Banhado a Marx: luta de classes e moradia

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Luta de classes: o Capital e a Comunidade do Banhado

Por Vitor Ferreira, Secretário Político do PCB/SJC

“Está claro como a luz do Sol que o Estado atual não pode nem quer remediar a tragédia da falta de moradias. O Estado nada mais é que a totalidade do poder organizado das classes dominantes, dos proprietários de terras e dos capitalistas em confronto com as classes espoliadas, os agricultores e os trabalhadores. O que não querem os capitalistas individuais tampouco quer o seu Estado. Portanto, embora individualmente o capitalista simule lamentar a escassez de moradia, dificilmente mexerá um dedo mesmo que superficialmente para diminuir as consequências terríveis, e o capitalista global, o Estado, também não fará mais do que isso. Quando muito, tomará providências para que o grau de dissimulação superficial que se tornou usual seja aplicado em toda parte do mesmo modo. Vimos que é extremamente isso que ocorre.”
Friederich Engels em 1872-1873, ‘Sobre a questão da moradia’.

Nessa semana, o inimigo do povo trabalhador de São José dos Campos, o Prefeito Anderson Farias, através da justiça burguesa, conseguiu uma liminar para despejar 5 famílias da comunidade do Banhado, não temos nenhuma dúvida que esse número pode rapidamente ser multiplicado.

O Banhado é uma das mais importantes áreas de preservação em São José dos Campos, “a capital da tecnologia”. A região é um polo na manutenção do clima e na qualificação do ar da cidade. A comunidade Jardim Nova Esperança, localizada em uma parte do Banhado, é a principal responsável pela conservação do espaço, já que não o afeta com construções ou qualquer outra atividade que danifique a paisagem natural.

As mais de 450 famílias que ali moram estão tão enraizadas ali, quanto a própria natureza, falamos aqui de uma comunidade de 103 anos de idade que mantém harmonicamente a relação sócio metabólica entre humanidade e natureza. Os moradores da comunidade trabalham com agricultura, reciclagem e criação de animais, além de desenvolverem diversas atividades culturais. A retirada das famílias afetará diretamente toda de vida das pessoas, rotinas, emprego, convivência comunitária e etc. Além de passar por cima de valores históricos de pessoas que vivem no Banhado há mais de 70 anos.

O reacionário Prefeito Anderson Farias se aproveita da atual conjuntura onde no estado de SP, o neofascista Tarcísio de Freitas foi eleito governador e carrega consigo, como vice-governador o ex-prefeito de São José dos Campos, Felício Ramuth, o qual ao abdicar da prefeitura para ser vice de Tarcísio, fez de Anderson (que era vice de Felício) prefeito. Além disso, Anderson utiliza um grande espantalho para justificar o despejo das famílias, de maneira sádica inclusive. A liminar usa como base uma lei de proteção ambiental criada em 2012, pelo também reacionário Eduardo Cury (prefeito da época), ignorando o simples fato de que as famílias já habitavam aquela região por décadas.

Sabemos que as justificativas são meramente jogos de palavras vazias, até porque, já foi apresentado para a prefeitura um projeto verdadeiramente preocupado com a questão ambiental na comunidade, um projeto elaborado pelas universidades e professores. Com auxílio de drones, de tecnologia e técnicos e com participação da comunidade. Ainda assim, é completamente desconsiderado pela prefeitura, o chamado “Plano Popular de Urbanização e Regularização Fundiária”.

A ideia é clara, privatizar a região até que consigam expulsar todo o resto das famílias para que lucrem com as terras e, naturalmente, esse lucro privado, não terá nenhum retorno social algum, ao contrário, os capitalistas receberão isenções de impostos como se estivessem preservando alguma coisa além do seu próprio interesse de classe.

Isso se confirma quando analisamos a totalidade da complexidade desse processo, em 2011 houve o anúncio da construção da ‘Via Banhado’, obra a ser financiada pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), essa obra não foi adiante pela mobilização popular, pelos movimentos sociais, Defensoria Pública, setores dos ambientalistas de SJC e da comunidade do Banhado que lutaram bravamente contra esse projeto. ‘A Via Banhado’ é o grande sonho dos “gestores” burgueses desde PSDB, passando por PT e não seria diferente agora, com neofascistas, isso porque, essa construção é, decididamente, a menina dos olhos mercado, o desejo expansionista do capital, da especulação imobiliária.

Não estou fazendo esse debate sem lastro, há um exemplo concreto na cidade, a construção da ‘Via Norte’, obra que afetou drasticamente a várzea, onde de maneira nada surpreendente, 54% do empreendimento está inserido na Área de Proteção Ambiental Estadual do Banhado, usando o aterramento de solos moles, sem estudos prévios ambientais (Laudo Pericial da Via Norte). Há um processo tramitando no Tribunal de Justiça do Estado de nº 0002093-68-2011-8-26-0577 referente a série de atrocidades cometidas na realização da ‘Via Norte’.

“Nos dois primeiros livros de O Capital são exaustivamente trabalhados de maneira quase simultânea a dimensão histórica e a dimensão lógica da expansão do capitalismo. O livro I enfatiza o processo de produção do capital. Nele, Marx reitera inúmeras vezes o eixo de sua análise: compreender histórica e logicamente o capitalismo exige não perder jamais de vista a base da vida real, o conjunto das atividades que asseguram a reprodução da existência, objetiva e subjetivamente. A produção material da vida social – o solo concreto no qual se enraízam as mais diversificadas práticas – remete, nos termos de Marx, a uma relação social dominante, na qual se embebem todas as cores e que marca, objetiva e subjetivamente, o conjunto dos seres sociais para os quais tais práticas, muitas vezes, aparecem como se fossem naturais”. (FONTES, 2010, p. 40).

Com a aglomeração urbana, o preço dos aluguéis sobe, a relação entre especulação fundiária e imobiliária é imbricada, uma acontece para que a outra também aconteça, simultaneamente. Antes (e ainda hoje) o camponês era expropriado de seus meios de subsistência e por isso, migrava para os centros urbanos, lá não havia outra opção a não ser vender sua força de trabalho. A apropriação do capitalista sobre a terra deixada pelo camponês se completa agora, com a apropriação da mais-valia do camponês proletarizado. O trabalhador não recebe pelo seu trabalho, recebe apenas pelo seu tempo de trabalho, recebe apenas uma quantia que permita ele/ela e sua família sobreviverem e, voltar ao emprego no dia seguinte. Capital é uma relação social: acumulação primitiva e dominação, expropriação e espoliação, exploração e mercantilização, monopolização e expansão, especulação, crise e nova acumulação. Um ciclo vicioso, que varia seus momentos de ordem, suas formas de fazer, seus interlocutores, a presença do imperialismo, as disputas entre as burguesias e a intensidade da luta de classes, mas isso é o Capital.

“Dinheiro e mercadoria, desde o princípio, são tão pouco capital quanto os meios de produção e de subsistência. Eles requerem sua transformação em capital. Mas essa transformação mesma só pode realizar-se em determinadas circunstâncias, que se reduzem ao seguinte: duas espécies bem diferentes de possuidores de mercadorias têm de defrontar-se e entrar em contato; de um lado, possuidores de dinheiro, meios de produção e meios de subsistência, que se propõem a valorizar a soma-valor que possuem mediante compra de força de trabalho alheia; do outro, trabalhadores livres, vendedores de sua própria força e trabalho e, portanto, vendedores de trabalho. […] Com essa polarização do mercado estão dadas as condições fundamentais da produção capitalista. A relação-capital pressupõe a separação entre os trabalhadores e a propriedade das condições da realização do trabalho”. (MARX, 1996, p. 340).

As casas, os prédios e todos os locais de moradia, não são feitos para que as pessoas morem em primeiro lugar, mas antes de tudo, são meios para se obter lucro privado, são mercadorias. Se existe mais imóveis vazios do que gente sem casa (e isso é um fato), tanto faz! Não importa se tenham milhares de pessoas morando embaixo da ponte e milhares de prédios abandonados, no capitalismo teto é para dar lucro para o capitalista, casa não é abrigo de condição humana de vida, de novo, é mercadoria, assim como tudo no capitalismo.

O caso do Banhado é um desses desdobramentos, os moradores já estão proletariazados, moram numa parte rural dentro do meio urbano e vendem força de trabalho no centro. Então os capitalistas atualizam sua maneira efetivar o ciclo do Capital, é preciso novas formas de sugar os trabalhadores. Expulsam as famílias que não terão mais casa própria, ou financiarão moradia pagando prestações e juros altíssimos até morrer, ou pagarão aluguel abusivo até morrer. Os capitalistas lucrarão bilhões na construção da ‘Via Banhado’, valorizar a área com a obra, construir um complexo imobiliário para venda ou locação de casas/prédios na região, tudo isso ligado a economia bancária de juros e construir meio metro quadrado de reserva ambiental de faixada.

“Tanto esforço fazia-se necessário para desatar as ‘eternas leis naturais’ do modo de produção capitalista, para completar o processo de separação entre trabalhadores e condições sociais de trabalho, para converter, em um dos polos, os meios sociais de produção e subsistência em capital e, no polo oposto, a massa do povo em trabalhadores assalariados, em ‘pobres laboriosos’ livres, essa obra de arte da história moderna”. (MARX, 1994, p. 292).

Nós iniciamos o ano de 2022 em São José dos Campos, fazendo um ato político em memória dos 10 anos do ‘Massacre do Pinheiro’, o maior e mais brutal ato de despejo da América Latina, fruto desse mesmo processo do Capital em nossa cidade. E agora, nós encerramos o ano numa grande assembleia popular na Comunidade do Banhado, onde os moradores decidiram resistir e enfrentar a prefeitura, a lei burguesa e o aparato policial e militar do Estado burguês.

A prefeitura deu até o dia 21 de janeiro para os moradores e moradoras saírem da região do Banhado, exatamente um dia antes de se completarem 11 anos do Massacre do Pinheirinho, sadismo, perversão, ganância e tirania.

Enquanto militante PCB/SJC estarei junto das famílias, das crianças, dos pais e mães, avôs e avós. Do povo pobre e trabalhador!

Essa não é somente uma luta entre moradores da comunidade e prefeitura, é antes de tudo, uma luta entre capital e trabalho, capitalistas e trabalhadores. É luta de classes na prática!

É preciso que se estenda toda solidariedade possível para com as famílias, que se divulgue todo esse processo, as injustiças, os crimes e os interesses da classe dominante. É preciso juntar-se a essa luta, para que não ocorra nenhum outro massacre e para que avancemos na luta de classes concreta, para que avancemos sobre o capital!

Nenhuma casa abaixo! Abaixo a prefeitura!
Pela regularização fundiária!
Pelo Poder Popular e pelo Socialismo!

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