Entrevista do Momento: Helga Maria Martins de Paula
Jornal O MOMENTO – PCB da Bahia
Helga – Sim, sou professora de Direito Público da Universidade Federal de Jataí desde 2010. O processo de fascistização do Estado autocrático burguês brasileiro é alimentado e amplificado pela instrumentalização do aparato jurídico-institucional para aprofundar a criminalização da pobreza, dos movimentos sociais populares , trabalhadores e juventude: fato é que o direito, enquanto forma jurídica desta sociabilidade capitalista (no nosso caso, dependente e periférica), é central para, de um lado, a manutenção da acumulação capitalista por meio da superexploração dos trabalhadores e consequente expropriação de direitos sociais, direitos trabalhistas, previdenciários e de assistência social, as chamadas expropriações secundárias (vide as contrarreformas trabalhista e previdenciária, engendradas ainda nos governos petistas, e encaminhadas no governo golpista de Temer e genocida de Bolsonaro). Por outro lado, é perpetrador da criminalização da pobreza tendo como consequência o encarceramento em massa, o extermínio dos trabalhadores, lutadores sociais, juventude negra e periférica, povos indígenas, mulheres, comunidade LGBT.
Como temos a fragilidade da classe trabalhadora após décadas de apassivamento e cooptação, o que acarreta dificuldades concretas de mobilização e uma subjetividade marcada por este caldo cultural reacionário no qual há uma dissociação entre os problemas reais da classe trabalhadora e as suas dimensões contextuais e consequenciais, hoje, temos que fazer as medicações necessárias para termos a possibilidade de nos inserirmos no processo histórico sem sermos eliminados de pronto: lutar pelos direitos e liberdades democráticas não por si mesmos, esgotados em si mesmos, e sim como o horizonte para a construção de um cenário tático e estratégico de elevação do processo de consciência.
A nós, cabe uma tarefa histórica hercúlea e necessária: trabalhar a reorganização da nossa classe, seu protagonismo no bloco histórico hegemônico com um programa anticapitalista e anti-imperialista: derrotar o fascismo e suas expressões diversas (inclusive no campo jurídico) e superar a subjetividade cooptada de parte da nossa classe ocupando espaços de trabalhos de base nos nossos locais de trabalho, estudo, moradia.
Helga – Para nós, comunistas, a conjuntura exige a inserção programática que permita construirmos e dialogarmos um programa para nossa classe: são 100 anos forjados nas lutas e em acúmulos que nos permitem, sem anacronismos, avançarmos no processo de superação de uma sociabilidade exploratória e marcada por opressões.
PT e Psol/Rede colaram suas candidaturas em Lula e, mesmo assim, não deslancharam e, além do rebaixamento programático (que não enfrentou de frente o agronegócio, a militarização das escolas, as privatizações, terceirizações e contrarreformas em âmbito estadual), ainda amargaram um refluxo em relação a momentos eleitorais anteriores. Nesse sentido, nossa candidatura, com todos os obstáculos colocados por um conjunto legislativo e da mídia burguesa (fomos obstados de participar dos debates, por exemplo), avançou no sentido da robustez programática e da leitura acertada no enfrentamento central ao agronegócio, a indústria pobreza do Brasil, como diria a camarada Sofia Manzano. Saímos do processo eleitoral com o grande desafio de mantermos a leitura política acertada para avançarmos programaticamente na reorganização da nossa classe no estado, dados os desafios já colocados.
Recursos para saúde e educação públicas são cortados em nome do superávit primário, são alvos de uma “responsabilidade/recuperação fiscal” que atende ao interesse de pagamento de juros para banqueiros e de emendas parlamentares, e, de maneira concomitante e dando sustentação ao este modelo macroeconômico, há também um acelerado processo de desmonte de políticas ambientais, desmonte este sustentado pela bancada do agronegócio no Congresso Nacional: hoje, temos apenas 27% a 30% do bioma original do Cerrado, a destruição de aquíferos e retrocessos profundos na pauta da demarcação das terras indígenas, com o aumento da violência direta contra os povos indígenas, comunidades tradicionais e movimentos sociais de luta pela terra.
Uma reforma agrária popular que promova a alteração do modelo de desenvolvimento e estabeleça um novo padrão econômico, proporcionando distribuição de riqueza e melhoria da qualidade de vida, tributar o agronegócio, para a produção de alimentos para o mercado interno com garantia de financiamento estatal e preços mínimos, incentivo à cooperativização, permitindo um reordenamento espacial do desenvolvimento econômico e social, com a criação de polos de desenvolvimento , bem como a elaboração e execução de planos diretores populares para as cidades, visando a harmonização e equalização do processo de crescimento econômico e a consequente distribuição da riqueza socialmente gerada. Enfrentar os setores da burguesia goiana é enfrentar o agronegócio.
Helga – Minhas referências são de educadoras e educadores, venho de uma família de trabalhadores da educação do interior do estado de São Paulo, trabalhadores que enfrentaram a ditadura empresarial militar e que construíam, cotidianamente, a luta pela educação. Participei das lutas do movimento estudantil desde o ensino médio em Ribeirão Preto, atuando, durante o curso de direito, junto aos trabalhadores rurais da região, na luta pelos direitos trabalhistas e acesso à terra. Mas, o aprofundamento da leitura da práxis comunista vem com as lutas no movimento sindical de professores a partir de 2012, já professora da UFG Jataí, na construção da greve e da seção sindical do ANDES-Sindicato Nacional em Jataí, a ADCAJ.
Helga – O momento pede uma mobilização de todos aqueles e aquelas que defendem não apenas as liberdades democráticas atacadas de forma cada vez mais intensa por vislumbres farsescos golpistas fomentados pelo caldo cultural reacionário fascista bolsonarista, mas sobretudo a busca de um novo rumo para o país, na perspectiva dos interesses populares. Derrotar as ameaças de golpe, o fascismo e também romper com a agenda neoliberal extremada, denunciando a crise social, e a barbárie naturalizada. Após décadas de apassivamento da classe trabalhadora, apassivamento este alicerçado na estratégia de conciliação de classes, grande é a dificuldade no processo de mobilização que supere a lógica personalista e casuística: fato é que espaços vazios são espaços ocupados e, durante as últimas quarenta décadas, estes espaços foram ocupados pelo fundamentalismo religioso e pela lógica individual empreendedora neoliberal que forja as relações sociais.