Camarada Horacio Macedo, sempre presente!

Camarada Horacio Macedo, sempre presente!

Eduardo Serra – professor da UFRJ e membro do Comitê Central do PCB

Em 14 de outubro de 1925 nascia Horacio Macedo, uma pessoa notável, que viveu intensamente, sendo sempre coerente com suas ideias e convicções, despertando grande admiração e acumulando realizações e importantes contribuições para a Ciência e a Universidade brasileiras, para o pensamento crítico sobre a sociedade e para a formulação de proposições com vistas à sua transformação.

Era um homem de forte personalidade que, com extrema simplicidade, falava de temas complexos como filosofia ou astrofísica para diferentes perfis de público com a mesma desenvoltura, de forma que todos pudessem compreender e debater.

Corajoso, quis alistar-se junto à Força Expedicionária Brasileira para combater o nazifascismo na Europa, tendo sido recusado por ser, ainda na ocasião, menor de idade. Formou-se violinista, mas logo em seguida abandonou uma possível carreira de músico profissional para dedicar-se à Ciência, atuando com ênfase na área da Físico-Química. Brilhou como professor e pesquisador, tendo publicado seis livros, muitos trabalhos científicos e traduzido vinte e uma obras na área de Física.

Horacio teve destacada atuação política. Militou toda a sua vida no Partido Comunista Brasileiro, no qual ingressou ainda nos anos 50. Lutou contra a ditadura empresarial-militar implantada a partir do golpe de 1964, tendo sido preso e tido seus direitos políticos cassados. Participou da retomada do movimento sindical nos anos 70 e na década seguinte. Teve participação intensa nas greves de docentes universitários, que viriam a ganhar muita força a partir do início dos anos 80. Na greve de 1984, esteve presente na atividade “Universidade na Praça”, parte do esforço para popularizar e tornar a Universidade acessível a toda a população.

Horacio foi eleito Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1985, com apoio majoritário de toda a comunidade universitária. Foi o primeiro reitor eleito pela comunidade universitária. Sua gestão foi extremamente marcante, pautada pela luta pela redemocratização do país e da Universidade, pela defesa intransigente da autonomia universitária, pelo desenvolvimento das atividades de Ciência e Tecnologia – propondo que os frutos desse esforço fossem voltados, principalmente, para as camadas menos favorecidas da população –, e pelo fortalecimento da Extensão Universitária.

A UFRJ, em sua gestão, passaria a se posicionar sobre temas nacionais e internacionais e iniciativas na esfera política em geral, com movimentações e ações conjuntas junto a diversos movimentos sociais e entidades da sociedade civil, como a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – Andifes, onde teve atuação destacada.

Logo no início de seu mandato, Horacio promoveu a exibição, no maior auditório da UFRJ, no campus do Fundão, do filme “Je Vous Salue Marie”, de Godard, que havia sido proibido pela Censura Federal. O auditório ficou pequeno para o grande número de professores/as, técnicos/as e estudantes que, dispostos a enfrentar uma possível ação de repressão policial, foram assistir ao filme. Também no começo de sua gestão, todas as taxas cobradas aos estudantes foram abolidas.

A UFRJ se fez presente em Brasília, com ampla participação da comunidade, nos debates da Assembleia Nacional Constituinte (1987 – 1988), se manifestando nas ruas e no Congresso em apoio à causa da Universidade pública, autônoma e gratuita. O artigo 207 da Constituição de 1988, que trata da Autonomia Universitária, contou com a contribuição de Horacio em sua redação.

A Extensão – inserida na Constituição de 1988, formando o tripé Ensino, Pesquisa e Extensão que caracteriza as funções fundamentais da Universidade – teve grande impulso em sua gestão. Horacio defendia que a Universidade Pública “se movesse para fora de seus muros”, como costumava dizer, e se aproximasse dos setores populares. A região da Maré, na vizinhança do campus do Fundão, foi uma prioridade das ações extensionistas.

Além da realização de um importante censo econômico e social, que teve a participação de centenas de estudantes, muitas ações de saúde, educação, urbanismo e de outras áreas foram empreendidas na região ao longo de seu mandato. Estudantes das escolas públicas dos bairros próximos ao campus do Fundão eram chamados para atividades de reforço escolar. A UFRJ ofereceria muitas opções para a sociedade participar da vida universitária, como nos cursos de qualificação profissional, Festivais de Inverno e muitas outras iniciativas.

A Reitoria, sob o comando de Horacio Macedo, instituiu seu vestibular próprio, que passou a ter provas discursivas, com ênfase no domínio de conceitos essenciais e redação, o que teve forte influência no desenvolvimento do Ensino Médio em geral.

Horacio lutou para superar o quadro de penúria material deixado pela ditadura na Universidade e reverteu o estado de forte abandono em que se encontravam as áreas humanas e sociais, priorizando-as em todas as ações necessárias ao seu fortalecimento. Ampliou e fortaleceu programas de saúde já existentes no Hospital Universitário e incentivou a criação de novas ações, reformou instalações e construiu novos prédios em todos os campi da UFRJ.

Promoveu a retomada de áreas que estavam cedidas para exploração privada, como o Hospital Escola São Francisco de Assis. Realizou muitos concursos para docentes de várias áreas, aumentou a oferta de vagas para a Graduação e a Pós-Graduação e criou novos cursos.

Horacio era um profundo conhecedor do marxismo e teve destacada militância no PCB, tendo tido fundamental participação no enfrentamento aos “liquidacionistas”, que tentaram acabar com o Partidão no início dos anos 90. Foi presidente do Partido entre 1992 e 1994 e nele permaneceu até a sua morte.

Tive o privilégio de conviver com ele ao longo de sua gestão à frente da Reitoria da UFRJ e de militar, a seu lado, no Partido Comunista Brasileiro. Com ele pude debater as obras de autores clássicos e contemporâneos do marxismo, sempre situadas em seu contexto histórico. Lembro, com carinho, que em alguns casos, em nossos debates, Horacio pedia um tempo na discussão para conferir a versão original da obra em estudo, para que “não ficasse nenhuma dúvida” sobre o tema.

Pude, ao longo da convivência, verificar a lisura com que conduzia a gestão da instituição universitária e buscava atingir os objetivos de sua função pública – voltando-a para o equacionamento das demandas das camadas menos favorecidas da sociedade e formulando propostas de solução para o seu atendimento – e a forma franca com que travava os debates políticos em geral e aqueles internos à universidade, além de sua imensa generosidade e compreensão dos aspectos humanos presentes na luta política.

Horacio viria a falecer em 24 de fevereiro de 1999. Deixou um legado importante e atual. É, sem dúvida, um exemplo de vida a ser seguido por todos os que lutam por uma sociedade justa e igualitária.

Horacio Macedo: presente! Hoje e sempre!