A farsa do pleno emprego e a manipulação da mídia

Edmilson Costa*

O IBGE, baseado em dados da PNAD Contínua, divulgou na semana passada que o mercado de trabalho vem apresentando dados positivos, com a redução do número de desempregados para 6,8%, o menor indicador desde 2012. Os indicadores registram ainda que o setor privado e o setor público apresentaram crescimentos expressivos, tendo o setor privado alcançado 52,5 milhões de trabalhadores/as ocupados/as e o setor público, 12,7 milhões de trabalhadores/as em algum tipo de ocupação. O IBGE também indica que o rendimento médio habitual de todos os trabalhos, que corresponde a trabalhadores/as, empregadores/as, trabalhadores/as por conta própria, teve um aumento médio de 0,7%, atingindo R$ 3.206,00 mensal no trimestre encerrado em junho. Vale ressaltar que rendimento médio, num país com a brutal concentração de renda como o Brasil, é uma peça de ficção, pois coloca na mesma cesta comparativa empregadores/as e trabalhadores/as em geral e serve apenas como referência estatística, mas está muito distante da vida real.

Em termos gerais, o que se pode observar desses números é que a economia, apesar das travas do arcabouço fiscal, está apresentando um crescimento moderado (poderia ser muito maior se não fossem as medidas tomadas pelo próprio governo) e o mercado de trabalho está acompanhando esta performance. A renda também cresceu, mas num patamar inferior à dinâmica observada no mercado de trabalho, em função de que os empregos criados nesse período geralmente são de baixa remuneração, uma vez que os empresários se aproveitaram da conjuntura de desemprego no período anterior para rebaixar o preço da mão de obra.

Mas o que chama a atenção é a reação do chamado mercado e dos seus porta-vozes na mídia corporativa, que logo buscaram tirar partido da conjuntura econômica para fazer valer seus interesses. Tão logo foram anunciados os números do IBGE, os abutres do mercado financeiro começaram a difundir espalhafatosamente que a economia estaria aquecida e que o mercado de trabalho se encontrava próximo ao pleno emprego. Dentro de tal lógica, a conjuntura levaria a economia a uma retomada da inflação e, portanto, seria necessário o Banco Central reforçar a austeridade e aumentar os juros para evitar uma escalada inflacionária.

Como num jogo combinado, imediatamente os papagaios de pirata da mídia corporativa começaram a reproduzir os interesses da banca privada, colocando em telejornais seus principais representantes para assustar a população com a ameaça da inflação caso não se aumentassem os juros. Num país onde a mídia se transformou no partido político do setor especulativo e parasitário da economia brasileira, um crescimento da economia e do emprego, que deveria ser encarado como um fato positivo, se transforma, como num passe de mágica, num motivo para que os banqueiros e especuladores em geral busquem aumentar ainda mais o saque ao fundo público.

Qual é a verdadeira situação do mercado de trabalho? Mesmo levando em conta esses dados positivos, a realidade do mercado de trabalho brasileiro é dramática e não tem nada de pleno emprego. Pelo contrário, só uma propaganda mentirosa pode caracterizar essa conjuntura do mercado de trabalho brasileiro como de pleno emprego. Se não vejamos: o número atual de desempregados/as, segundo a própria PNAD Contínua, é de 7,4 milhões de trabalhadores/as. A esse contingente poderemos agregar os/as desalentados/as (pessoas que desistiram de procurar trabalho), que somam 3,2 milhões de trabalhadores/as. Além disso, temos ainda a população subocupada por insuficiência de horas trabalhadas, cujo total é de 5,0 milhões de pessoas. Nada parecido com aquilo que o pessoal da Faria Lima chama de pleno emprego.

TABELA 1
Empregados, desempregados, desalentados, subutilizados por conta própria e empregadores (milhões), 2024:

Setor privado 52,5
Setor público 12,7
Por conta própria 25,4
Trabalhadores domésticos 5,8
Empregadores 4,2
População desocupada 7,4
população desalentada 3,2
População subocupada 5,0

Fonte: PNAD Contínua, 2024

Ora, se somarmos os/as desempregados/as oficiais, mais os/as desalentados/as, já encontraremos um número muito elevado de desemprego real: 10,6 milhões de trabalhadores/as. Além disso, temos ainda 5 milhões de pessoas subocupadas que gostariam de ter mais horas de trabalho. Se levarmos ainda em conta que os/as trabalhadores/as desempregados/as e desalentados/as têm família, com a companheira e, no mínimo, um filho, poderemos dizer que temos um contingente de mais de 30 milhões de pessoas sem renda. Essa é a economia aquecida e o pleno emprego desses abutres financeiros.

Vejamos mais alguns dados que revelam exatamente a precariedade do mercado de trabalho brasileiro. O número de empregados/as do setor privado atingiu 52,5 milhões de trabalhadores/as, mas aqueles/as com carteira assinada somam apenas 38,5 milhões, enquanto nesse mercado 13,9 milhões não têm registro em carteira de trabalho. Os/as trabalhadores/as por conta própria alcançam 25,4 milhões, empregados e empregadas domésticas são 5,8 milhões e aqueles que estão no setor público somam 12,7 milhões. Mas o dado mais escandaloso, que expõe de maneira cruel a precariedade do mercado de trabalho brasileiro, é o fato de que 39,4 milhões de trabalhadores/as (38,7%) estão na informalidade, sem qualquer garantia ou direito trabalhista.

Ou seja, numa conjuntura dessa ordem, só mesmo um agrupamento de cínicos ou ainda um conjunto de escribas pagos para propagar na mídia corporativa a mentira inventada pelos cínicos pode dizer que o mercado de trabalho brasileiro está aquecido, que trabalhadores e trabalhadoras estão ganhando muito e que isso poderá levar o país a uma escalada inflacionária. Não se trata apenas de constatar uma mentira ou um desprezo pela inteligência das pessoas, mas esse balão de ensaio mostra apenas a ganância da fração parasitária da burguesia brasileira.

Explicando o debate sobre pleno emprego

Essa questão do pleno emprego é uma invenção keynesiana relativa aos países centrais no período dos chamados 30 anos gloriosos, quando o capitalismo cresceu a taxas elevadas com algum tipo de distribuição de renda, resultado de um processo no qual as burguesias estavam na defensiva porque apoiaram o nazismo, e os trabalhadores experimentavam maior poder de fogo, uma vez que tiveram papel fundamental na resistência ao nazifascismo. Além disso, o sistema capitalista precisava dar alguma resposta social à União Soviética e ao enorme prestígio do socialismo, que foi a principal força que derrotou o nazismo.

Naquela conjuntura é que surgiu a questão do pleno emprego. Para os keynesianos, o pleno emprego refere-se a uma situação em que todos os/as trabalhadores/as que estão aptos e desejam trabalhar se encontram empregados/as. Entretanto, esse conceito não implica em desemprego zero, pois nessa situação ainda existe algum tipo de trabalhador/a desempregado/a, que os keynesianos conceituam como desemprego friccional ou desemprego voluntário. Desemprego friccional é uma situação na qual os/as trabalhadores/as estão em transição quando, por exemplo, estão mudando de emprego. Já o desemprego voluntário está ligado a uma situação em que os/as trabalhadores/as optam por não trabalhar, seja por razões pessoais ou por outras razões.

Ainda segundo os keynesianos, para que uma economia possa operar numa situação de pleno emprego é necessário a intervenção do Estado demandando bens e serviços de forma a compensar as chamadas imperfeições do mercado. Nesse contexto, o papel do Estado é central, mediante o gasto público e a implementação de políticas fiscais e monetárias que possam compensar as flutuações da demanda agregada. Somente com a intervenção do Estado na economia se poderia chegar a essa situação de pleno emprego keynesiano.

No entanto, para os marxistas, o conceito de pleno emprego é uma contradição com o próprio sistema capitalista, que sempre necessita de um certo nível de desemprego (exército industrial de reserva) para manter a pressão sobre os salários e garantir a disciplina dos/as trabalhadores/as. Esse “exército de reserva” serve como uma espécie de mecanismo de controle para o capital, pois a ameaça de desemprego reduz a demanda dos/as trabalhadores/as por aumento de salários e mantém a força de trabalho subordinada ao capital.

Quais as reflexões que podemos fazer a partir da conjuntura atual?

Primeiro, os abutres financeiros, reconhecendo a fragilidade política do governo Lula, levam em consideração que esse governo, na essência, faz a política das classes dominantes, intensifica a pressão para a edição de mais medidas que aprofundem a austeridade e favoreçam os banqueiros e especuladores, mesmo com argumentos estapafúrdios como esse do pleno emprego. Para tanto, contam com a área econômica do governo (Haddad e Tebet) para enfeitar essas teses com dados técnicos e assim continuar ganhando rios de dinheiro com a especulação financeira e saqueando o fundo público.

Segundo, como a economia brasileira está passando por um longo período de estagnação, isso gera elevado grau de capacidade ociosa, o que abre espaço para uma retomada do crescimento econômico a taxas muito semelhantes ao período 1947-1980, sem a necessidade inicial de uma grande taxa de investimento. No entanto, o próprio governo estabeleceu travas para uma retomada forte da economia com o estabelecimento do arcabouço fiscal, uma medida feita para agradar os banqueiros. Agora, que poderia crescer a taxas muito mais elevadas, não poderá atingir esse objetivo porque atou as próprias mãos e ficou preso à política macroeconômica neoliberal, mesmo que a retórica governamental seja outra.

Nessa conjuntura, resta implementar apenas as políticas de compensação social, que são típicas do neoliberalismo. Num país onde a miséria atinge largas faixas da população, os salários são baixos e os serviços públicos precários, medidas como o Bolsa Família, BPC, Prouni, entre outras, têm grande repercussão, pois aliviam a pobreza. Mas, na verdade, não passam de vitrine para justificar a política mais global de favorecimento ao capital. Para se ter uma dimensão desse problema, basta dizer que no ano passado o governo gastou R$ 168 bilhões com o Bolsa Família, enquanto os banqueiros embolsaram R$ 790 bilhões com os juros da dívida interna.

Essa nova investida dos banqueiros e especuladores, com o argumento de que a economia está aquecida e no pleno emprego mostra não só a enorme ousadia e o cinismo que os setores financeiros, mas também as formas com que a mídia corporativa manipula as informações no Brasil. Não se contentam com as mais altas taxas de juros do mundo, nem com o saque ao fundo público, querem ganhar sempre mais com a especulação, mesmo que levem o país à estagnação econômica e empobreçam cada vez mais a população brasileira.

Não podemos ter nenhuma ilusão de que o governo pode mudar o rumo da economia. Aquela promessa de colocar os ricos no imposto de renda e os pobres no orçamento não passam mesmo de promessas eleitorais, pois, com o arcabouço fiscal, Haddad e Tebet na área econômica, alianças com o Centrão, as oligarquias e forças conservadoras, não se pode esperar muita coisa desse governo. Resta aos trabalhadores e às trabalhadoras insistir na política de que só as massas na rua, combinada com a organização nos locais de trabalho, estudo e moradia, possam construir um novo rumo para o país, na perspectiva dos trabalhadores, das trabalhadoras, da juventude e do povo pobre brasileiros.

*Edmilson Costa é Secretário-Geral do PCB