento da empresa aberta por PO no final dos anos 1970 foi o seu primeiro casamento. Paulo Octávio casou-se com Márcia Fonseca, tornando-se genro de Maximiano Fonseca, ministro e almirante da Marinha durante o governo de João Figueiredo. Com o casamento, PO passa a residir na casa oficial do sogro em uma das áreas mais nobres de Brasília, a Península dos Ministros.
Durante este tempo inserido em bairro nobilíssimo, PO conheceu e associou-se ao empresário Sérgio Naya, que passaria a ter fama nacional após o desabamento do edifício Palace 2, construído por sua empresa, no Rio de Janeiro. Em Brasília, os dois empresários inaugurariam o hotel Saint Paul, empreendimento que foi alvo da primeira polêmica do empresário brasiliense. A Marinha, à época comandada por seu sogro, comprou, ainda na planta, 40 dos 272 apartamentos do hotel, levantando óbvias suspeitas sobre a lisura do negócio público efetuado praticamente entre o almirante e seu genro.
O seu segundo e atual casamento também espelha a lógica patrimonial e oligárquica dos laços internos da burguesia nacional e brasiliense. Sua esposa, Anna Christina Kubitschek – neta de Juscelino Kubitschek e filha da ex-vice-governadora de Joaquim Roriz, Márcia Kubitschek – é também filiada ao PSD-DF, partido da base de apoio do governador Ibaneis Rocha (MDB-DF). Anna Christina chegou a ser cogitada para vice na chapa do atual governador, após ter ganhado apoio entre os evangélicos.
O filho mais velho do casal, Felipe Octávio Kubitschek Barbará Alves Pereira, herdou a função de administrador no conglomerado de seu pai. E como um bom aprendiz, Felipe Octávio também não fugiu à regra da família burguesa: em 2022, consagrou a sua união com Lara Lemann, herdeira de Jorge Paulo Lemann – principal acionista da AB InBev e homem mais rico do país.
Já André Octavio Kubitschek, o caçula do casal, guiou sua trajetória em direção a uma atuação mais abertamente política. Para as eleições de 2022, o herdeiro do conglomerado empresarial e da influência política de Paulo Octávio aposta no cargo de deputado federal pelo PSD – legenda presidida pelo pai no Distrito Federal, pela qual ele próprio se lança como candidato a governador.
Alavancagem na era Collor
Um dos principais momentos que possibilitou a alavancagem dos negócios de PO foi a ascensão de seu amigo de adolescência, Fernando Collor de Mello, à presidência do Brasil. PO, Luiz Estevão – ex-senador preso por desvio de verbas e proprietário do jornal online Metrópoles – e o presidente Fernando Collor tornaram-se amigos na escola durante o ensino médio. Ao assumir o poder executivo nacional, Collor permitiu que Paulo Octavio indicasse dirigentes ao Fundo de Pensão dos Funcionários da Caixa Econômica Federal (FUNCEF), conseguindo financiamento da instituição para três grandes investimentos na capital federal.
Os investimentos financiados pela FUNCEF foram: o Brasília Shopping, Hotel Blue Tree (hoje, Royal Tulip) e a construção da Quadra Parque – uma superquadra com 11 prédios residenciais de apartamentos de 2 a 4 quartos, coberturas, duplex, além de diversas escolas. O financiamento do Fundo à Paulo Octávio passou por uma auditoria em 2005, que concluiu que o empresário recebeu R$ 160 milhões indevidamente por obras superfaturadas na construção da Quadra Parque, localizada na Asa Norte do Plano Piloto. Por fim, na mesma auditoria, há a estimativa de apropriação indébita de R$ 100 milhões dos financiamentos da FUNCEF para os empreendimentos do Brasília Shopping e do Hotel Blue Tree.
A influência política de um burguês dentro de um Estado voltado a seus interesses também pode ser observada em leis aprovadas em seu favor, como aquelas que versam sobre ocupação e vendas de terrenos públicos, negociadas junto às empresas de PO. Exemplo mais óbvio, mas longe de ser o único, do controle exercido pelo empresário sobre a disposição econômica dos terrenos públicos da capital começou com a negociação de um terreno em 1995.
Nesse ano, Paulo Octávio comprou, pelo valor de R$ 4 milhões, o terreno de 65 mil metros quadrados pertencente à Federação Brasiliense de Futebol, no local do antigo estádio Rei Pelé. Graças a leis aprovadas pela Câmara Distrital, o terreno originalmente destinado a atividades esportivas virou área residencial. A mudança da destinação da área permitiu a PO a venda de apenas um terço do terreno por R$ 25 milhões, em uma valorização de inacreditáveis 1.775%: isto é, 18 vezes o valor inicial. A vultosa venda foi realizada para José Gontijo, empresário flagrado entregando dinheiro a Durval Barbosa, então secretário de Relações Institucionais do governo de José Roberto Arruda, no famoso escândalo do mensalão do DEM.
Resta evidente, assim, que no início da trajetória empresarial do conglomerado de empresas de Paulo Octávio, as mãos nada invisíveis do Estado estiveram sempre ali para sustentar e permitir o seu crescimento.
A política de Paulo Octávio
Deputado federal, senador, vice-governador e governador do Distrito Federal: este é o extenso currículo político de Paulo Octávio. O empresário começou a carreira em cargos públicos como deputado federal, em 1991, pelo PRN, partido que seria sucessivamente renomeado para Partido Trabalhista Cristão (PTC) e para Agir – como hoje se denomina.
Em 1998, elegeu-se novamente deputado federal, já pelo PFL (futuro DEM), partido pelo qual também se elegeria senador, nas eleições de 2002. Ocuparia a posição até o fim de 2006, quando foi eleito ao Palácio do Buriti como vice-governador da chapa de José Arruda, à época também no DEM.
A Paulo Octávio estava reservada ainda a honra de ser governador do Distrito Federal por 12 dias. Mas o caminho para o grande feito foi pavimentado por escândalos de corrupção e, por consequência, pela prisão do então governador, José Arruda.
A gestão de Arruda e PO seguia relativamente tranquila, já próxima ao fim do segundo ano de mandato. A aprovação do governo pelas pesquisas da época apontava uma boa reputação frente à população – em grande parte como resultado das obras emergenciais realizadas. Mas, em novembro de 2009, a Polícia Federal deflagraria uma operação que daria o tom do desarranjo que seria o último ano de governo do DEM.
A operação “Caixa de Pandora”, levada a cabo pela PF naquele ano, tinha por objetivo derrubar um esquema de propina da base aliada ao governo. O delator do esquema, Durval Barbosa, então secretário de Relações Institucionais do governo Arruda, entregou para a PF várias gravações de negociatas com empresários, lobistas e políticos. Cenas onde criminosos guardavam dinheiro na meia ou faziam oração para agradecer ao dinheiro de propina ficaram famosas à época.
Contudo, a cena mais importante para entender a figura aqui relatada foi a de José Arruda recebendo R$ 50.000,00 em notas de R$ 100, quando ainda era pré-candidato ao governo do DF. O pagamento demonstrava que o governo de seu antecessor, Joaquim Roriz, estava patrocinando a campanha de José Arruda. O esquema de corrupção envolvendo o futuro governador começara em 2004, com um acúmulo de dinheiro desviado na casa dos 56 milhões de reais.
Não obstante, ainda haveria um outro escândalo instaurado no governo, agora sob a batuta de PO e Arruda, o já mencionado “Mensalão do DEM”. Nas acusações de Durval Barbosa, o governador e vice estavam extorquindo empresas prestadoras de serviço para o GDF em troca de propina aos deputados distritais, o que possibilitaria o voto a favor de matérias no legislativo.
Nas imagens que circularam nos telejornais a figura de PO não aparece. Contudo a persona do diretor geral do conglomerado empresarial de Paulo Octávio, Marcelo Carvalho, figura em uma das filmagens. Durval Barbosa também disse que chegou a entregar 200 mil reais diretamente nas mãos de PO. Todos esses indícios fizeram com que as suspeitas sobre ele aumentassem.
Até então, toda a repercussão do escândalo havia se restringido a pressões para Arruda e PO internamente no DEM, levando à saída do governador do partido. No dia 11 de fevereiro de 2010, contudo, as consequências do esquema de corrupção ultrapassariam o campo da política: Arruda seria preso por decisão do STJ. Ao mesmo passo, o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, defenderia uma intervenção federal ao governo de Brasília, elevando a pressão para a saída de PO.
O fim da linha para PO chegou: após 12 dias, em 23 de fevereiro de 2010, Paulo Octávio renunciava ao cargo de governador do Distrito Federal. Com a perda substancial do apoio político de correligionários e até da própria sigla – da qual era presidente no DF – a situação ficara insustentável e culminaria na renúncia do cargo. PO sai então de cena, alegando que abdicaria da vida pública para focar na administração do seu conglomerado. Algo que, sabemos, não passariam de meras palavras soltas ao vento.
Paulo Octávio hoje: o conglomerado e a política
Atualmente, Paulo Octávio é o presidente do Partido Social Democrata no DF, tendo oficializado sua candidatura ao Palácio do Buriti no último dia 5 de agosto. PO terá como seu vice na chapa Felipe Belmonte (PSC) – outro milionário da capital – conhecido por ser o idealizador do natimorto partido de Jair Messias Bolsonaro, o Aliança pelo Brasil, cuja cerimônia de lançamento ocorreu no salão do hotel de Paulo Octávio, o Royal Tulip, gentilmente cedido pelo empresário.
PO é o candidato mais rico ao cargo de governador em todo o país, tendo declarado um patrimônio de quase 700 milhões de reais. Mesmo com tamanho patrimônio, as benesses concedidas a ele pelo Estado não findam: dias antes de oficializar a candidatura, PO fechou um acordo com o Ministério Público, pelo qual se livrará da condenação à inelegibilidade por 10 anos, além de ter anistiada a multa de mais de R$ 65 milhões. O caso versava sobre a improbidade administrativa na construção do JK Shopping. Tudo em troca da realização de duas obras que, juntas, somam o valor de R$ 7,5 milhões, 12% do valor inicialmente devido.
Os benefícios concedidos pelo Estado e pela sua apropriação privada são a base da extensão ininterrupta do capital de Paulo Octávio. Segundo o próprio site de sua holding, o atual conglomerado de PO é composto por uma empresa de energia, a PO Energy; cinco shoppings: Iguatemi, Brasília Shopping, Taguatinga Shopping e JK Shopping; uma corretora de seguros, a Terraço Corretora de Seguros; 4 rádios e 1 emissora de televisão, a saber, a Rádio JK AM, Rádio Mix AM, Rádio Mix FM, Rádio JK FM e a emissora TV Brasília; cinco hotéis da rede Plaza Brasília Hotéis; duas concessionárias de veículos, a Bali Jeep e Bali FIAT. Tudo isso além da sua fonte inicial de riqueza, os empreendimentos imobiliários, ramo em que seu conglomerado contabiliza mais de 52 mil imóveis comercializados.
A força do poder político de Paulo Octávio é uma simbiose inseparável entre capital extraído da exploração de mais de 21 mil trabalhadores e profunda corrupção política. Para piorar, a perpetuidade de sua atuação política, ao que tudo indica, já está garantida no seio de sua família, entranhada nos mecanismos de poder do Distrito Federal. Paulo Octávio não passa, portanto, de mais uma árvore apodrecida de amontoar dinheiro – como bem dizia Brizola – cuja derrubada política é tarefa primordial e incontornável da construção de um verdadeiro Poder Popular na capital do país.