DETER A MATANÇA DE ISRAEL NA FAIXA DE GAZA! CONHECER A “QUESTÃO PALESTINA”!

“Pergunto-me se esses judeus que morreram nos campos de concentração nazistas, esses que foram perseguidos ao longo da História, esses que foram trucidados nos pogroms [massacres de judeus ocorridos no século XIX], esses que apodreceram nos guetos, pergunto-me se essa imensa multidão de infelizes não sentiria vergonha pelos atos infames que os seus descendentes vêm cometendo. Pergunto-me se o fato de terem sofrido tanto não seria a melhor causa para não fazerem sofrer os outros.

As pedras de Davi mudaram de mãos, agora são os palestinos que as atiram. Golias está do outro lado, armado e equipado como nunca se viu soldado algum na história das guerras, salvo, claro está, o amigo norte-americano. (…)”

(José Saramago, escritor português)

O trecho e a imagem acima podem chocar ou levar a indignação de alguns leitores desavisados ou que desconhecem essa tragédia que estamos vendo ocorrer na Faixa de Gaza, pequena faixa costeira com uma das maiores densidades populacionais do mundo: 1,8 milhão de habitantes vivendo (sobrevivendo) em 360 km2. O choque e a indignação podem ser causadas pela maneira como aprendemos na escola, nos filmes, nos livros ou ainda cotidianamente pela grande mídia que “holocausto”, “gueto”, “campo de concentração”, “limpeza étnica” são conceitos que fazem parte unicamente do genocídio que os judeus sofreram pelos nazistas alemães, a partir de 1935/36 e ao longo da Segunda Guerra Mundial. Israel, inclusive foi fundado em 1948 como consequência da comoção internacional quando o mundo, perplexo, soube dos relatos de sobreviventes ou das imagens em preto e branco feita dos campos de concentração que revelaram o horror e o quanto a maldade humana pôde chegar.

Mas hoje estamos testemunhando algo similar ocorrendo na Faixa de Gaza. Quando vemos as bombas indiscriminadamente lançadas pelo Estado de Israel sobre a população civil de Gaza; quando assistimos as chocantes imagens de crianças com corpos estraçalhados, membros amputados, pais e mães em desespero, milhares de feridos (7000 enquanto escrevo), locais públicos atingidos e até escolas bombardeadas e reduzidas a escombros; Tudo isso nos leva a percepção que uma nova tragédia (nova?), com requintes de perversidade, está ocorrendo há 23 dias, com um saldo mais de 1400 mortes do lado palestino contra 53 pelo lado de Israel (sendo 50 de soldados em combate) através dos foguetes artesanais e sem pontaria que a esmo a resistência palestina lança.

Trata-se então de uma “guerra” ou de um novo “conflito no Oriente Médio” com insistem em (des)informar os meios de comunicação tradicional? É uma nova “ofensiva” cinicamente batizada de “Margem Protetora” que as “Forças de Defesa” de Israel (como é hipocritamente chamada a sua máquina de matar) usam para combater os “terroristas palestinos”? Na realidade o principal “crime” inaceitável para o Estado de Israel é a OUSADIA dos palestinos não apenas em SOBREVIVER, mas sobretudo em RESISITIR a dominação israelense nos territórios ocupados na Palestina. Precisamos então recorrer a um pouco dessa História1 que ainda é muito desconhecida (ou intencionalmente ignorada) haja vista que os palestinos continuam a ser vistos como “um povo invisível”2.

Fazendo uma breve retrospectiva pode-se dizer que desde agosto de 1948, os árabes-palestinos (que eram imensa maioria na região há muito tempo chamada de Palestina3) foram intencionalmente expulsos de suas terras transformadas em moradia para os colonos judeus4 que, estimulados, migraram para lá. Uma sociedade construída principalmente por árabes na Palestina foi erradicada e destruída. Era a NAKBA, a “catástrofe”. Começava a “questão palestina” um drama que continua sem solução e que o mundo europeu, dito “civilizado”, fechou os olhos ou claramente passou a apoiar seu novo aliado na região: o Estado de Israel. Vale dizer que também os EUA tornaram-se o seu principal financiador, enviando anualmente bilhões de dólares a seu principal parceiro, numa região geopoliticamente estratégica e próxima aos recursos naturais imprescindíveis como petróleo.

A “questão palestina” ganha um novo capítulo em 1967 quando Israel tornou-se aquilo que já se propunha em 1948: ser uma mortífera força de ocupação dentro do próprio território palestino. Agora os palestinos estavam cercados em duas regiões distantes entre si e vigiados constantemente: a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Israel também anexou a parte oriental de Jerusalém (capital histórica/religiosa da Palestina). Houve ainda um sistemático estímulo aos assentamentos de colonos judeus, força paramilitar dentro dos territórios ocupados que continuam ilegalmente (segundo várias resoluções da ONU) a se expandir em seu sonho de criar a “Grande Israel”.

No entanto, é no mesmo ano de 1948, que começa a busca de autodeterminação dos palestinos. Ela não tem início em 1967, nem agora. Esse é o outro lado da moeda. Um povo perseguido, violentado, expulso de suas terras, desarmado, vivendo em guetos (acaso não é isso que é Gaza?) dos quais sua população não tem direito a livre circulação, não podem ter defesa militar, não tem direitos, enfim são prisioneiros de um Estado que conta com um poderoso exército, bombas nucleares, centenas de tanques de guerra e aviões militares modernos. Tinha tudo para ser um povo passivo e derrotado. Mas a resistência palestina heroicamente continua. Ela é parte de uma luta que conta fundamentalmente com a solidariedade internacional dos povos que vemos novamente sair às ruas nas principais cidades do mundo exigindo o fim desse novo capítulo do genocídio (holocausto) e limpeza étnica desencadeado pelo Estado terrorista de Israel sobre os palestinos em Gaza.

Esse texto é dedicado aos meus jovens alunos e alunas que precisam compreender os motivos dessa tragédia do povo palestino, iniciada em 1948, mas que continua a existir.

É possível uma solução a todo esse horror que ocorre na Palestina? Sem dúvida. Esse não é um conflito religioso! É uma luta política por justiça e reparação histórica, pois Israel surgiu e se mantém pela usurpação e pelo colonialismo na Palestina ocupada. A solução imediata é o fim dos bombardeios e a abertura das fronteiras em Gaza que continuam fechadas. Gaza precisa de remédios, de comida, de escola, enfim de ajuda humanitária internacional. Essa é a primeira condição. Mas uma PAZ DURADOURA só É POSSÍVEL SE CONCRETIZAR quando a mentalidade sionista (a ideia religiosa de construir a “Grande Sion” para dito “povo escolhido por deus”) for SUPERADA pela proposta de uma PALESTINA LIVRE, LAICA E FRATERNA onde convivam harmoniosamente muçulmanos, cristãos e judeus, como fora antes da criação de Israel. Concretamente estou falando do direito histórico da criação também de um Estado Palestino com o direito de retorno dos refugiados, que Israel retorne às fronteiras ocupadas antes de 1967 (Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU desrespeitada) e que tenha Jerusalém Oriental como capital desse novo Estado.

O que falta é vontade política em resolver um outro holocausto que teimosamente é ignorado pelos governos, pela mídia oficial que continuam a considerar os palestinos como um “povo invisível”. Por isso que tentei, nesse breve texto, refletir sobre a “História oculta” da “QUESTÃO PALESTINA” que precisa ser (re)conhecida e que tem uma causa a ser urgentemente abraçada. Assim sendo, digo em voz alta SOMOS TODOS PALESTINOS!!!!

*Professor de História da Rede municipal de Educação do RJ <robimansilla@hotmail.com>

Niterói, 30 de julho de 2014.


Notas:

1. Tenho dois artigos disponíveis na internet em que relato um pouco mais sobre a chamada “Questão Palestina”. Um primeiro denominado “A catástrofe do povo palestino: uma tentativa de interpretação” que pode ser visto no site: www.uni-vos.com/mundo1.html . Um segundo artigo, na realidade um relato chama-se “O que é mesmo tolerância?” pode ser encontrada no endereço: www.somostodospalestinos.blogspot.com.br/2010_06_01_archive.html.

2. Cf. Edward Said que foi o mais expressivo intelectual palestino (faleceu em 2003) e que durante anos se tornou um “porta-voz” da causa palestina nos EUA onde viveu como exilado. Entre alguns de seus livros destaco a Questão Palestina, Cultura e Resistência, Cultura e Imperialismo e Orientalismo todos esses publicados no Brasil.

3. Por volta de 1200 a.C. quando os hebreus (antepassados dos judeus) resolveram voltar ao que chamavam de “Terra Santa” (“Canaã”) outros povos já viviam naquela região como os filisteus, povo de origem não semítica que se estabeleceu na costa sul da Palestina. Vem dele o nome “Filistina” (ou Palestina) para a região.

4. Edward Said fala em 800 mil o número inicial de refugiados expulsos da Palestina. (Hoje são quase 6 milhões vivendo de maneira sub-humana em campos de refugiados da ONU no Líbano, na Síria e na Jordânia). Said também diz que cerca de cerca de 94% das terras antes pertencentes aos palestinos foram tomadas pelos judeus na criação do Estado de Israel. Cf. SAID, Edward. Cultura e resistência (Entrevistas do Intelectual palestino a David Barsamian). Trad. Bárbara Duarte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 41-42.