Barco humanitário de mulheres buscará romper cerco à Gaza

EIRUT, jul (IPS) – O “Maryam”, um barco de ajuda humanitária cuja tripulação é integrada somente por mulheres, se prepara para zarpar do porto libanês de Trípoli e dirigir-se à Gaza nas próximas semanas.

O navio que pretende romper o cerco israelense sobre esse território da costa palestina, levará 50 ativistas humanitárias, incluindo algumas freiras.

“O projeto atraiu a todos, pois nos uniu em torno de um sentimento de indignação contra a descarada injustiça”, disse Samar Haji, uma das organizadoras do Maryam (versão árabe de “Maria”, a mãe de Jesus de Nazaré).

O cerco israelense começou em 2006, logo depois que o Hamás (Movimento de Resistência Islâmica) venceu as eleições legislativas palestinas e combatentes islâmicos sequestraram o soldado israelense Gilad Shalit na fronteira.

O hermético bloqueio se mantem com a ajuda do Egito e vem privando muitas pessoas de produtos básicos.

 

A viagem do Maryam, sem dúvida, acrescentará tensão à região, sobretudo depois do 31 de maio. Nessa data, forças israelenses detiveram e abordaram em águas internacionais a Flotilha Gaza Livre, encabeçada pelo Mavi Marmaris, de bandeira turca, matando nove ativistas.

Depois do ataque que desatou uma onda de condenações internacionais à Israel, Hajj se reuniu para protestar no centro de Beirute junto com outras 11 amigas. “Estávamos consternadas pelas violentas imagens que vimos na televisão e queríamos fazer algo”, contou.

As mulheres logo contataram Yasser Kashlak, sírio palestino que preside o Movimento Palestina Livre. Kashlak contribuiu com o financiamento de vários navios que tentaram romper o bloqueio, incluindo a Flotilha pela Liberdade de Gaza e o Naji al Ali.

“Depois do incidente do Mavi Marmaris, uma das mulheres invocou a virgem Maria numa de nossas reuniões semanais. Sua exclamação foi como uma revelação, assim que decidimos chamar o nosso barco Maryam”, explicou.

“O nome era perfeito para um navio integrado somente por mulheres. Quem poderia menosprezar a virgem Maria, reconhecida santa pela maioria das religiões?”, perguntou Hajj.

A previsão é de que o barco faça uma escala num porto estrangeiro antes de aproximar-se de Israel, devido à hostilidade entre esse país e o Líbano.

No mês passado, o governo do Chipre proibiu que qualquer nave se dirija à Gaza a partir de seus cais. Porém, os ativistas podem zarpar de algum terminal marítimo da parte da ilha ocupada pela Turquia.

“Temos a opção de zarpar de vários portos amigos e somos completamente conscientes de nossa obrigação de fazer uma escala no estrangeiro para que nossa viagem não seja considerada um ato de guerra”, assinalou Hajj.

A ativista estima que recebe umas 500 solicitações de pessoas que desejam somar-se à viagem. No entanto, o Maryam só pode transportar aproximadamente 50 mulheres, metade das quais são libanesas e o restante europeias, norte-americanas e provenientes de outros países árabes.

“O barco transportará medicamentos contra o câncer e outros artigos necessários para mulheres e crianças. Não vamos levar nem armas, nem terroristas ou o que mais possa dizer o exército israelense”, afirmou Hajj.

Enquanto se preparam para zarpar, a base central do Maryam continua em plena atividade. Mulheres com diferentes históricos, filiações políticas, nacionalidades e religiões dialogam, discutem e brincam.

“Todas as mulheres que viajarão no barco tomaram o nome de Maryam e se distinguem por um número, como ‘Maryam 1’, ‘Maryam 2’, etc. Preferimos manter em segredo as identidades para evitar pressão das respectivas embaixadas”, explicou Hajj.

“Maryam 1” é uma advogada indiana de idade mediana, esposa de um almirante. “Sou seguidora dos ensinamentos do pensador e político indiano Mahatma Gandhi, que lutou de maneira pacífica contra toda forma de opressão ao longo de sua vida. Também se opôs à ocupação da Palestina”, assinalou.

A advogada explicou que antes de decidir integrar o Maryam, estudou as implicações legais do ataque israelense à Flotilha Gaza Livre.

“O que o ataque ao Mavi Marmaris revelou é que se aplicam duas categorias de leis à humanidade, sempre dependendo da cor da pele, a raça e a religião do povo”, afirmou.

Sentada frente a ela, estava “Maryam 2”, ex-bióloga de descendência libanesa-armênia. “Acompanho de perto a questão palestina e me comovi com a flagrante injustiça que sofrem os palestinos por parte dos israelenses”, indicou.

Nas reuniões diárias, “Maryam 2” fez amizade com mulheres de diferentes origens, em especial com uma jornalista turca. Algo surpreendente, considerando que a Turquia e a Armênia são nações rivais desde o massacre de inúmeros armênios sob o Império Otomano, entre 1915 e 1917.

“A jornalista, que apenas fala inglês, disse que sentiu que eu havia sido enviada por Deus quando descobriu que podia falar algo de turco. Aqui na base de operações do Maryam, a nacionalidade e a religião se dissolvem, já que a causa comum é romper o cerco à Gaza”, afirmou.

Enquanto isso, em Israel, o chefe do Exército, Gabi Ashkenazi, disse, no dia 6 desse mês no Comitê de Assuntos Exteriores e Defesa da Knesset (parlamento unicameral), que se deviam fazer todos os esforços necessários para impedir que zarpem mais flotilhas humanitárias para Gaza.

Tradução: Maria Fernanda M. Scelza

Fonte: http://www.ipsnoticias.net/nota.asp?idnews=95992