O Plano Nacional de Educação e a política de favorecimento ao capital. Só a mobilização popular conquistará educação pública para todos!

No dia 25 de junho foi sancionado, sem vetos pela Presidente Dilma Rousseff, o Plano Nacional de Educação (PNE). Palco de grandes embates e disputas, o Plano tramitou por quatro anos no Congresso Nacional e agora se transforma na Lei nº 13005/2014. Com vigência de 2014 a 2024, está organizado sob a forma de metas, para as quais são estabelecidos prazos para seu cumprimento. O PNE é uma decorrência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) n.º 9394/1996, que, em seu artigo Art. 9º, instituiu como uma das incumbências da União: elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. E em seu Art. 87 define:

É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei.

§ 1º A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará, ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos.

Sendo assim, logo após a promulgação da LDB, teve início a tramitação do PNE, que, também transformado em lei (10172/2001), teve vigência de 2001 a 2011 e já previa naquele momento 7% do PIB destinado à educação, sendo que a educação obrigatória era apenas o Ensino Fundamental, que tinha somente 8 anos de duração. No entanto, esse PNE nunca foi executado, pois o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, vetou, dentre outros, justamente os artigos que tratavam do aumento de investimento em educação, condição sine qua non para viabilizar sua consecução.

Com a entrada de Lula na Presidência da República, em 2003, havia a expectativa de que ele revogasse os vetos de FHC ao PNE e, assim, o colocasse em andamento, o que não ocorreu. Ao chegar em 2011 estávamos, portanto, sem Plano Nacional, já que o de 2001/2011 tinha expirado sem nunca ter saído do papel. Foi então que Lula, em pleno ano de eleição federal no qual Dilma Rousseff foi candidata à sua sucessão, tirou da manga a estratégia de criação da Conferência Nacional de Educação (Conae), que teria a participação dos diferentes segmentos da sociedade, com a incumbência de elaborar a proposta de um novo PNE que tramitaria no Congresso Nacional.

É preciso destacar que a Conae foi inspirada nos Congressos Nacionais de Educação (Coneds), ocorridos no país a partir de 1996, organizados por entidades representativas da sociedade civil, ligadas aos trabalhadores, estudantes, pesquisadores, movimentos sociais, dentre outros, com a tarefa de propor um projeto de lei para o PNE, projeto este que ficou conhecido como Projeto da Sociedade Civil e que tramitou no Congresso Nacional sempre em conflito com o projeto de PNE do Ministério da Educação (MEC) do então presidente FHC.

Os movimentos sociais participaram da Conae, mesmo sabendo dos limites daquele espaço de disputa. Ocorre que, em nome do caráter institucional e “republicano” da Conae, o governo federal inseriu os representantes do setor privado em condição de igualdade formal com os representantes do interesse da população em geral, os quais defenderam as bandeiras da escola pública, gratuita, universal, laica e de qualidade. Assim, a estratégia do verniz democrático no debate sobre o projeto de PNE permitiu ao governo federal do PT conter as pautas dos movimentos sociais e populares, dos trabalhadores e estudantes, para inserir ou fortalecer as pautas do empresariado do setor educacional.

Tanto isso é fato que os representantes do Sistema “S” (Sesi, Sesc, Senai, Senac, etc) visivelmente se organizaram para participar das Conferências, desde a sua etapa municipal ou regional, pois perceberam que os defensores da escola pública pretendiam propor o fim da destinação de recursos públicos para instituições privadas.

Apesar dos limites do jogo marcado daquela conferência pretensamente democrática, os defensores da escola pública conseguiram fazer aprovar a meta dos 10% do PIB para a educação pública. Nesse processo (desde o primeiro PNE), o campo popular e diversas associações aglutinadas na Campanha Nacional pelo Direito à Educação (apesar de sua enorme diversidade, sendo composta até por entidades ligadas ao setor empresarial como a Abrinq, por exemplo, e muitas ligadas aos movimentos sociais, educacionais e científicos) foram cunhando um conjunto de conceitos, consensos e estudos que culminaram no Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), na defesa da destinação para a educação dos recursos oriundos dos royalties do petróleo da região do Pré-sal e na Nota Técnica de Justificativa da Necessidade de 10% do PIB para a Educação Pública, considerando que, naquela altura, a educação obrigatória tinha passado de 8 para 14 anos de escolarização, quase dobrando o número de anos em que qualquer cidadão brasileiro teria acesso à educação como direito público inalienável, já que a emenda constitucional 59, de 11 de novembro de 2009, passou a prever a educação obrigatória no Brasil dos quatro aos 17 anos.

Por outro lado, entidades como o Todos pela Educação, congregando grandes empresários brasileiros que alegam compromisso com a educação, se movimentavam empunhando bandeiras privatistas como a implantação do modelo gerencial para a educação, a transposição da racionalidade empresarial para a gestão da educação púbica, da remuneração dos trabalhadores da educação por produtividade, da meritocracia, da avaliação por resultados e o fim da estabilidade no emprego público.

Em síntese, quando a presidente Dilma foi eleita, o país estava com quinze anos de atraso no setor educacional, em função da ausência de um PNE ou pela existência de um PNE que se constituiu em letra morta. E quanto mais tempo o novo plano demorasse tramitando, mais tempo a educação do país estaria à deriva ou sendo dirigida por decretos, portarias e demais normativas, que foram cada vez mais se pautando pela lógica das avaliações de larga escala do tipo Ideb, Enade, Saresp, etc.

O mais incrível é que o Projeto de Lei (PL) de PNE encaminhado pela Presidente Dilma ao Congresso Nacional era diferente do documento final aprovado pela Conae 2010, desconsiderando todo o tempo, trabalho e dinheiro público investido naquela dinâmica de conferências!!! Mais uma vez, houve reação, e o PL de PNE foi recebendo emendas de iniciativa tanto das forças que defendiam a escola pública, quanto dos setores privatistas. O texto oriundo do governo federal sofreu melhoras em sua tramitação na Câmara dos Deputados, isso graças às mobilizações de toda ordem que ocorreram constantemente naquela casa de leis, também por emails, tuitaços, e toda forma de manifestação e organização dos movimentos sociais. O governo federal trabalhou o tempo todo contra os 10% do PIB para a educação pública, mas sua bancada na Comissão de Educação foi obrigada a votar por unanimidade nos 10%, constrangida pela força das mobilizações. No Senado, o projeto ganhou traços mais conservadores, como não se podia deixar de esperar e, de novo, houve pressões de um lado e de outro.

Esse processo todo durou quatro anos, e os embates de diferentes interesses se revelam no texto do PNE. Sendo assim, ao mesmo tempo em que o PNE incorporou o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), o que representa em tese que a União (a esfera de governo que possui maior capacidade de arrecadação e a que tem a menor margem de receita vinculada às despesas de educação dentre as três esferas – federal, estadual e municipal) terá de aumentar sua participação na manutenção da educação básica. O PNE também apresenta a defesa da lógica da avaliação por resultados materializada no Índice de Desenvolvimento da Educação (IDEB).

Mas o mais preocupante no novo PNE é que, mesmo se atingidas as metas de investimento propostas, isso não garante a utilização desses recursos na educação pública, uma vez que ele faz referência somente à gratuidade da educação e não ao seu caráter público. Isso significa que o governo brasileiro continuará com sua política atual de sustentação do setor educacional privado, através das parcerias público-privadas. Tanto é que o parágrafo 4º, do artigo 5º do novo PNE, considera investimentos públicos em educação aqueles realizados em programas de expansão da educação profissional, superior e especializada – tais como Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), ProUni (Programa Universidade Para Todos), Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) e Ciências Sem Fronteiras (programa de intercâmbio universitário) – pautados na compra de serviços de instituições de ensino privadas ou na subvenção fiscal das mesmas, assim como os recursos destinados às parcerias com ONGs para o atendimento terceirizado da educação infantil.

O PNE foi aprovado sem vetos, pois este plano permite ao governo federal continuar com sua política de atendimento aos interesses do grande capital, em nome de “avanços” nas políticas sociais. No caso da educação, a “ampliação do acesso” via instituições privadas, além da sustentação do setor, também atende às necessidades de fornecimento de força de trabalho especializada destinada ao mercado e à manutenção da ordem capitalista. Enquanto isso, nas instituições públicas, permanece a falta de infraestrutura ao desenvolvimento do ensino de qualidade, a precarização das condições de trabalho, a ausência ou insuficiência de uma política de assistência estudantil que garanta a permanência dos estudantes, sobretudo os cotistas.

Os comunistas defendem a expansão da oferta de educação pública e de qualidade, sobretudo da educação infantil, que afeta sobremaneira o cotidiano das mães da classe trabalhadora. Para além de participar da elaboração e aprovação dos planos estaduais e municipais de educação, pressionando pelos interesses da classe trabalhadora, defendemos o fortalecimento de espaços alternativos e populares que unifiquem as lutas por um modelo de educação para e com os trabalhadores. Fóruns em defesa da educação pública que articulem estudantes, professores, pais de alunos e a comunidade em geral, além de recentes iniciativas como o Encontro Nacional de Educação e o Encontro Nacional de Movimentos em luta por uma Universidade Popular(ENMUP) são exemplos de potenciais articulações que muito contribuem para a luta contra o modelo de educação do grande capital. Urge que as organizações, entidades, sindicatos e movimentos populares superem a pauta reativa de resistência à privatização da educação para, a partir destas resistências, construir um plano nacional e uma concepção de educação própria dos trabalhadores e que se contraponha ao atual projeto educacional do grande empresariado.

O Partido Comunista Brasileiro (PCB) denuncia a atual política vinculada aos interesses dos grandes monopólios privados na educação e a tentativa de apaziguar as lutas históricas do movimento popular em defesa da educação pública. Continuaremos firmemente na defesa não só de uma educação pública e de qualidade, mas na luta por uma educação popular a serviço da emancipação dos trabalhadores.

Comissão de Educadores do Comitê Central do PCB

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