EUA: o lado oculto das eleições presidenciais

Há mais candidatos para além da cortina de fumaça que nos é imposta

AbrilAbril

As eleições presidenciais estadunidenses evidenciam a imposição do maniqueísmo. Vendidas como uma corrida a dois, a comunicação social dominante silencia sobre os demais candidatos. Talvez isso explique o fato de que o último presidente que não era nem democrata nem republicano tenha sido eleito em 1848.

Não é mentira nenhuma que as eleições dos EUA têm a sua importância. O cerne do imperialismo consegue, no entanto, projetar o seu processo eleitoral além fronteiras, ocupar um espaço midiático desmedido e quase fazer parecer que os demais povos também têm que tomar partido.

Além da forma como as eleições estadunidenses são vendidas, a comunicação social dominante instala também uma cortina de fumaça. Para salvaguardar os interesses dominantes, apenas dois candidatos são projetados, havendo um conjunto de outros candidatos que são silenciados e apagados.

Desde de 1848 que não é eleito um presidente americano que não pertença nem ao Partido Democrata, nem ao Partido Republicano. O último a ser eleito fora deste espectro foi Zachary Taylor, membro do Partido Whig, que morreu passado um ano de mandato, tendo sido sucedido pelo seu vice, Millard Fillmore.

Ao contrário do que a narrativa do império tenta passar, a escolha não estava somente entre Kamala Harris ou Donald Trump. Havia vida para além do binômio imposto. Havia Jill Stein, Cornell West, Claudia De la Cruz e Chase Oliver.

Sim, não era realista esperar que um desses candidatos viesse a ser o próximo chefe de Estado dos EUA. Naturalmente que há anos de um incessante trabalho midiático que apague toda e qualquer hipótese de mudança, ou de algo semelhante a isso. Se considerarmos que no seu âmago, Democratas e Republicanos são iguais, o que vemos é um regime de partido único.

Os outros candidatos
Jill Stein, Green Party of the United States
Fora dos dois nomes mais falados, Jill Stein foi a candidata com mais projeção. Com 74 anos, Stein foi também candidata em 2012 e 2016, sendo que a razão pela qual ela é hoje muito falada prende-se com a segunda vez que entrou na corrida à Casa Branca.

Em 2016, a candidata ecologista, aos olhos do Partido Democrata, foi uma das causas para a derrota de Hillary Clinton e, consequentemente, para a vitória de Donald Trump. Nos estados de Wisconsin, Michigan e Pensilvânia, que correspondem a um somatório de 44 votos colegiais, Jill Stein arrecadou 132 000 votos populares, o que impossibilitou a vitória de Clinton. No Michigan, Trump ganhou com uma vantagem de 0,3% e no Wisconsin com uma margem de vitória de 0,7%.

No contexto anterior de empate técnico entre Kamala Harris e Donald Trump, segundo as sondagens, os democratas viam a candidatura de Jill Stein como uma ameaça. A candidatura de Stein colocou-se frontalmente contra o genocidio em Gaza, defendia a dissolução da OTAN e propunha a criação de uma «Carta de Direitos Econômicos» que previa educação pública gratuita, a nacionalização do sistema bancário, o fim dos monopólios nas grandes empresas de tecnologia e a forte taxação dos ultra-ricos e das grandes corporações.

Por tudo isto, e porque ocupava um espaço eleitoral que Kamala não consegue ocupar, a campanha da vice-presidente de Biden tentou investir na descredibilização de Jill Stein, promovendo a ideia que um voto na ecologista é um voto em Trump, procurando sabotar a ecologista em todas as frentes possíveis.

Cornel West, independente
Com 71 anos, ativista e professor, Cornel West ganhou alguma projeção com o movimento Occupy Wall Street. O seu percurso é mais sinuoso, tendo começado a sua corrida eleitoral como candidato do People’s Party, passando por uma tentativa de ser candidato pelo Green Party of the United States, West acabou por avançar sozinho.

No seu histórico há o apoio anterior a Bernie Sanders e a Barack Obama, antes de vir a ser uma voz crítica que caracterizava o ex-presidente dos EUA como «um presidente de guerra com um Nobel da Paz» ou como «um mascote negro dos oligarcas de Wall Street e um fantoche negro dos plutocratas corporativos».

Ao apresentar a sua candidatura, Cornel West disse que a América precisava de uma terceira opção que não fosse o «neofascismo» e o «neoliberalismo» e o seu programa foi apresentado como «pilares políticos para um movimento enraizado na verdade, na justiça e no amor».

Fortemente comprometido com a luta antirracista, West fez questão de firmar esse elemento distintivo da sua campanha. Recentemente, em declarações ao site Newsnation, sobre Kamala Harris e o genocidio em Gaza, West disse: «somos oriundos de uma longa tradição de negros da Jamaica e dos Estados Unidos, com Martin Luther King, Jr., Fannie Lou Hamer e Malcolm X, que sempre estabeleceram a ligação entre ter uma autoridade moral, o que significa que, se tivermos alguma autoridade moral, pomos em causa um genocídio».

A isto, Cornel West acrescentou: «se há alguma autoridade moral, fala-se das questões da pobreza e da desigualdade de riqueza de uma forma substancial e do encarceramento em massa. Portanto, nesse sentido, estou apenas entrando em conflito com a Irmã Harris. Eu venho de um canto diferente da (tradição) negra».

Claudia De la Cruz, Party for Socialism and Liberation
Também pelo campo da esquerda havia Claudia De la Cruz. Com 44 anos, apresentou-se como socialista, é filha de imigrantes Dominicanos, cresceu no South Bronx e por isso diz que ao crescer testemunhou «em primeira mão as condições de pobreza e opressão que mantinham comunidades como a sua numa subclasse estática».

De la Cruz apresentou ainda, como linha definida do seu posicionamento político, o «anti-imperialismo» que diz ter-se solidificado após a sua primeira viagem a Cuba, quando tinha 17 anos. Neste campo, a candidata socialista tem já trabalho realizado, sendo co-diretora executiva e co-fundadora do The People’s Forum, organização que no passado mês enviou 30 toneladas de alimentos no quadro da campanha «Deixem Cuba Viver».

Um dos lemas de campanha de De la Cruz era «Acabar com o capitalismo antes que ele acabe conosco» e o seu programa propunha confiscar as 100 maiores empresas de forma a criar uma nova economia. Além disto, defendia inscrever na Constituição «cuidados de saúde de qualidade, educação até à universidade e mais além, cuidados infantis gratuitos, habitação condigna e um salário digno com representação sindical».

«Defendemos o fim imediato de toda a ajuda a Israel. O dinheiro dos nossos impostos deve ser utilizado para satisfazer as necessidades das pessoas – e não para pagar as balas, bombas e mísseis utilizados no massacre em Gaza. Da mesma forma, todo o apoio diplomático dos EUA para ajudar Israel a esconder os seus crimes, como a utilização do poder de veto dos EUA nas Nações Unidas, tem de acabar» pode ler-se no seu programa eleitoral, além da promessa de um corte de 90% nas despesas militares, a melhoria das relações com a China e a Rússia, ou a necessidade de se pôr fim à OTAN.

Chase Oliver, Libertarian Party
Reflexo das contradições que existem na realidade estadunidense, Chase Oliver de 39 anos, é um ex-democrata, pró-armas, que deixou de apoiar Obama quando este decidiu continuar com a guerra de agressão ao Iraque.

Com nova postura política, ganhou o apoio de um partido libertário para concorrer à Casa Branca. Passou a defender menos Estado e menos investimento público, e é um acérrimo defensor da fantasia da auto-regulação do mercado. Simultaneamente a isto, Oliver se opôs às ações de Israel em Gaza e defendeu abolir a Reserva Federal.