Queremos uma UFF pintada de povo!

Pela recomposição orçamentária, pela revogação da EC 95, pelo reajuste das bolsas e por uma assistência estudantil estruturante! Por uma UFF popular!

Giovanna Quitete* e Thiago Santin**

O país assistiu, no último mês, o tão aguardado e urgente reajuste das bolsas CNPq e CAPES pelo governo federal, congeladas desde 2013. As bolsas de desenvolvimento acadêmico representam a remuneração de estudantes-pesquisadores, trabalhadores da ciência, que dedicam seus dias a um trabalho que não os oferece nenhum tipo de direito trabalhista, nem mesmo nos reconhece enquanto trabalhadores. Com o acumulado da inflação na última década, vemos que a valorização real das bolsas está muito aquém da real necessidade dos estudantes e, muitas vezes, não cobre sequer o valor gasto por mês em passagens para a universidade. É imprescindível que se entenda a pesquisa como um trabalho. E, para além disso, que não se paute a obtenção de uma bolsa por valores meritocráticos.

Atualmente, o estudante que consegue se inserir em projetos de pesquisa, ensino e extensão é o estudante que não precisa trabalhar para garantir sua permanência na universidade. Normalmente são estudantes com alto coeficiente de rendimento e que têm a possibilidade de se dedicar integralmente à graduação, uma vez que, para boa parte dos processos, o CR é critério avaliativo. O alto nível de exigência e carga horária dos projetos, aliado a uma bolsa que mal paga o deslocamento do estudante e quase sempre não permite vínculo trabalhista, afastam a juventude trabalhadora, mulheres, a juventude negra e periférica, dos espaços de produção científica, assim como pessoas LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade, que são expulsas de casa e vivem expostas às mais duras contradições do sistema do capital.

A saída, porém, não está na possibilidade de acumular bolsas de pesquisa, ensino e extensão a um vínculo trabalhista. Na verdade, o vínculo CLT não nos é uma realidade, mas sim o emprego informal, precário e sem nenhum tipo de estabilidade – essa é a única saída de muitos universitários, jovens ou não, para pôr comida no prato. O reajuste anunciado nas últimas semanas é uma vitória. Mas ainda parcial. Os setecentos reais da bolsa reajustada seguem não pagando a compra do mês.

Na Universidade Federal Fluminense, instituição presente em nove municípios do estado do Rio de Janeiro, bolsistas CAPES, CNPQ e FAPERJ comemoraram o reajuste. Bolsistas de programas da própria universidade, porém, não têm o que comemorar. Segundo a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, materialmente a universidade não tem verba para reajustar nem as bolsas acadêmicas, tampouco as de permanência. À época da retomada das atividades presenciais, em março de 2022, o orçamento da universidade era 30% inferior ao do ano de 2019. Ainda no final do ano passado, sofremos atrasos nas bolsas, incerteza no funcionamento do bandejão, do busUFF, o transporte universitário, e de mais uma série de programas da universidade. O orçamento para 2023 já está votado.

Dos nove polos da universidade, apenas Niterói tem bandejão, e somente Angra dos Reis, Niterói e Rio das Ostras possuem moradia. Ambas as políticas, onde presentes, são insuficientes. Temos prédios com obras paradas e atrasadas, enquanto estudantes têm aulas em contêiner e pagam mais de quinze reais para conseguir almoçar. Estudantes, sobretudo mulheres, vivem em situação de insegurança em campi mal iluminados, vulneráveis a todo tipo de violência. Estudantes mães e pais evadem porque os auxílios da universidade são irreais.

A UFF possui mais de 68 mil estudantes, dos quais 30,8% são via Consórcio CECIERJ e cursam o ensino superior na modalidade de Ensino à Distância pelo CEDERJ, em quase trinta polos espalhados pelo estado. Alunos dessa modalidade não possuem acesso a auxílios e bolsas de assistência, nem à moradia e ao bandejão. Com um perfil majoritariamente de trabalhadores e sem a presença do movimento estudantil de forma mais capilarizada, a mobilização desses estudantes é bastante diferente da forma como conhecemos o ME no ensino presencial. As dificuldades, porém, devem impulsionar os nossos esforços. Dado o nível de proletarização desses estudantes, é urgente que os organizemos em torno da luta pelos direitos estudantis. Apesar de compreender o EaD como uma ferramenta de precarização do ensino, é nossa tarefa travar a luta imediata pelas demandas desse grupo, sem deixar de pautar o nosso norte de universidade pública, popular, de acesso universal e com garantia de permanência e formatura a toda pessoa que nela ingressar.

A UFF, instituição de prestígio e destaque nacional e internacional, possui, hoje, quase 13 mil matrículas trancadas. No portal de transparência da universidade, esses alunos inativos são números. Quem vive a universidade em seu cotidiano, porém, sabe que esse aluno que evade é o que precisa trabalhar e não consegue conciliar com os estudos, é o que ouve do professor que ou se trabalha ou se estuda, é o que estuda num polo sem bandejão e não tem como custear sua alimentação, é o que vem de longe e não consegue moradia. É a estudante mãe que não tem com quem deixar seu filho. É o que evade porque não tem perspectiva de emprego. A verdade é que tais casos de “evasão” configuram-se muito mais como expulsões – quando não há as condições para entrar e permanecer, toda evasão é uma expulsão.

No cenário em que vivemos hoje, as bolsas de pesquisa têm assumido equivocadamente um papel de bolsa permanência. Isso porque a esmagadora maioria dos estudantes da federal fluminense não conseguem se utilizar da bolsa recebida para aprimorar seus estudos, ou garantir melhores condições para realizar os trabalhos, nem mesmo para ter acesso ao lazer e à cultura. Os processos seletivos estão sempre cheios de inscritos esperançosos, que veem a bolsa como uma possibilidade de não ter mais que escolher qual dia irá à faculdade por não ter o dinheiro de passagem.

Precisamos de uma assistência e permanência fortalecida e estruturante, que não seja bolsificada ou pontual, mas que seja permanente e atravesse gerações de estudantes. No retorno presencial da UFF, em 2022, os auxílios oferecidos pela PROAES tiveram seus valores reajustados. Como consequência disso, a quantidade de alunos que seriam atendidos com esses auxílios foi diminuída, pois reduziram o número de bolsas. E os problemas não pararam por aí. O resultado foi adiado várias vezes, até que o primeiro pagamento ocorreu apenas entre o terceiro e quarto mês de aulas, resultado da organização dos estudantes, que se mobilizaram em torno de uma campanha pelo pagamento das bolsas e fizeram frente à reitoria e à antiga gestão do DCE, composta pelo setor da majoritária da UNE (sobretudo UJS, LPJ e Kizomba), que estavam reunindo todos os seus esforços para a reeleição do reitor – mesmo que isso custasse a permanência estudantil.

A UFF que queremos deve ser construída por nós. Estamos longe, ainda, do cenário que almejamos: de acesso universal, garantia de permanência e formatura, e pesquisa-ensino-extensão voltados para a emancipação da classe trabalhadora. Mas é tarefa de nós, comunistas, nos organizarmos em torno dessa construção em cada centro e diretório acadêmico, no diretório central dos estudantes, coletivos e demais espaços da universidade, como nos conselhos superiores.

A saída imediata pode até ser mediada por auxílios ou bolsas. Mas a universidade que queremos é pautada por uma assistência estudantil estruturante, pela democracia universitária de fato, e articulação do tripé pesquisa-ensino-extensão para a soberania popular, e não para atender as demandas do capital. E assim nos posicionamos porque queremos trabalhadores, mulheres, a juventude negra e periférica e pessoas LGBTQIA+ produzindo ciência nesse país, sem restrições ou qualquer tipo de impedimento, mas com todas as condições necessárias e a melhor qualidade que puder ser oferecida.

Estamos e estaremos organizados, até que o orçamento da nossa universidade seja o que realmente demandamos. Até que a assistência estudantil chegue a todos que dela precisam. Até que todos os estudantes estudem em salas equipadas e almocem em um bandejão que não seja setenta centavos, mas sim de graça. Até que as nossas bolsas sejam reajustadas acima da inflação. Até que a privatização não seja um fantasma que constantemente nos cerca. Até que a UFF não bata mais recordes em “evasão”.

Enquanto nos sufocam com a corda em nossos pescoços, queremos a recomposição do nosso orçamento. Queremos que as bolsas pagas pela UFF sejam reajustadas segundo o valor do governo federal. Queremos passe livre estudantil intermodal e intermunicipal. Queremos que as obras dos prédios em construção sejam finalizadas e entregues. Queremos que as bolsas de permanência sejam reajustadas, oferecidas em maior número e pagas em dia. Queremos busUFF rodando em mais horários e mais rotas. Queremos, como estudantes trabalhadores que somos, viver com dignidade o que a universidade pública pode (e deve) nos oferecer.

Não nos cansaremos. Nossa luta pode durar uma vida inteira, mas nossa classe não pode esperar mais. Portanto, façamos das palavras de Che, sobre Cuba, a nossa força para essa construção.

“Tenho que dizer que [a universidade] se pinte de negro, que se pinte de mulato. Não só entre os alunos, mas também entre professores. Que se pinte de operário e camponês, que se pinte de povo, porque a Universidade não é patrimônio de ninguém e pertence ao povo de Cuba.
[…]
E o povo que triunfou, que está até mal acostumado com o triunfo, que conhece sua força e sabe-se que é avassaladora, está hoje às portas da universidade, e a universidade deve ser flexível, pintar-se de negro, de mulato, de operário, de camponês ou ficar sem portas. E o povo a arrebentará e pintará a Universidade com as cores que melhor lhe pareça.”

Lutar, criar, uma Universidade Federal Fluminense popular!

* Giovanna Quitete é estudante de licenciatura em História na Universidade Federal Fluminense, bolsista PIBIC/CNPq na Faculdade de Educação da UFF, e egressa do Programa de Monitoria FEUFF/PROGRAD/UFF e do Programa de Educação Tutorial PET-SESu/MEC. Foi gestão do Centro Acadêmico Ivan Mota Dias e da Federação do Movimento Estudantil de História (2019-2021). É diretora de Extensão Popular da União Estadual dos Estudantes do Rio de Janeiro, coordenadora geral do DCE Fernando Santa Cruz da UFF, e militante da UJC e do PCB no Rio de Janeiro.

** Thiago Gonçalves Santin é estudante de licenciatura em Ciências Sociais na Universidade Federal Fluminense, conselheiro discente no Conselho Universitário da mesma instituição, membro do Diretório Acadêmico Raimundo Soares e militante da UJC no Rio de Janeiro.

Foto: Luiza Magalhães