A Europa continua indefensável
Juliana Catinin (Militante do CNMO RJ e do PCB RJ)
Há setenta anos, Aimé Césaire declarava a Europa como sendo indefensável. O crime? A sua história de colonialismo, nazi-fascismo e de racismo (e cito essas três palavras com receio de parecer pleonasmo). Há poucas semanas, um novo episódio de racismo no futebol espanhol tomou conta dos noticiários. Mais uma vez o caso foi de ofensas contra o jogador brasileiro do Real Madrid Vinicius (Vini) Junior. Digo mais uma vez, pois essa não foi a primeira, e infelizmente estou convencida de que não terá sido a última. Vini foi xingado de “macaco” praticamente o jogo inteiro entre Real Madrid e Valencia por grande parte do público no estádio. Às vias de acabar o jogo, ele sofre uma agressão, se defende e acaba sendo o único expulso. Anteriormente ele já havia sido xingado em outros jogos e até um boneco representando o jogador havia sido arremessado de uma ponte, simulando um enforcamento.
Infelizmente o racismo que vemos no futebol não é descolado da sociedade. O que chegou para nós através do contexto do futebol é algo que faz parte da estrutura das relações sociais europeias e está numa crescente… Talvez o futebol nem seja o principal termômetro para medirmos a que grau anda o racismo e o fascismo europeus. Podemos atentar também para nossa reflexão sobre a ascensão da extrema-direita na política institucional. Dito de outra forma, isto corresponde a uma tendência na Europa (e em outros lugares): quando em momentos de crise no capitalismo, há a ascensão e o fortalecimento do fascismo, pois capitalismo e fascismo fazem parte de um mesmo processo histórico. E os movimentos de extrema-direita na Europa reúnem ideários de supremacistas brancos, ideários do europeu como povo superior e a defesa de seus valores contra a suposta “degradação” feita por imigrantes. Porém, a extrema-direita fascista não está mais na penumbra social (aliás nem deveriam existir), mas estão cada vez mais à vontade para disseminar suas ideias ao ar livre. Seria trágico que eles se estabelecessem na política institucional, não é? Pois é, talvez já tenhamos que lamentar.
Esse movimento, expresso no futebol, conforme sinalizei, também é visto na política institucional e constata o quão estabelecidos e consolidados os grupos de extrema-direita estão na Europa. Eles estão tão à vontade, tão bem organizados que estão assumindo de forma acelerada vagas no parlamento de vários países do continente de alguns anos pra cá. A própria Espanha, por exemplo. O Vox, partido de extrema-direita fundado em 2013, traz as pautas “clássicas” de grupos desses tipos, como xenofobia, racismo, anticomunismo e negacionismo. Mas o que chama a atenção é a defesa de uma alteração de memória históricas da ditadura franquista na Espanha por parte de seus quadros e eleitorado. Levando em consideração que o regime fascista no país só terminou nos anos 1970, a organização, a deformação da memória e o resultado de votação expressiva em favor do partido me fazem pensar que a ascensão da extrema-direita na Espanha é algo que já passou da fase de alerta e já se encontra em fase de perigo eminente.
A Espanha é uma monarquia parlamentarista, portanto, o voto de cada eleitor vai para o partido que querem que o represente no parlamento. O Vox em 2018 obteve 11,1% dos votos e 12 dos 109 assentos no parlamento regional. Em 2019, obteve a terceira maior parcela de votos nas eleições gerais. E agora, com uma aliança com a direita tradicional do país em vários municípios e estados, fizeram com que a esquerda perdesse em várias regiões onde já estava estabelecida. Se o Vox tinha 530 vereadores e representantes eleitos no país, com as eleições do dia 28 de maio deste ano, o número aumentou para mais de 1,6 mil.
Porém, a Espanha não é nem o pior caso que temos na Europa. Países como Hungria e Polônia já vêm sendo governados pela extrema-direita. No caso da Polônia, o partido de extrema-direita “Lei e Justiça” governa desde 2015, tendo como atual primeiro-ministro Mateusz Morawiec. O partido possui um discurso abertamente homofóbico, anti-imigrante e anticomunista como algumas das suas principais pautas.
Já na Hungria o cenário não é tão diferente. Viktor Orban do Fidesz, da “União Cívica Húngara”, está no poder como primeiro-ministro desde 2010. Sua ascensão veio de discussões contra o imigrante e atualmente está focada em atacar os direitos LGBTQIA+. Ambos os casos são marcados por homofobia e racismo (racismo pois os imigrantes que eles não querem receber são racializados como não-brancos; lembremos dos jornalistas do continente descrevendo os imigrantes ucranianos que deveriam ser recebidos de braços abertos, pois “são brancos como nós [europeus]”).
Além desses locais, podemos apontar o caso da França, em que a extrema-direita, representada na figura de Marine Le Pen da “Frente Nacional”, chegou ao segundo turno nas duas últimas vezes. Na Alemanha o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) cresceu rapidamente com sua agenda contra os migrantes. Na Itália o partido “Irmãos de Itália”, representado pela figura de Giorgia Meloni e com o slogan “Deus, pátria e família”, ocupa o cargo de primeira-ministra italiana. Na Suécia os “Democratas Suecos” alcançaram apenas 5,7% dos votos nas eleições de 2010, mas cresceram para 12,9% em 2014 e 17,2% em 2018 e ano passado subiram para 20,5%, ficando em segundo lugar, atrás dos sociais-democratas.
Destaco esses casos para exemplificar como a extrema-direita está organizada a ponto de ganhar cargos nos parlamentos com um discurso abertamente homofóbico, racista e anticomunista, e isso pode significar que na sua base há coisa muito pior. A sociedade europeia insiste em se refugiar no distanciamento do passado, no fingimento, na hipocrisia, no esquecimento, na cegueira de tudo aquilo que ela não consegue justificar de sua história. O colonialismo não é passado, pois não foi superado. Negar isso é colaborar com a sua perpetuação. Portanto, não se trata de um “caso isolado” nos estádios de futebol, mas uma marca histórica da sociedade europeia que sempre recorre ao fascismo em momentos de crise do capitalismo.
A imprensa brasileira colocou seu holofote sobre o caso de racismo no futebol, mas ignora o movimento de extrema-direita fascista crescente no continente europeu, como se uma coisa não estivesse ligada a outra. O discurso contra o imigrante não-branco não é algo que aparece apenas no futebol, muito pelo contrário. E um questionamento pertinente é: se quase um estádio inteiro, lotado, se sente à vontade para disparar ofensas racistas contra um dos melhores jogadores em atividade na Espanha (se encaminhando para ser o melhor jogador do mundo), o que um imigrante sem o status e o dinheiro do Vinicius Junior pode sofrer nesse território? Podemos não querer nem pensar, mas é necessário.
O que fazer para frear o crescimento do fascismo? Uma resposta curta e direta: só a revolução socialista derrota o fascismo. Sabemos que a revolução não é construída do dia para a noite, mas sabemos também que sem um movimento comunista forte o fascismo anda sem constrangimento à luz do dia, principalmente nos estádios de futebol. Além disso, não é só na Europa que a extrema-direita vem ganhando espaço, mas essa região ainda possui grande interferência na política global e se encaminha cada dia que passa para cenários mais sombrios. Para além disso, essa reflexão tenta mostrar a conotação de urgência de uma transformação radical de um sistema social opressor, colonizador e dominante em escala planetária. Essa é uma luta que temos de construir no nosso dia a dia em diferentes bases de atuação da classe trabalhadora internacional.