O PT pode ter se tornado qualquer coisa, menos o PCB. Ainda mais o do século XXI…
Em entrevista ao site IHU Online, reproduzida no mesmo dia pelo Brasil de Fato, Rudá Ricci, apresentado como sociólogo, faz uma declaração estapafúrdia, que preferimos creditar à sua ignorância para não declararmos que foi a fria e crua má-fé.
Numa crítica à trajetória do PT nos últimos 10 anos, Rudá diz que “o PT se acomodou às clássicas ideologias de esquerda que tanto criticou na sua origem: estatismo, centralismo, personalismo, burocratização. O PT se tornou o PCB do século XXI”. Essa foi das maiores mentiras já ditas em qualquer 1º abril – por coincidência, o dia da publicação.
Antes de dialogar com o entrevistado, um parêntesis necessário: causa estranheza a escolha editorial feita para o título da entrevista, justamente “O PT se tornou o PCB do século XXI”.
Da entrevista, citamos sem grandes dificuldades outras duas declarações mais fidedignas da realidade petista, que certamente preencheriam a manchete com maior precisão factual: ” O PT… é uma mera estrutura de poder sem imaginação e programa” e “o PT se ‘peemedebizou’ “.
Até porque, se as duas citações acima estão corretíssimas, a comparação com o PCB não cabe: o PT pode ter se tornado qualquer coisa, menos o PCB. Ainda mais o do século XXI…
Nem em seus piores momentos, nos grandes erros estratégicos e táticos, o PCB se assemelhou a essa camarilha. Enquanto o PCB enviou combatentes para lutar ao lado dos republicanos na Guerra Civil Espanhola, o PT envia tropas para a ocupação do Haiti; enquanto o PCB lutou pelo monopólio do petróleo e a criação da Petrobras, o PT entrega nossas reservas em leilões da ANP; enquanto nossos militantes foram julgados na justiça brasileira pelo fato de serem comunistas, o PT tem alguns de seus dirigentes importantes condenados – com tramitação em julgado – por corrupção ativa e passiva; enquanto o PCB sempre lutou pelos direitos trabalhistas e previdenciários, o PT apresenta uma proposta de Acordo Coletivo Especial que acaba com esses direitos e se lambuza nos conselhos de administração dos fundos de pensão.
Por fim, em uma história cujos contornos ainda são desconhecidos, enquanto o PCB passou a maior parte de sua história na clandestinidade, o PT se legalizava em 11 de fevereiro de 1982 – mesmo ano em que a Polícia Federal acabou com um Congresso clandestino do PCB e prendeu todos seus participantes . Aliás, ao contrário de Lula, nenhum integrante do PCB jamais declarou que os governos Medici e Geisel tiveram aspectos positivos – afinal de contas, o PCB era criminalizado nesse período e 13 de seus integrantes continuam com o destino de seus restos mortais desconhecido.
Rudá erra até mesmo nos itens que levanta para sua comparação. Ao falar sobre “estatismo”, o sociólogo se esquece da iniciativa do PCB de lutar pelo Poder Popular com a criação dos conselhos populares, lançados pelo Partido na década de 1950. Ao citar o “centralismo” e o “personalismo”, esquece de dizer que no PCB todas as decisões foram e são tomadas coletivamente, e que sobreviveu às perdas, divisões e defecções de algumas de suas maiores figuras públicas. Já no PT, o que Lula fala vira lei, trata-se de uma organização refém do senhor Luis Inácio. Por fim, sobre a “burocratização”: não há, nos 91 anos de história do PCB, arrivistas, carreiristas e oportunistas que cheguem perto dos “feitos biográficos” de um Delúbio Soares.
Autocrítica, o PCB faz na prática
Desfeita tal aberração comparativa, é preciso afirmar: se o PCB não pode ser comparado ao PT, nem em seus piores momentos, quiçá o PCB do Século XXI. Como um fênix renascido das cinzas, de toda a sorte de desvios reformistas, o PCB dos últimos anos é a antítese do PT e de seus acordos eleitoreiros e rebaixados, da arte de governar “como nunca antes na história desse país” para banqueiros e empreiteiras, de relações imperiais com nossos povos vizinhos, de alianças comerciais armamentistas com Israel para o assassinato do povo palestino, de submissão à FIFA e ao COI em “mamatas olímpicas”, de alianças em governos estaduais e municipais que colocam suas PMs para o assassinato da população pobre, do “ter” vale mais que “ser” do consumismo endividador desenfreado, das fotos espúrias e sorridentes ao lado de personagens como Fernando Collor, José Sarney, Renan Calheiros e outros canalhas menos votados.
Não, Rudá, o PCB nunca frequentou e nem frequenta o esgoto da política. Seja lá o que o PT se tornou, é lá que ele chafurda.
Paulo Schueler é jornalista e membro do Comitê Central do PCB