Sobre a vinda dos médicos cubanos

O governo brasileiro anunciou um convênio pelo qual pretende trazer mais de 6 mil médicos cubanos ao Brasil até 2015 para regiões “particularmente carentes”, segundo o ministro das Relações Exteriores. O fato está gerando um intenso debate na sociedade brasileira, quiçá por serem cubanos, os médicos.

Para o Partido Comunista Brasileiro (PCB) não restam dúvidas de que é mais uma das políticas paliativas do governo federal, que tem reduzido a cada ano os gastos do orçamento nacional destinado à área da saúde e realizado uma progressiva entrega dos serviços e da infra-estrutura pública da saúde à iniciativa privada, como as Organizações Sociais (OS), as Fundações Estatais de Direito Privado (FEDPs), as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e subsídios aos planos de saúde privados.

Tais medidas caminham no sentido de precarizar o acesso à saúde de grande parte da população e permitir a apropriação privada dos serviços, pesquisas e da infra-estrutura pública para gerar lucro e retirar direitos trabalhistas dos profissionais da saúde.

Dessa forma, o projeto de “interiorização”  da saúde no país atuaria apenas na superfície do problema, levando profissionais para o interior do país sem a estrutura necessária, deixando intacta a estrutura baseada no controle do complexo médico-industrial e farmacêutico da saúde, em que a existência do setor público serve como alicerce para a acumulação privada de capitais na área.

No entanto, com a divulgação da notícia, os setores mais conservadores da nossa sociedade começam a mostrar suas garras, utilizando como porta-voz principal o Conselho Federal de Medicina (CFM). Por trás de um falso discurso que preza pela qualidade da atenção à saúde, parte desses setores corporativistas escondem suas reais intenções de manter o poder e o mercado do complexo médico-industrial e farmacêutico sobre o sistema nacional de saúde, direcionando sua munição de mentiras e manipulações para atacar a política de contratação dos médicos cubanos, contestando sua capacidade técnico-científica, assim como difamando Cuba e sua sociedade socialista, utilizando para isso os meios de comunicação burgueses.

A Revolução Cubana modificou profundamente o panorama de saúde no país, edificado sobre as bases de uma sociedade socialista. Hoje, Cuba é uma potência nas áreas da medicina e da biotecnologia, fato reconhecido até pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Hoje há mais de 30 mil médicos cubanos colaborando em missões internacionalistas e um contingente de cerca de 20 mil estudantes de mais de cem países estudando em Cuba, a grande maioria nas áreas da saúde.

Para se ter uma idéia das diferenças entre o sistema de saúde brasileiro em relação ao cubano, basta analisarmos que o número de médicos por habitantes em Cuba é de 1/148 habitantes1, enquanto a média do Brasil é de 1/555, distribuídos caoticamente, uma vez que no estado do Rio de Janeiro é de 1/295 e no Maranhão 1/16382.

O perfil dos profissionais que virão ao Brasil é  de médicos e médicas com ampla experiência internacional e de alto perfil técnico-científico. Sua chegada, ainda que trabalhem em condições precárias e inadequadas, modificará positivamente os indicadores de saúde das regiões onde irão atuar, principalmente em se tratando dos índices de mortalidade ocasionados por doenças infecto-contagiosas.

No entanto, a falta de recursos, de infra-estrutura, de centros de formação e de uma rede de saúde que permitam a atenção integral a toda população não vão se modificar um milímetro sequer. Apesar disso, a presença de médicos de Cuba pode desencadear uma mobilização sobre a necessidade de ampliar os recursos à saúde, da formação de recursos humanos e de uma infra-estrutura que permita uma atenção integral e de alta qualidade, somente possível com um sistema 100% público e estatal.

Nós do PCB temos plena convicção de que o processo saúde/doença de uma sociedade é determinado pelas relações de classe existentes em um modo de produção. Não existe a possibilidade de mudanças estruturais do sistema de saúde sem profundas transformações da estrutura econômica e social de um país. Portanto, é uma luta que se insere no sentido de negar o modo de produção capitalista, um sistema doente e gerador de doenças. A luta por um outro modelo de saúde só pode existir se inserida numa estratégica anti-capitalista.

Defendemos que os recursos do orçamento nacional direcionados ao pagamento da dívida pública com os banqueiros e empresários, da isenção de impostos aos monopólios e da entrega dos nossos recursos naturais e infra-estrutura ao setor privado devem ser redirecionados aos gastos sociais, única forma de garantir um acesso universal, integral e de alta qualidade ao sistema de saúde.

Sendo assim, a posição dos revolucionários do PCB é de crítica na essência às políticas de saúde do governo Dilma, mas de defesa dos médicos cubanos, sem deixar em qualquer momento de divulgar ao conjunto da sociedade as reais intenções de mais essa política paliativa, que ao mesmo tempo que chama médicos e médicas altamente qualificados de Cuba para trabalhar em regiões sem a estrutura adequada, corta recursos da saúde e privatiza os serviços e a infra-estrutura da área.


1 Organização Mundial da Saúde, “Cuba: Health Profile”, 2010.

2 Conselho Federal de Medicina/IBGE, 2010