Não à privatização dos parques estaduais!

A Privatização dos Parques Estaduais no Espírito Santo: Impactos Socioambientais e a Resistência Popular

Comunidades, pesquisadores e servidores públicos se organizam para combater o projeto de privatização dos parques estaduais promovido pelo governo capixaba, alertando para os riscos ao meio ambiente, à cultura e à sustentabilidade econômica das regiões afetadas

 

Por Redação de O Poder Popular no Espírito Santo

Foto: Leonardo Merçon / Últimos Refúgios

Privatização dos parques: o desmonte ambiental e social no horizonte

O governo do Espírito Santo, de Renato Casagrande (PSB), sob a liderança do secretário estadual de Meio Ambiente, Felipe Rigoni (União Brasil), está no centro de uma polêmica sobre a privatização de parques estaduais, que vem gerando forte oposição de ambientalistas, trabalhadores, moradores de comunidades locais e servidores do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema). O Programa Estadual de Desenvolvimento Sustentável das Unidades de Conservação (PEDUC) tem como objetivo conceder à iniciativa privada a exploração de áreas protegidas, prometendo impulsionar o turismo e gerar receitas. No entanto, o projeto é amplamente criticado pela falta de transparência, consultas públicas e, principalmente, pelos impactos socioambientais que podem ameaçar a biodiversidade e descaracterizar as regiões afetadas.

Entre os parques incluídos na concessão estão alguns dos mais emblemáticos do estado: o Parque Estadual de Itaúnas, o Parque Estadual Paulo César Vinha, o Parque Estadual da Pedra Azul, entre outros. O processo, conduzido sem licitação e com estudos de viabilidade contratados pela multinacional Ernst & Young, enfrenta a crescente resistência de servidores públicos e comunidades que temem pela integridade desses espaços.

Impactos ambientais: degradação e extinção de espécies

A exploração comercial proposta pelo governo prevê a instalação de infraestrutura turística, como pousadas, restaurantes e áreas de lazer. No Parque Paulo César Vinha, em Guarapari, por exemplo, há planos para a construção de um restaurante sobre um monumento natural e de um estacionamento em área de restinga – ecossistema delicado e fundamental para a preservação da biodiversidade costeira. “Estamos comprometendo ecossistemas protegidos por lei”, alerta Clovis Mendes, biólogo e membro do Conselho Estadual de Cultura. A proposta é vista como uma ameaça ao “Sapinho Setiba”, espécie endêmica do parque, que corre o risco de extinção com o aumento da intervenção humana na região.

No Parque Estadual de Itaúnas, que abriga importantes áreas de restinga e manguezais, além de um patrimônio arqueológico tombado, os moradores locais se preocupam com os impactos negativos das novas estruturas no delicado equilíbrio ambiental da região. “Nós cuidamos do parque há anos, promovendo o turismo sustentável. O que está sendo proposto agora vai destruir o que já temos”, comenta Miguel Vasconcellos, pequeno empresário local e morador nativo.

Oposição dos trabalhadores do Iema e do sindicato

Os servidores do Iema, responsáveis pela gestão e proteção das unidades de conservação, também se posicionaram firmemente contra o modelo de concessão apresentado. Em assembleia organizada pelo Sindicato dos Servidores Públicos do Espírito Santo (Sindipúblicos), no dia 10 de setembro, os trabalhadores expressaram suas preocupações com a degradação ambiental e com o enfraquecimento da fiscalização nas áreas protegidas. “A chamada ‘lei da destruição’ já enfraquece a atuação do Iema, e essas concessões representam um risco ainda maior”, declarou um servidor, referindo-se à flexibilização do licenciamento ambiental promovida pela Lei 1073/2023, sancionada recentemente pelo governo estadual.

Silvia Sardenberg, servidora do Iema e secretária-geral do Sindipúblicos, aponta que, apesar da falta de investimentos por parte do governo, os trabalhadores sempre estiveram comprometidos com a preservação dos parques. “Precisamos de melhorias, sim, como reforçar a fiscalização e combater incêndios, mas antes de contratar empresas privadas, o governo deveria nos ouvir. Somos nós que estamos aqui, no dia a dia, protegendo essas áreas”, afirma Silvia.

Mauro Ribeiro, servidor da base do Sindipúblicos e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), sublinhou a importância dessas áreas de conservação tanto para a ciência quanto para a sociedade. Ele enfatizou que “as unidades de conservação e os parques estaduais preservam uma biodiversidade fundamental para futuras pesquisas”.

Segundo Mauro, além de serem essenciais para a pesquisa científica, essas áreas são um “patrimônio do povo capixaba, e sua gestão deve permanecer pública para assegurar sua preservação e manutenção”. Ele argumenta que a privatização poderia comprometer a integridade dessas regiões, prejudicando tanto o meio ambiente quanto o acesso público, e conclui afirmando que o legado de quem lutou pela proteção dessas áreas não pode ser desconsiderado. “Em respeito à memória de Paulo Cesar Vinha, que morreu lutando pela preservação daquela reserva em Guarapari”, declarou.

O vice-presidente do Sindipúblicos, Rodolfo Melo, também se pronunciou, criticando duramente o processo de privatização dos parques e a política ambiental do governo. Em entrevista ao jornal O Poder Popular, ele destacou que “há um ano, o governo flexibilizou as leis ambientais no estado com o objetivo de mercantilizar os últimos refúgios da vida silvestre”.

Para Rodolfo, a privatização é uma medida prejudicial e antipopular. “Os parques, ao invés de serem privatizados, deveriam ser preservados por meio de políticas de expansão permanente das florestas”, afirma. Ele aponta que, ao entregar essas áreas a um pequeno grupo de empresários, o governo não só facilita a exploração comercial de um bem público, como também oferece a esses mesmos empresários “apoio financeiro do estado, por meio de fundos destinados às mudanças climáticas”.

Em sua avaliação, a raiz do problema é a motivação capitalista por trás dessas ações. “O estado e a burguesia têm como único horizonte a acumulação de capital, mesmo que isso custe a vida no planeta”, destaca o dirigente sindical. Rodolfo reforça ainda a necessidade de mobilização da classe trabalhadora para impedir esse projeto. “É preciso se organizar contra essa política de destruição, disfarçada sob o rótulo de ‘economia verde'”, conclui.

Felipe Rigoni e o histórico de ataques ao meio ambiente

Felipe Rigoni, à frente da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, tem sido alvo de críticas não apenas por este projeto de privatização, mas também por outras ações que impactam diretamente a gestão ambiental no Espírito Santo. Ex-deputado federal, Rigoni tem um histórico de apoio à flexibilização de regulações ambientais em prol do “desenvolvimento econômico”, algo que já gerou controvérsias em seu mandato anterior. Sua atuação no PEDUC, sem diálogo prévio com as comunidades e os servidores envolvidos na proteção ambiental, reforça a insatisfação crescente com sua gestão.

Principal articulador da Lei nº 1073/2023, apelidada por servidores e ambientalistas de “PL da destruição”, Rigoni tem sido amplamente criticado por flexibilizar o licenciamento ambiental no Espírito Santo, facilitando atividades de alto impacto, como a mineração de sal-gema, da qual é um defensor convicto. Esse tipo de exploração, que já provocou um desastre em Maceió com o afundamento de bairros inteiros causado pela Braskem, levanta sérias preocupações sobre os riscos que essa flexibilização impõe às comunidades locais e à preservação ambiental no estado.

“Não se trata apenas da privatização dos parques, mas de uma série de medidas que enfraquecem a proteção ambiental no estado. Estamos falando de um governo que aprova leis de flexibilização do licenciamento e ignora os alertas de quem realmente entende da área”, critica Renata Setúbal, diretora jurídica do Sindipúblicos.

O impacto social: elitização do acesso e exclusão das comunidades

Outro ponto central na crítica ao projeto de concessão é o impacto social sobre as comunidades que vivem no entorno dos parques. A instalação de infraestruturas voltadas ao turismo de luxo, como pousadas e restaurantes, pode resultar na elitização do acesso aos parques, restringindo a entrada apenas àqueles que puderem pagar pelas novas estruturas. “O turismo em Itaúnas sempre foi sustentável e inclusivo. Agora, corremos o risco de ver nossa cultura sendo sufocada por um modelo de exploração que não reflete a realidade local”, lamenta Naiara Baptista César, cineasta e moradora de Itaúnas.

A comunidade de Itaúnas, conhecida por seu engajamento na proteção do Parque Estadual, tem sido uma das mais vocalmente contrárias ao projeto. Os moradores organizaram reuniões públicas, Grupos de Trabalho (GTs) e campanhas de mobilização, usando a hashtag #itaunasquerfalar e o perfil no Instagram @noticiasdeitaunas para garantir que sua voz seja ouvida. “Nós sempre cuidamos do parque, e ele é parte do nosso modo de vida. A privatização é uma ameaça à nossa identidade e à nossa economia local”, diz Miguel Vasconcellos.

Paulo Cesar Vinha: um legado de lutas em defesa do meio ambiente

O Parque Estadual Paulo Cesar Vinha, localizado em Guarapari, também tem uma história de luta e resistência. Criado inicialmente em 1990 como Parque de Setiba, ele foi rebatizado em 1994 em homenagem ao biólogo que dedicou sua vida à defesa da preservação ambiental no Espírito Santo. Paulo Vinha foi assassinado em 1993 enquanto investigava a extração ilegal de areia na região, um crime brutal que marcou o movimento ambientalista capixaba.

Entre 1970 e 1980, a área onde hoje se encontra o parque foi alvo de especulação imobiliária e intensa degradação, incluindo a retirada de areia e queimadas criminosas. Foi graças à mobilização de ambientalistas, liderados por figuras como Paulo Vinha, que o parque foi criado e as atividades predatórias cessaram. Hoje, essa mesma área está ameaçada pela concessão proposta pelo governo estadual. “Se as concessões forem aprovadas, o legado de Paulo Vinha será jogado no lixo. O parque foi criado para proteger a biodiversidade e agora pode ser explorado comercialmente”, lamenta Moisés Batista Leal, militante do Comitê Popular de Luta de Vila Velha.

Impactos da privatização do Parque Nacional de Aparados da Serra: um alerta para o Brasil

Um exemplo recente de fracasso na privatização de parques pode ser visto no Parque Nacional Aparados da Serra, no Rio Grande do Sul. A concessão à iniciativa privada, leiloada em 11 de janeiro de 2021, visava atrair turistas de maior poder aquisitivo e impulsionar a economia local. No entanto, o efeito foi contrário. Com a taxa de entrada individual aumentada para R$ 102, o número de visitantes caiu drasticamente. Anteriormente de acesso gratuito, o parque perdeu uma parte significativa dos turistas que sustentavam o comércio e a hospedagem na região, afetando diretamente a economia local.

Adicionalmente, a empresa concessionária cogitou suspender temporariamente a visitação e os investimentos devido aos prejuízos financeiros decorrentes da baixa procura. Esse cenário destaca que a privatização não só ameaça o meio ambiente, mas também cria barreiras econômicas que prejudicam tanto a população quanto o turismo local, aumentando desigualdades e restringindo o acesso a áreas naturais.

Este caso ilustra que a privatização de áreas de conservação não apenas causa impactos ambientais, mas também falha no aspecto econômico. A tentativa de elitizar o turismo através de tarifas elevadas exclui uma parte significativa da população e reduz o fluxo turístico, como observado em Aparados da Serra. Este contexto questiona o argumento do secretário Felipe Rigoni de que a privatização dos parques estaduais no Espírito Santo traria mais empregos e renda. Na prática, a exclusão de visitantes, a elitização do acesso e o enfraquecimento do turismo regional contradizem as promessas de benefícios econômicos.

Manifesto em defesa dos parques públicos do Espírito Santo

Em resposta ao avanço do projeto de concessão, pesquisadores, lideranças comunitárias, quilombolas, indígenas e moradores locais uniram forças para lançar um manifesto em defesa das unidades de conservação do Espírito Santo, enfatizando a importância de manter essas áreas sob gestão pública e alertando para os riscos de um turismo predatório. O documento, divulgado em plataformas online e por meio de campanhas nas redes sociais, denuncia a ausência de consultas públicas e de estudos de impacto ambiental, violando a Constituição e a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O manifesto ressalta que essas unidades de conservação são refúgios para espécies ameaçadas e devem ser protegidas para assegurar a sustentabilidade das comunidades tradicionais. A proposta de concessão é vista, portanto, como uma ameaça à integridade ambiental e aos direitos das populações locais. “A resistência ao PEDUC não é apenas local, é parte de um movimento nacional contra a privatização de áreas de conservação”, afirma Silvia Sardenberg. “Estamos mobilizados para garantir que esses espaços continuem sendo um patrimônio de todos, e não de poucos”, complementa.

A população alerta: os parques estaduais não devem ser tratados como mercadoria

O embate entre capitalismo e preservação ambiental está no centro do debate sobre a concessão das unidades de conservação no Espírito Santo. A promessa de um turismo mais lucrativo contrasta com os impactos irreversíveis à biodiversidade e à cultura das regiões afetadas.

A luta pela preservação dos parques estaduais do Espírito Santo é uma questão urgente, e a resistência das comunidades locais, servidores e ambientalistas destaca o valor inegociável desses patrimônios naturais e culturais. A privatização das unidades de conservação ameaça não apenas a biodiversidade e a integridade dos ecossistemas, mas também o modo de vida das populações que há décadas convivem e cuidam dessas áreas. A defesa desses parques não é contrária ao desenvolvimento, mas a favor de um modelo que priorize a sustentabilidade e o bem comum, em vez de interesses privados e imediatistas.

A mobilização crescente demonstra que a sociedade não aceita ver suas riquezas naturais tratadas como mercadorias. É fundamental que o governo abra um diálogo franco e transparente com os trabalhadores e a população envolvida para encontrar soluções que garantam a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico das regiões de forma inclusiva e sustentável. Assine o manifesto, engaje-se na campanha e ajude a proteger os parques estaduais do Espírito Santo. O futuro dessas áreas deve ser decidido coletivamente, com base no interesse público, e não no lucro de poucos.

Referências

Este conteúdo foi elaborado com base em entrevistas, reportagens e documentos públicos. Para mais informações, acesse as fontes a seguir:

Movimentos em Defesa das Unidades de Conservação do Espírito Santo. Manifesto pela proteção dos parques estaduais do ES. Disponível em: https://www.change.org/p/pela-prote%C3%A7%C3%A3o-dos-parques-estaduais-do-es?recruited_by_id=3a19a850-f1c7-11ee-bd7a-cfe6cd97259c. Acesso em: 11 de outubro de 2024.

Sindipúblicos. Servidores do Iema discutem impactos da concessão de parques estaduais em assembleia. Disponível em: https://www.sindipublicos.com.br/servidores-do-iema-discutem-impactos-da-concessao-de-parques-estaduais-em-assembleia/. Acesso em: 11 de outubro de 2024.

Prefeitura de Guarapari. Parque Estadual Paulo Cesar Vinha. Disponível em: https://www.guarapari.es.gov.br/pagina/ler/2190/parque-estadual-paulo-cesar-vinha. Acesso em: 11 de outubro de 2024.

Século Diário. Comunidade reage à privatização e se mobiliza para proteger o Parque de Itaúnas. Disponível em: https://www.seculodiario.com.br/meio-ambiente/comunidade-reage-a-privatizacao-e-se-mobiliza-para-proteger-parque-de-itaunas/. Acesso em: 11 de outubro de 2024.

Grafitti News. Governo do ES anuncia o início da privatização de 6 parques públicos para o ano que vem. Disponível em: https://grafittinews.com.br/governo-do-es-anuncia-o-inicio-da-privatizacao-de-6-parques-publicos-para-o-ano-que-vem/. Acesso em: 11 de outubro de 2024.

Rede Estação Democracia. A privatização do Parque Estadual de Itaúnas: uma ameaça à comunidade, à sua identidade cultural e ao patrimônio natural. Disponível em: https://red.org.br/noticia/a-privatizacao-do-parque-estadual-de-itaunas-uma-ameaca-a-comunidade-a-sua-identidade-cultural-e-ao-patrimonio-natural/. Acesso em: 11 de outubro de 2024.

O Eco. Concessionária quer fechar parques da Serra Geral e Aparados da Serra. Disponível em: https://oeco.org.br/salada-verde/concessionaria-quer-fechar-parques-da-serra-geral-e-aparados-da-serra/. Acesso em: 11 de outubro de 2024.

Século Diário. Defensor do sal-gema, Felipe Rigoni na Seama é desastre ambiental anunciado. Disponível em: https://www.seculodiario.com.br/meio-ambiente/defensor-do-sal-gema-felipe-rigoni-na-seama-e-desastre-ambiental-anunciado/. Acesso em: 11 outubro de 2024.