Organizar a luta contra o trabalho escravo!

Imagem: Agência Pública

Nota do Comitê Regional do Partido Comunista Brasileiro do Rio Grande do Sul

Nos últimos meses, trabalhadores de todo o país assistem indignados às repercussões da descoberta do trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves (RS). Trabalhadores vindos da Região Nordeste, em sua maioria da Bahia, foram as principais vítimas da violência da exploração do trabalho por empresários e atravessadores que prestam serviços terceirizados. Este é um processo de escravização do trabalho mesclado com racismo e xenofobia praticados pelos latifundiários e donos das vinícolas nas colheitas de uvas na Serra Gaúcha.

As vinícolas Salton, Aurora e Garibaldi são as responsáveis pela contratação da empresa terceirizada Oliveira & Santana, cujo dono, Pedro Augusto Oliveira Santana, foi preso e pagou fiança de 40 mil reais para ser solto. A empresa terceirizada contrata trabalhadores em sua maioria vindos da Bahia. Alguns outros eram do sul. Os relatos são de racismo e xenofobia principalmente com aqueles vindos da Bahia. As condições que sofriam eram de violência, jornadas de trabalho de mais de 15 horas, ameaças, alimentação inadequada (alimentos estragados). Além disso, os trabalhadores não recebiam seu salário como combinado e eram proibidos de sair do local sem pagar suas dívidas abusivas, mantidas em um mercado que praticava altos preços.

As vinícolas negaram saber do caso. No entanto, a responsabilidade por contratar a empresa Oliveira & Santana é das próprias vinícolas. Este é um dos motivos pelos quais a burguesia defende a terceirização, para não precisar se responsabilizar pelos crimes cometidos na superexploração do trabalho, lavando as mãos sempre quando um caso deste estoura. A terceirização avançou a passos largos no Brasil desde a contrarreforma trabalhista do governo Temer, por meio da qual a tercerização da atividade fim permitiu que casos de trabalhos análogos à escravidão fossem mais comuns e contassem com uma cobertura legal do aparato jurídico do Estado. A constante defesa dos empresários da Serra Gaúcha, abertamente escravistas, ao governo Bolsonaro pavimentou o caminho para a tragédia no Rio Grande do Sul. Foi levantado, na linha de investigação, que policiais da Brigada Militar (a polícia estadual do RS) participaram das torturas contra os trabalhadores e acobertaram os empresários escravistas, mostrando, mais uma vez, o papel reacionário que é cumprido pelas forças de repressão no estado gaúcho.

A situação por si só já era terrível, e a burguesia local e seus representantes trataram de afundar-se mais no caso. A nota da Associação Comercial de Bento Gonçalves responsabiliza o sistema assistencialista do governo pela falta de mão de obra local qualificada. Já é conhecido da população na Serra Gaúcha que muitos daqueles trabalhadores do campo, que antes prestavam serviços precários e sofriam exploração igual ou parecida às vividas pelos nordestinos migrados, largam os trabalhos nas safras e vão procurar oportunidades de trabalho nos principais polos industriais da região, onde encontram postos de trabalho com mais garantias de pagamento e direitos, como em Caxias do Sul, a maior cidade da Serra. O posicionamento do Centro de Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (CIC-BG), que relacionou o trabalho análogo à escravidão a uma “falta de mão de obra” e um suposto “sistema assistencialista”, demonstra que a burguesia da região segue buscando “justificativas” para a superexploração dos trabalhadores. Mesmo lucrando R$ 200 na média por cada garrafa de vinho de boa qualidade, a burguesia resiste a pagar salários dignos para os trabalhadores rurais, preferindo centrar suas críticas no frágil sistema de seguridade social que temos em nosso país.

E foi em Caxias do Sul onde foi protagonizada a síntese do pensamento reacionário desta burguesia e seus representantes políticos locais. Sandro Fantinel, um vereador bolsonarista declarado, protagonizou uma verdadeira apologia do trabalho escravo, defendendo as vinícolas, destilando xenofobia e racismo ao se referir aos trabalhadores baianos, chamando-os de “preguiçosos” e todos aqueles fenótipos típicos da burguesia brasileira e sua rejeição à região que forneceu grande parte da mão de obra proletária em nossa história. Dizendo preferir a “gente limpa” dos argentinos, demonstram que na verdade não tratam de forma diferente nem mesmo a mão de obra imigrante, pois quatro dos trabalhadores egressos da Argentina meses depois foram resgatados em regime análogo á escravidão em Nova Petrópolis, também na Serra.

A abertura do processo de cassação do mandato de Sandro Fantinel colocou sob evidência a hipocrisia da Câmara dos Vereadores de Caxias do Sul, a maioria formada por liberais e bolsonaristas, defensores dos interesses dos empresários locais, mas que, diante da repercussão nacional, fingiram por um tempo não ter nada a ver com o reacionarismo do seu colega. Os vereadores reacionários de Caxias são tão merecedores de cassação e responsabilização criminal como o racista Fantinel, e foram tão coniventes com o trabalho escravo na região que rejeitaram a cassação assim que o processo de votação foi realizado depois que a poeira da repercussão nacional baixou.

O problema também se manifesta nos Pampas. Em Uruguaiana, numa estância que se dedica ao cultivo de arroz, 85 adultos e adolescentes foram encontrados no mesmo regime de trabalho depois de uma denúncia anônima ao Ministério Público do Trabalho (MPT). Os trabalhadores ali encontrados foram recrutados nos outros municípios da fronteira, demonstrando que, mesmo os próprios gaúchos são aliciados para esse tipo de regime, evidenciando que o critério de fundo sempre é o de classe e o quão pauperizada é a condição material destes indivíduos, sendo coagidos a se sujeitar a um regime de trabalho desumano. E como toda sujeira é pouca diante do avanço das investigações sobre as condições de trabalho escravo existentes no estado, neste mês de junho, numa pedreira localizada no município de São José de Inhacorá, no noroeste do RS, também foram encontrados trabalhadores em condições análogas à escravidão.

Nós do PCB RS entendemos que tal regime análogo à escravidão se manifesta com mais casos em nosso estado dada uma combinação da forma de dominação política da burguesia local com a forma com que esta defende seus interesses em âmbito estadual. Em recente relatório divulgado em abril por uma comissão da Assembleia Legislativa do RS (ALRS), constatou-se que o Governo Estadual falhou na maioria quase absoluta de suas atribuições no combate ao trabalho escravo em seu território, pois das 38 ações sob responsabilidade do governo do Estado, 34 não foram cumpridas desde a implementação do programa em 2013!

Contra o escravismo imposto pela burguesia, é necessário travar a luta de classes e fortalecer a independência da classe trabalhadora. É urgente o fortalecimento dos sindicatos e associações dos trabalhadores rurais, que precisam ser retirados da inércia conciliadora para poderem se tornar instrumentos de luta, para que defendam melhores condições de trabalho e inclusive a própria vida das e dos trabalhadores. Não somos ingênuos. Sabemos que as condições de organização independente dos trabalhadores nas pequenas cidades, onde as relações do campo são predominantes, exigem um grau de profissionalização e senso de compromisso com a luta para conseguir fazer frente à muito bem articulada e poderosa burguesia local e toda a cumplicidade e auxílio que recebem dos políticos locais e das forças de segurança.

É necessário ampliarmos a solidariedade entre os diferentes setores da classe trabalhadora, entre o movimento estudantil e sindical na região da Serra e, especialmente, entre os trabalhadores do Sul e do Nordeste. Independentemente da região, ocupam os mesmos postos de trabalho, são trabalhadores e pertencem à mesma classe e categoria e devem ser tratados e amparados nos mesmos laços de camaradagem e solidariedade com que são tratados os demais trabalhadores da Serra Gaúcha. Nossa classe não tem nada a ganhar com o racismo e a xenofobia defendidos pela burguesia; por outro lado, temos um mundo a ganhar, se nos unirmos para derrubar o sistema explorador e racista. A região da Serra Gaúcha exige que os lutadores sejam mais fortes e bem organizados para enfrentar um poderoso e violento poder local, muito bem relacionado com o Estado, conforme as denúncias vão aumentando e jogando mais luz sobre os fatos. Os trabalhadores locais só têm a ganhar se organizando de forma permanente, profissional e coletiva.

Para além das responsabilizações criminais e boicotes, que podem ser táticas imediatas úteis, o PCB defende que, para combatermos o trabalho análogo à escravidão, precisamos ir à raiz do problema. Precisamos lutar pela revogação da Reforma Trabalhista e da Lei da Terceirização, instrumentos que permitem a superexploração e a escravização das e dos trabalhadores. Defendemos ainda a expropriação das empresas responsáveis pelo trabalho escravo e sua entrega aos trabalhadores rurais locais e migrantes em forma de cooperativas a serviço da reforma agrária, já que todo o processo de produção é tocado por eles e os patrões nada mais fazem do que se apropriar até a última gota de suor e sangue de sua força de trabalho, uns verdadeiros parasitas.

Ao contrário do que divulgam os empresários e toda a sua tropa de choque na política e na imprensa, a realidade mostra que a escravidão segue sendo fundamental para a sustentação do sistema capitalista. Por isso, convocamos os simpatizantes de nossa linha na região a construir um Partido Comunista forte na Serra Gaúcha e em todo o estado. Só a luta popular independente é capaz de derrotar esse sistema e levar o povo pobre e oprimido ao poder.

Punição e prisão para quem pratica e faz apologia do escravismo e da tortura!

Liberdade de organização e reunião dos trabalhadores temporários e permanentes das safras!

Pela independência organizativa de nossa classe, livre dos patrões!

Pelo Poder Popular, pelo Socialismo!

Comitê Regional do PCB-RS.

Fontes: https://sul21.com.br/noticias/politica/2023/04/relatorio-da-alrs-expoe-falhas-no-sistema-de-erradicacao-do-trabalho-escravo-no-estado/

https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2023/03/recrutador-de-trabalhadores-resgatados-em-situacao-analoga-a-escravidao-em-uruguaiana-assina-acordo-com-mpt-clfczk1tv000k016be0jwa7o5.html

https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2023/04/02/argentinos-sao-resgatados-de-trabalho-analogo-a-escravidao-em-nova-petropolis.ghtml

https://gauchazh.clicrbs.com.br/pioneiro/politica/noticia/2023/05/como-sera-a-sessao-que-vai-votar-cassacao-do-vereador-sandro-fantinel-de-caxias-clhl7e65w00f7016xcfyftrpa.html

https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2023/06/22/cinco-trabalhadores-sao-resgatados-em-situacao-degradante-de-trabalho-no-rs.ghtml