Sobre o acordo nuclear Irã – Brasil – Turquia
A ação do governo Lula nas negociações com o governo do Irã visando a assinatura de um acordo para o enriquecimento do urânio iraniano na Turquia – um acordo que apresenta um saldo positivo, ao evitar a guerra e acumular no processo de consolidação de um polo alternativo aos Estados Unidos na esfera internacional – obedece aos interesses da burguesia brasileira, que segue, hoje, cada vez mais, no rumo da integração ao capitalismo internacional. Este movimento de expansão para o exterior exige tanto a internacionalização dos grandes grupos econômicos brasileiros quanto a busca de novos mercados (e o Irã oferece, sem dúvida, boas oportunidades de negócios). Assim, o fortalecimento da posição brasileira no cenário político internacional, sintetizado no esforço do país em firmar-se como potência média, capaz de ocupar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU é, simultaneamente, razão e consequência destes elementos.
No entanto, ao mesmo tempo, não é de interesse nem dos grupos econômicos de base brasileira (em fase de internacionalização) nem dos grupos estrangeiros que atuam no Brasil qualquer rompimento com os Estados Unidos, que, embora combalidos economicamente, seguem como a maior economia do mundo. Os EUA possuem ainda o maior mercado importador e controlam o dólar, a principal moeda de reserva e referência para as trocas internacionais. Além do mais, como fator mais importante, dispõem do maior poderio militar do planeta.
Assim, o governo brasileiro segue representando muito bem os interesses burgueses ao manter a tradição pragmática do Itamaraty, de oscilar entre o alinhamento automático com os Estados Unidos e a busca por autonomia. É interessante lembrar, por exemplo, que, em pleno governo militar (sob o regime da ditadura empresarial-militar implantada pelo golpe de 1964, executado com apoio dos EUA), no final dos anos 70, em um momento de grande entrada de investimentos americanos no Brasil, o governo Geisel reconheceu a independência de Angola e rompeu acordo militar com os Estados Unidos.
A comprovação do caráter aparentemente ambíguo desta movimentação internacional do governo Lula é que, ao mesmo tempo em que fortalece o regime de Ahmajinejad, contrariando diretamente interesses dos EUA na região – dado o caráter antiamericano e anti-Israel do regime iraniano –, assim como contribui para o enfraquecimento do próprio papel dos EUA na esfera política mundial e para o fortalecimento de um pólo alternativo aos EUA de influência política internacional, o Brasil firma um novo acordo de cooperação militar com os Estados Unidos, na esfera da segurança, com o estabelecimento de um “escritório” para a atuação de agentes daquele país no Brasil.
De igual modo, Lula silencia sobre a política externa de Obama para a América Latina, centrada na intimidação mediante a instalação de bases militares em diversos pontos – como na Colômbia – e pela reativação da IV Frota no Atlântico Sul. Mais ainda, o Brasil vem patrocinando a proposta de Tratado de Livre Comércio entre Israel – país aliado incondicional dos EUA – e o Mercosul.
A carta de Obama a Lula, reconhecendo o esforço da diplomacia brasileira, indica o reconhecimento da presença crescente do Brasil na cena política internacional. No entanto, a reação estadunidense ao acordo trilateral, com o anúncio da intenção de manter a ameaça de estabelecimento de sanções econômicas, ações militares e pressões internacionais contra o Irã busca neutralizar essa voz contrária à política belicista dos EUA e a soberania de dois novos atores que repercutem a maioria da comunidade internacional, ou seja, a quase totalidade dos países que compõem a ONU e querem o diálogo e a negociação no caso da política nuclear do Irã.
Um outro aspecto a ser levado em conta é que esta ação – ao tentar consolidar uma imagem de pragmatismo e independência do Brasil nas relações internacionais e projetar o país como ator influente e soberano no plano mundial – também é funcional à campanha da candidata de Lula, junto a importantes parcelas do eleitorado.
O PCB, portanto, não é indiferente ao acordo firmado e considera que ele representa um fato positivo na tentativa de evitar a invasão do Irã pelas forças imperialistas estadunidenses, sob o argumento, semelhante ao antes utilizado para atacar o Iraque, de que o governo iraniano estaria desenvolvendo a energia nuclear para a guerra. Tal reconhecimento, no entanto, não pode esconder a análise de fundo sobre a atual política externa do governo brasileiro, extremamente pragmática no que tange a proteger e garantir a expansão dos interesses econômicos do grande empresariado brasileiro no mundo.
PCB – Partido Comunista Brasileiro
Comissão Política Nacional
Junho de 2010