A ameaça de colapso do sistema bancário ocidental

Notas sobre a crise financeira em curso

Jorge Figueiredo

As crises recorrentes de que padece o capitalismo, cada vez mais frequentes e mais violentas, indicam um esgotamento deste modo de produção. Como bem descobriu Paul Sweezy, há uma tendência estagnacionista do capitalismo na sua fase monopolista: ele já não consegue crescer como antes, na sua fase pujante. E hoje atingimos uma fase hiper-monopolista, pois apenas quatro firmas (BlackRock, Vanguard, Fidelity Investments, State Street) controlam a maior parte das corporações no mundo todo (ocidental). A impossibilidade de aumentar a produção vendável – realizar o valor – de bens reais conduziu à atual financeirização e isto levou à acumulação de capital fictício em volumes espantosos. Como bem apontou Paul Craig Roberts, hoje os cinco maiores bancos dos EUA têm derivativos que representam o dobro do PIB mundial. Em suma, o sistema chegou à sua fase senil e, pode-se dizer, autofágica. O capitalismo deixou de ser um fator de progresso (que já foi no passado) e passou a ser fator de retrocesso. A tendência ao retrocesso deverá intensificar-se cada vez mais com concentrações e fusões.

A falência do SVB (16º maior banco dos EUA) e do Silvergate no dia 11 de março é um indício do que mais está por vir. Ela revelou ondas de choque e expôs a situação periclitante da banca e entidades financeiras (os shadow banks) não só nos EUA como também na Europa ocidental. As cotações da banca mergulharam nas bolsas de valores dos EUA (a do First Republic Bank caiu 60%, a do PacWest Bancorp 45%, …) e do resto do mundo (a do Credit Suisse caiu 15%, a do UniCredit 9%, …). Nos EUA as bolsas chegaram a suspender as cotações de dezenas de bancos.

Importa pouco para uma análise examinar os casos de corrupção individual dos integrantes do sistema. O CEO do SVB, por exemplo, conseguiu vender US$3,6 milhões das suas ações pessoais no dia 27 de fevereiro – quando ninguém ainda sabia da catástrofe que se avizinhava. Mas para o exame de tendências a detecção de casos de polícia certamente são irrelevantes.

A causas imediatas do naufrágio do SVB já foram bem descritas por Roberts: a alta das taxas de juros determinada pelo governador do Federal Reserve “apodreceu” títulos da dívida pública a longo prazo emitidos pelo governo estadunidense que constavam no Ativo daquele banco. Note-se o contraste: na crise de 2008 o que estava podre eram as suprimes, títulos de atividades privadas – mas agora o que apodreceu foram os títulos emitidos pelo próprio governo dos EUA (!).

Também é interessante examinar as medidas de salvamento do SVB adotadas pelo governo americano. Nos EUA o seguro cobre o depositante até o montante de US$250 mil e verificou-se que 96% dos seus depositantes tinham depósitos superiores a essa quantia. Mas o pânico das autoridades foi tamanho que, sem obrigação legal, anunciaram de imediato a cobertura total dos depositantes do SVB. Disseram as autoridades americanas que tal despesa não seria suportada pelos contribuintes (mas falta saber se isso é verdade; como pode não sair do orçamento de Estado e como seria possível fazer o mesmo em futuras insolvências de bancos).

No imediato, há dois ativos que saem incólumes desta nova crise financeira: o ouro e o bitcoin. Isto confirma as suas potencialidades e confirma também que poderão/deverão constituir uma base para a(s) futura(s) moeda(s) que virão substituir o dólar quando for possível concretizá-las no mundo multipolar que está a caminho – quando este estiver livre da potência hegemônica que transformou a sua moeda em arma de guerra. A experiência com o ouro é milenar e o bitcoin está sendo testado na prática em El Salvador.

Por outro lado, a deterioração das moedas fiduciárias (fiat money) – o dólar, o euro, etc – intensificou ainda mais a tendência para o seu definhamento progressivo nas transações internacionais entre países soberanos. É evidente que o congelamento dos US$300 bilhões de reservas russas depositadas em bancos ocidentais também contribuiu poderosamente para aumentar a desconfiança do resto do mundo em relação ao dólar.

Outra consequência irônica desta crise bancária é o fato de os pacotes de sanções inéditas impostas pelo sr. Biden contra a Rússia – inclusive com a sua exclusão do SWIFT – preservaram os bancos russos da contaminação dos bancos ocidentais. O sistema financeiro russo, assim como o chinês e o iraniano, ficou imune à crise ocidental. Biden não é Deus, mas parece que escreveu certo por linhas tortas.

Em suma, a crise vai continuar e tenderá a se intensificar. E há sempre a possibilidade de metástases enquanto perdurar o atual sistema monetário. Se as lições da história valem alguma coisa, convirá ler ou reler a obra clássica de John Kenneth Galbraith The Great Crash 1929, assim como o livro de Bernard Gazier, El crac del 29 (ed. oikos-tau).

15/Março/2023

Do autor acerca de crises de caráter conjuntural:

Este artigo encontra-se em resistir.info

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