Negociações e a libertação de prisioneiros Pré-Oslo

(da Redação do Comitê Brasileiro de Apoio aos Presos Políticos Palestinos em Israel, com informações da Addameer)

Com as negociações entre a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e Israel a serem retomadas durante os próximos nove meses, a questão não resolvida de prisioneiros políticos palestinos ocupa o primeiro plano das discussões políticas.

Israel prometer a liberdade de prisioneiros como um “gesto de boa vontade” para com os palestinos tornou-se procedimento padrão desde o início das negociações em 1993. Alinhado a esta prática, a poucos dias que precedem o retorno às negociações, o gabinete israelense votou pela liberação de 104 prisioneiros pré-Oslo a ser realizada em quatro fases, durante as negociações, com os primeiros 26 prisioneiros programados para ser libertados hoje, 13 de agosto de 2013.

No entanto, historicamente falando, esta política de liberação de presos provou que não é verdadeiramente um “gesto de boa vontade” para construir a confiança durante as negociações, mas sim usado como uma ferramenta pelo governo israelense a fim de manipular as discussões sobre a questão dos prisioneiros, distrair a sociedade e omitir temas e demandas centrais.

Estes 104 prisioneiros pré-Oslo a serem libertados já são pré-condição de negociações anteriores que Israel renegou. Hoje, muitos deles cumprem prisão há mais de 25 anos, e alguns deles com suas sentenças quase concluídas. No entanto, esta decisão será determinada pelo governo israelense, que definirá a “condição, os critérios, datas e fases” da libertação, e assim, controlar todo o processo.

A liberação desses prisioneiros não garante o fim das políticas de detenção em massa e prisão arbitrária de Israel, nem garante os direitos dos mais de 5.000 prisioneiros que se encontram detidos, incluindo 136 que são mantidos sob detenção administrativa, sem acusação ou direito a julgamento.

A Addameer, como uma organização da sociedade civil dedicada a defender os princípios dos direitos humanos e do direito internacional, acha necessário levantar preocupações sobre mudanças nas políticas de Israel em relação aos métodos de detenção e impunidade diante do direito internacional, que não são contemplados por essas libertações. Persistem as re-detenções de prisioneiros libertados, as prisões em massa e a política de liberação em períodos determinados. Deve-se discutir a importância da libertação de todos os presos políticos antes das negociações, bem como uma gama de políticas de detenção israelenses.

Estudos comparativos dos processos de paz recentes, como os da África do Sul e Irlanda do Norte, revelam a importância e centralidade da libertação de prisioneiros nas negociações para uma paz duradoura. Em um acordo de paz negociado, anistias são muitas vezes uma condição necessária para pôr fim ao conflito. No apartheid da África do Sul, a libertação de todos os presos políticos era uma pré-condição antes de negociações de paz entre o Congresso Nacional Africano e o governo do Partido Nacional. Presos muitas vezes desempenham um papel central na política pós-conflito – tanto durante sua internação e após a sua libertação – e pode ser fundamental ao abordar problemas passados em busca de justiça e reconciliação.

A OLP e Israel não têm assegurado este componente básico e necessário para a retomada das negociações. Na verdade, embora Israel prometa libertar prisioneiros em cada regresso de negociações desde Oslo I, em 1993, eles muitas vezes renunciam parcial ou totalmente os acordos, em violação direta da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969), que afirma que os acordos entre dois estados do partido são vinculativos. Na verdade, mais de 23 mil palestinos foram liberados desde 1993, como “medidas de boa vontade”, durante várias negociações e conversações de paz. No entanto, nesse mesmo período, pelo menos 86 mil palestinos foram presos, incluindo crianças, mulheres, pessoas com deficiência e estudantes universitários.

Reencarceramento de prisioneiros libertados

“O Estado de Israel reserva-se do direito de tomar todos os meios necessários contra qualquer um dos prisioneiros libertados se cometerem quaisquer atividades terroristas e hostis, bem como devolvê-los para servir o restante de sua sentença, como será decidida pelas autoridades competentes.”

Estes prisioneiros não recebem anistia para suas condenações anteriores por parte do Estado de Israel mas, em vez disso, sua sentença é considerada “parole” e estão sujeitos a re-detenção e ter o restante da pena anterior reinstituída.

Isso ocorre de acordo com a Ordem Militar 1651, artigo 186, que permite a criação de um comitê militar especial para reencarcerar prisioneiros libertados com base na chamada “informação secreta” e condená-los a servir o restante de sua sentença anterior. Para estes prisioneiros pré-Oslo, a maioria dos que têm penas de prisão perpétua, os riscos são altos, se forem novamente presos.

Pelo menos 12 presos que foram novamente presos após a sua libertação em outubro de 2011 enfrentam, atualmente, a possibilidade de servir o resto de suas sentenças anteriores. Um dos prisioneiros, Ayman Sharawna, envolvido em uma greve de fome de longo prazo, corre este risco devido a esta política de detenção. Ele foi preso novamente com base em informações secretas e, antes de ser libertado, depois de sua greve de fome, enfrentou a possibilidade de ser devolvidos à sua sentença anterior de 28 anos. Ayman Sharawna foi deportado para a Faixa de Gaza, quando ele foi liberado. Ele morava em Hebron.

Detenções em massa

Apesar da tentativa do governo de Israel em fazer “gestos de boa vontade” nas negociações por liberação de prisioneiros palestinos, essas liberações foram seguidas por prisões em massa, com crescente número de detidos em prisões israelenses. A Addameer antecipa que as políticas de detenção e prisão arbitrária continuarão durante este período de negociações e, depois, como se fez no passado.

A troca de prisioneiros mais recente em 18 de outubro de 2011 confirmou a liberdade de 1.027 prisioneiros em duas fases, em troca da liberação de um soldado da ocupação israelense capturado. Neste acordo, mediado entre o Movimento de Resistência Hamas e o governo de Israel, 477 prisioneiros foram libertados na primeira fase e 55 na segunda, incluindo prisioneiros que tinham penas de prisão perpétua e haviam sido detido antes de Oslo. No entanto, dentro de dois meses da primeira fase da liberação, entre 18 outubro de 2011 e 15 de Dezembro de 2011, a Addameer registrou cerca de 470 prisões em toda a Cisjordânia, efetivamente detiveram a mesma quantidade de palestinos antes da finalização das liberações acordadas. Da mesma forma, Israel libertou 429 prisioneiros em 2007 e 770 em 2008, no âmbito do processo de paz de Annapolis, mas 4.945 prisioneiros foram detidos no mesmo período, quase três vezes mais do que aqueles libertados.

Ao analisar o primeiro grupo de 26 prisioneiros a serem liberados neste novo acordo, Israel não vai, necessariamente, liberar todos os prisioneiros pré-Oslo. Por exemplo, embora seja amplamente assumido que todos os prisioneiros pré-Oslo devam ser liberados, a lista publicada pelo Serviço Prisional de Israel inclui Burham Sbeih, que foi preso em 2001. Não há prisioneiros dos territórios de 48 ou de Jerusalém incluídos na primeira fase do lançamento, e 9 dos 26 prisioneiros têm servido quase a totalidade de sua sentença e seriam liberados já no próximo ano. Israel recusou-se a libertar prisioneiros dos territórios de 48 no passado insistindo que eles são cidadãos de Israel, e que, portanto, a OLP não os representa.

Conclusão

O recente acordo para a libertação de prisioneiros levanta várias questões adicionais: Por que os prisioneiros marginalizados, tais como mulheres, crianças e doentes, foram negligenciados nesta liberação de prisioneiros? Por que as atuais greves de fome, na qual muitos que estão à beira da morte, não foram mencionadas?

Fica evidente como o governo de Israel escolhe prisioneiros como “moeda de troca”, a fim de subjugar a comunidade palestina e internacional, com o objetivo de prosseguir com as negociações – e efetivamente continuar a colonização da terra palestina.

De fato, no mesmo dia em que o governo israelense votou para libertar os 104 prisioneiros pré-Oslo, manifestantes protestaram em Ramallah e em Gaza contra o retorno às negociações políticas. Em Ramallah, a polícia da Autoridade Palestina reprimiu as manifestações, agredindo dezenas de manifestantes e prendendo quatro, três deles detidos no Hospital Ramallah, pois estavam sendo tratados por ferimentos sofridos no ataque.

Essas tendências e incidentes nos revelam a necessidade de uma nova direção do movimento de prisioneiros nestas negociações. A Autoridade Palestina, em vez de se contentar com a promessa de libertar prisioneiros, os quais foram renegados por mais de 20 anos, deve exigir uma mudança de política em relação aos prisioneiros palestinos e a suspensão imediata das políticas de detenção arbitrárias, detenções de crianças, e do tratamento de prisioneiros palestinos, incluindo tortura, negligência médica e condições de vida desumanas. Sem uma mudança na política, a contínua libertação de prisioneiros não trará nenhuma justiça aos presos políticos palestinos, nem poderá haver paz duradoura e sustentável.