A informalidade que pode levar à prisão

A subversão classista da audiência de custódia, da garantia à punição
Coordenação Nacional da Rede Modesto da Silveira
A Audiência de Custódia, como vigente, é importante ferramenta que busca mitigar o encarceramento em massa, se enquadrando portanto no chamado garantismo penal – conjunto de princípios que busca limitar o excesso punitivo do Estado –, pois preconiza que os juízes devem decidir em até 24 horas, em audiência específica, sobre a validade da detenção de pessoas presas em flagrante, garantindo aos imputados e imputadas o direito de defesa (inclusive com a nomeação obrigatória da Defensoria Pública para a defesa de pessoas carentes), de modo a convencer o magistrado ou magistrada da necessidade da sua prisão ou soltura.
Desde sua criação, vem recebendo críticas injustas dos setores da direita e extrema direita, sempre a levantar a bandeira do punitivismo contra a classe trabalhadora periférica, alvo preferencial da Justiça Criminal burguesa. A alegação de que a “polícia prende e a justiça solta” é difundida nas redes sociais e na mídia comercial e se torna um mote repetido por uma boa parcela da sociedade, que passa a acreditar que a “segurança pública” será garantida com prisões superlotadas, naturalmente de pessoas pobres.
Em um país que detém a terceira maior população carcerária do mundo, algo em torno de 850 mil pessoas, 40% delas aguardando julgamento, a audiência de custódia é importante instrumento para se evitar um ainda maior encarceramento em massa. Não fosse ela, os números de aprisionados e aprisionadas, certamente porção vasta sem qualquer decisão definitiva, seriam ainda mais estarrecedores, isso em um universo onde as pessoas encarceradas são majoritariamente (cerca de 70%) negras ou pardas, milhares e milhares por conta do tráfico de pequena monta. Este é um dos dados que nos permite concluir que o sistema (criminal) de justiça é uma das pontas da ação burguesa no exercício do controle social dos setores mais precarizados da classe trabalhadora e da chamada “classe perigosa”.
Mas não basta quase um milhão de presos, pois as classes dominantes querem mais e mais encarcerados e encarceradas e, por conta disso, fez aprovar no Congresso Nacional o PL 226/2024, de autoria do então Senador e hoje Ministro do STF Flávio Dino, ora sujeito à eventual sanção presidencial. Trata-se de um retrocesso abominável à mínima garantia advinda com a audiência de custódia.
O projeto de lei aprovado restringe a possibilidade de concessão de liberdade provisória às pessoas presas em flagrante, ao criar o que se está a denominar de “maus antecedentes informais”, impedindo os juízes de liberarem na audiência de custódia pessoas que teriam sido liberadas em audiências da mesma natureza anteriores ou que ostentem “outras passagens” pelo sistema policial / criminal (inquéritos e ações penais ainda em curso), ainda que não tenham sido condenadas em sentença transitada em julgado. A peculiaridade do Brasil não é só a jabuticaba (a fruta), mas também a criativa inovação jurídica dessa categoria da informalidade dos maus antecedentes. Às favas o princípio constitucional (mínimo democrático) da presunção de inocência!
O esvaziamento do sentido e da prática da audiência de custódia é algo que diz diretamente aos interesses da burguesia, que busca promover o aumento ainda maior do encarceramento em massa dos de sempre, como tem sido ao longo da nossa história.
O PCB vem a público denunciar esse ato infame e espúrio das classes dominantes, que mais uma vez arremete contra os trabalhadores e as trabalhadoras negras e pobres desse país, conclamando o Presidente Lula a vetar na íntegra mais essa barbaridade gestada no ventre da opressão de classe.
