Entrevista do Momento: Maria Carol

Jornal O MOMENTO – PCB da Bahia

Por Milton Pinheiro – Membro do Comitê Central do PCB e do conselho editorial do jornal O Momento

Maria Carol é secretária política da UJC, dirigente do PCB, professora de geografia e ex-diretora de relações internacionais da UNE.

O Momento – Você é uma militante do movimento estudantil que está exercendo um papel dirigente importante, como avalia essa luta nesse momento?

Maria Carol – O movimento estudantil brasileiro cumpriu e cumpre um papel destacado nas mobilizações, puxaram os grandes atos de 2018 e 2019 e tiveram uma importante participação na retomada às ruas durante a pandemia quando exigimos vacina para toda a população. E agora retomam com fôlego a luta contra a reforma do ensino médio, pela manutenção e ampliação da Lei de Cotas, pela recomposição orçamentária das instituições públicas de ensino, contra as intervenções e pelo reajuste das bolsas na graduação e na pós. Embora o conjunto de reivindicações feitas no momento sejam de extrema importância, preocupa-nos que as entidades nacionais – UNE, UBES e ANPG – não reflitam sobre a realização de uma reforma profunda na educação brasileira, que passe por atender as bandeiras de luta que foram levantadas nas últimas décadas, mas para dar conta de colocar as classes populares e os movimentos sociais na centralidade do debate de qual modelo de instituições e currículos que necessitamos.

Uma iniciativa como essa seria um passo importante para sair de uma postura defensiva e avançar na construção de uma ofensiva dos estudantes, que possuem toda a capacidade de formular qual projeto de escola e universidade deve vigorar em nosso país. Agora, em que o calendário de atividades foi restabelecido em formato presencial, a expectativa é que eles possam ser aproveitados ao máximo para aprofundar a discussão e fazer com a rede do movimento estudantil possa crescer, superar contradições e avançar ainda mais nas suas mobilizações de forma responsável e independente. A luta dos estudantes não pode estar restrita ao campo da educação, afinal antes de estudantes somos os filhos e filhas da classe trabalhadora e por isso que todas as nossas lutas devem estar conectadas. É tarefa de cada um dos segmentos da luta, seja estudantil ou não, estar à disposição das necessidades gerais do conjunto de trabalhadores.

O Momento: Para além da sua militância na universidade, quais seriam os temas centrais da conjuntura que podem movimentar a classe trabalhadora na atual luta de classes?

Maria Carol – Atualmente, a classe trabalhadora, em especial a juventude trabalhadora, sofre não só com os efeitos da crise econômica, mas também com o intenso processo de retirada de direitos que tivemos no último período com os governos de extrema direita, iniciados com Temer e agravados com Bolsonaro, Mourão e seus aliados. Embora a vitória de Lula tenha representado uma derrota eleitoral para os setores mais extremistas da direita, sabemos que a composição do parlamento está recheada dessas figuras que se movimentam para impor novos ataques às classes populares. Existe um excesso de expectativa com o novo governo do PT, que também é formado por figuras da direita e declarados liberais que apoiam medidas que vão no sentido oposto da melhoria das condições de vida e luta, o que aumenta a responsabilidade daqueles que se mobilizam para derrotar os efeitos do bolsonarismo, mas não querem retomar para uma conjuntura imediatamente anterior ao golpe, pois também não era um mundo de maravilhas como insistem algumas figuras políticas da esquerda.

Não se pode mencionar essa tal melhoria da condição de vida dos trabalhadores sem pautar a imediata revogação da emenda constitucional 95, que congelou os investimentos em saúde e educação, e das reformas trabalhista e da previdência. É preciso também reverter toda a agenda de privatização imposta pelo governo anterior, bem como restabelecer e ampliar políticas de acesso à moradia, saúde e educação. Vivenciamos um estado de “terra arrasada” e de falta de perspectiva entre a juventude que sofre com os elevados índices de desemprego, e condições precárias de trabalho. O Brasil não será reconstruído de maneira espontânea, e nosso objetivo final é a construção de um país que ainda não vivemos, para isso não pode faltar mobilização popular.

O Momento: Como dirigente da UNE (União Nacional dos Estudantes), que papel você apontaria para essa entidade diante do governo do presidente Lula?

Maria Carol – A União Nacional dos Estudantes é a maior entidade estudantil da América Latina, com um legado importantíssimo e apresenta um enorme potencial de organização e mobilização dos setores juvenis em nosso país, mas para dar conta das tarefas mais centrais dessa conjuntura é preciso assegurar toda sua autonomia e independência. Ao longo do ciclo progressista que tivemos no Brasil, a UNE se perdeu ao assumir uma postura de submissão aos governos de Lula e Dilma quando confundiu seu papel de entidade representativa dos estudantes e atuou como uma espécie de comitê do governo federal e desmobilizou as lutas da educação em função de acordos e negociações da alta cúpula.

Essa postura é um grave erro que não pode se repetir no momento atual, embora é preciso reconhecer que esta postura não foi adotada somente pelo setor da educação, mas uma tendência que diferentes organizações sindicais e parte dos movimentos sociais assumiram e resultou no apassivamento da classe trabalhadora que se viu desarmada e incapaz de responder à altura de importantes ataques sofridos, e até mesmo resistir ao golpe em 2016. Reconhecer os erros do passado é o primeiro passo para construir uma UNE que esteja preparada para reorganizar o conjunto do movimento estudantil brasileiro, e seja capaz de liderar as lutas em defesa das instituições públicas de ensino, da recomposição e ampliação orçamentária, da aplicação de medidas efetivas de acesso e permanência, contra a perseguição e intervenção, avanços dos grandes monopólios privados de ensino e principalmente capaz de conduzir mudanças profundas nas universidades.

A UNE deve estar preparada para apresentar um projeto claro de educação e universidade, que sobretudo, dialogue com as principais necessidades da classe trabalhadora hoje. Acredito que uma medida central para isso seja a retomada dos seus fóruns e sua reaproximação com a base dos estudantes, principalmente nesse contexto pós pandemia, e seja firme na valorização dos acertos do atual governo de Lula, assim como esteja disposta a realizar todas as cobranças e críticas necessárias. Uma entidade nacional não é capaz de superar essas contradições de forma isolada, por isso é fundamental que este debate seja realizado com os centros e diretórios acadêmicos, diretórios centrais, executivas e federações de curso, uniões estaduais e municipais, ou seja, um debate para toda a rede do movimento estudantil brasileiro.

O Momento: Você é dirigente comunista e secretária política da UJC (União da Juventude Comunista). Qual é a centralidade dessa organização na luta juvenil e política?

Maria Carol – É com muita alegria que hoje afirmamos a existência de uma UJC consolidada, nacionalizada e determinada a superar seus limites e avançar ainda mais. Nos últimos anos, a Juventude Comunista viveu um momento de crescimento acelerado que demonstra que os jovens brasileiros têm buscado saídas revolucionárias e apostado na organização política e coletiva como meio de transformação de suas realidades e da condição da nossa classe. Junto desse crescimento a UJC também passou por um período importante de amadurecimento, que ficou evidente durante de todas as etapas de nosso 9º Congresso Nacional, em novembro de 2022, onde não só a direção foi renovada como importantes debates foram travados acerca de uma atuação mais profissionalizada para dar conta de formular e agir com base nos principais desafios que estão colocados para os jovens no Brasil. Compreendendo a fase em que nossa organização se encontra, não se pode menosprezar a capacidade de organizar a juventude em território nacional para ir além de uma luta para recompor e ampliar direitos e melhores condições de vida e trabalho.

Hoje a UJC contribui para o avanço de uma perspectiva revolucionária das lutas juvenis, em acordo com as lutas de toda a classe trabalhadora, apontando que saída passa por romper com a lógica viciada de conciliação de classes e acordões, mas sim da urgência de conectar os desafios do momento atual com o nosso horizonte estratégico de construção do Poder Popular e do Socialismo. Os jovens comunistas têm se dedicado em colocar suas melhores contribuições a serviço das lutas das classes populares, seja nos movimentos de bairro, cultura e estudantis, mirando na superação das perspectivas liberais, individualistas e reacionárias de organização. A União da Juventude Comunista, no auge dos seus quase 95 anos, é uma alternativa para todos que compreendem que só seremos verdadeiramente livres de qualquer opressão e exploração se derrotarmos a lógica capitalista e suas crueldades.

O Momento: Na atual quadra histórica, a partir do perfil da classe trabalhadora, como analisa o processo que coloca em cena as questões de gênero, raciais e de orientações sexuais?

Maria Carol – Qualquer análise da classe trabalhadora que ignore sua diversidade está destinada ao erro. As opressões baseadas nas questões de gênero, raça e orientação sexual intensificam a exploração capitalista contra os trabalhadores e buscam legitimar um conjunto de violências diante da sociedade. Dito isto, é preciso reconhecer que existem diferentes perspectivas de encarar a luta contra opressões e que ela pode ser cooptada pela lógica liberal e/ou reformista, o que se coloca como um obstáculo a ser vencido por aqueles que defendem uma transformação radical da nossa sociedade. O sistema capitalista é capaz de transformar as lutas da classe trabalhadora em mercadoria, fonte de lucro ao mentirosamente se apresentar com uma face flexível e acolhedora, quando na realidade segue ceifando a vida de milhares de nós. Um exemplo crucial para esta situação é a forma como a noção de representatividade foi completamente esvaziada, marcas, empresas e até mesmo espaços políticos da extrema direita se valem de um “selo humanizado”, por terem alguns poucos negros, mulheres e LGBTQIA+ em suas fileiras, mas seguem colaborando uma agenda de retirada de direitos – como as contrarreformas trabalhista e da previdência, o teto dos gastos e privatizações – que impactam prioritariamente essas parcelas da classe trabalhadora.

Pautar as lutas da classe trabalhadora exige uma compreensão de quem são os trabalhadores hoje e quais são suas necessidades, mas sobretudo conectar as ditas lutas específicas com o nosso horizonte estratégico, só será possível conquistar uma verdadeira libertação da nossa gente se os movimentos reconhecerem que o capitalismo e suas opressões não podem ser consertados. E a saída para ambos está na mesma caminhada para construir um mundo sem exploradores e explorados, onde todos possam ter sua existência respeitada e de forma digna. Por isso, para os comunistas, é urgente a construção do Poder Popular.

O Momento: Qual é o perfil da juventude brasileira e por quais bandeiras ela luta?

Maria Carol – No Brasil de hoje, a juventude sofre com a falta de perspectiva, muitos estão desempregados, ou funções extremamente precarizadas, como é o caso dos entregadores de aplicativo, com dificuldades para se manter na universidade, e outros que sequer conseguiram realizar o sonho de acessar o ensino superior. Estamos tratando de uma parcela da população que sofre demasiadamente com as questões de saúde mental, geradas ou agravadas pelo contexto de crise econômica. A violência também é uma pauta central, já que vivemos um sistemático genocídio de jovens pretos e pobres nas periferias, e do assassinato de jovens indígenas e quilombolas que estão na resistência contra a exploração do agronegócio e da mineração.

Os jovens da classe trabalhadora também desempenham um papel fundamental no sustento de seus lares e famílias, reduzir as demandas da juventude trabalhadora somente as pautas de educação e lazer é um erro de quem não conhece a realidade da nossa classe. Muitas das campanhas de juventude trazem a bandeira da vida, no sentido mais genuíno que isso possa representar. Os jovens não só lideram movimentos e lutas centrais, mas também pautam a defesa de emprego, com direitos garantidos, de um SUS 100% público e gratuito, de uma escola e universidade popular, pelo fim do vestibular, por um transporte eficiente e verdadeiramente público, de lazer, pela garantia de espaços de acesso e produção de cultura, pelo fim das operações policiais e da normalização dos assassinatos.

O Momento: Existe a possibilidade de uma articulação de esquerda que construa uma Frente Única, pensando na integração da juventude e do conjunto dos trabalhadores no sentido de enfrentar o neofascismo, mas que também apresente um programa para movimentar o conjunto da classe trabalhadora nas lutas que ora se apresentam?

Maria Carol – Pensando na unidade entre juventude e trabalhadores, não só é possível como extremamente necessária, inclusive para quebrar a falsa fragmentação entre esses setores, afinal pertencemos à mesma classe e travamos as mesmas batalhas. Para executar bem a tarefa de impor uma derrota efetiva ao neofascismo, os conservadores e os golpistas é preciso ter clareza que teremos momentos diferentes em nossas lutas e que eventualmente nossos aliados também mudarão. Hoje, é urgente apresentar um programa que estabeleça marcos mínimos para uma vida digna, que passe pela geração de emprego, enfrentamento à fome, ampliação da saúde e educação, assegurar moradia e transporte. Assim como avançar na defesa da organização popular nos locais de moradia, estudo e trabalho, seja no campo ou na cidade, impondo um freio ao crescimento de organizações de extrema-direita, neofascistas e golpistas, disputando a classe trabalhadora e sua consciência.

Nessas trincheiras, encontraremos companheiros que defendem diferentes projetos para nosso país, incluídos os setores que apostam nas vias reformistas e na conciliação de classe. Por isso, sem diminuir nenhuma dessas lutas, apontamos que os revolucionários defendem ir ainda mais longe, e aí que nos diferenciamos e fica evidentemente o que nos separa: para nós não basta lidar com o problema é preciso destruir aquilo que o criou. Nossa maior aliada tem que ser a classe trabalhadora, com toda sua diversidade e seus diferentes movimentos, e nosso maior compromisso tem que ser com a revolução!