Chile: O abstencionismo: um buraco negro?

ALAI AMLATINA, 31/10/2012.-

A abstenção massiva dos chilenos na última eleição municipal instala em nosso meio uma fenomenologia social que deve ser posta em discussão. O inédito não é o “abstencionismo”, a novidade está em sua massificação. O que antes era uma questão marginal se converteu em um fenômeno que atinge a mais da metade do eleitorado de nosso país. Assistimos a uma “singularidade” que reconhece múltiplos fundamentos, porém que se traduz em uma “negação” à participação do rito eleitoral. Então, no momento, reconhecemos duas coisas: o “abstencionismo” é contagioso e se apresenta em um claro crescimento.

Embora as razões para não participar de uma eleição municipal, parlamentar ou presidencial sejam variadas, a decisão de “não votar” é uma “conduta política” e que possui consequências políticas. Se uma eleição é um evento político, sua negação também é. A abstenção é, de algum modo, a mais radical resistência do cidadão ante uma realidade que não lhe convém, qualquer que sejam seus particulares fundamentos. Por tudo isto, não se pode ignorar o papel “catalisador” que possuem os diferentes movimentos sociais, especialmente os estudantes.

Se concebermos a imensa maioria abstencionista como uma espécie de “buraco negro” instalado no centro de nossa sociedade, percebemos que este “buraco” vem devorando rapidamente o que chamamos de “espírito cívico” da população, diluindo-o em uma “negação” e sentida como um “mal-estar difuso”, que vai desde o simples desinteresse à opção política consciente pela abstenção. A tendência que se constata é de crescimento deste “buraco” e não existem razões para pensar que esse aumento irá se reverter em curto prazo. Recordemos que a próxima eleição se realizará em alguns meses.

O universo abstencionista, como um bom “buraco negro”, não deixa escapar a luz; isto significa que é refratário a uma análise sistemática. Podemos observar sua totalidade que o aproxima de 60% do eleitorado, porém não é previsível em um futuro imediato. É claro que o fenômeno não é novo e, parece, vem se espalhando pelas diferentes camadas sociais. O que começou como uma atitude marginal e juvenil se alastrou aos diversos setores que se somam à apatia e ao desencanto. De modo que aquilo que era um universo eleitoral relativamente estável e previsível se transformou em um universo instável e incerto.

É claro que o abstencionismo obriga, fundamentalmente, os diversos partidos a repensarem as estratégias políticas. Isto é assim porque, finalmente, se produziu uma “mutação do imaginário histórico, social e político” em parte da população. Assim, os discursos e promessas de outrora já não resultam eficazes neste novo contexto, dissociando as estruturas partidárias dos fenômenos sociais e culturais em curso.

O que vem sendo posto em xeque é o “imaginário neoliberal”, alimentado pelos meios de comunicação, pelos empresários e por uma classe política elitista, como promessa de converter o Chile em um país desenvolvido. Este discurso político administrado como “democracia de baixa intensidade” por quatro governos conservadores e pelo atual governo de direita deixou de convocar as maiorias. A abstenção está assinalando a queda de uma fantasia tecnocrática que exclui a maioria e o desejo de que o Chile seja um país democrático para todos.

– Álvaro Cuadra é investigador e docente da Escuela Latinoamericana de Postgrados da Universidad de Arte y Ciencias Sociales (ARCIS). Autor de “Manifestações Estudantis no Chile – Cultura do protesto: Protesto da cultura”.

Fonte: http://alainet.org/active/57490

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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