O PCB E A REFORMA POLÍTICA
Encerradas as eleições de 2014 e findo o espetáculo da democracia burguesa, a vida real retornou drasticamente para a imensa maioria da população após mais um processo de cartas marcadas em que a polarização entre as candidaturas presidenciais que disputaram o segundo turno se deu através de um dos mais pobres debates políticos dos últimos tempos, em que predominaram os ataques pessoais e promessas ligadas a diferentes formas de administrar o país dentro da lógica da expansão capitalista e dos interesses das grandes empresas, principais financiadoras das campanhas das coligações mais poderosas. A vitória apertada da candidata do PT-PMDB, evidencia o desgaste dos governos petistas, que, no fundamental, não alteraram as políticas econômicas neoliberais e tornaram-se reféns do presidencialismo de coalizão para garantir a governabilidade a qualquer preço, por meio de acordos com os partidos fisiológicos, cujo preço é o abandono das reformas sociais mais elementares.
As primeiras medidas adotadas pelo governo Dilma após a reeleição confirmam os prognósticos feitos pelo PCB, cuja opção pelo voto nulo no segundo turno estava inserida na percepção segundo a qual a classe trabalhadora já havia sido derrotada nas eleições e deveria continuar em luta qualquer que fosse o presidente saído das urnas. A decretação de nova elevação da taxa de juros, a indicação de um representante do capital financeiro para Ministro da Fazenda e de outros nomes ligados à alta burguesia para cargos ministeriais, o anúncio de cortes de gastos públicos (que na certa recairão sobre programas sociais), repetindo a velha fórmula neoliberal para tentar barrar a inflação, dentre outras, são iniciativas voltadas a “tranquilizar” os banqueiros e capitalistas, na contramão do discurso “mais à esquerda” adotado na campanha do segundo turno para canalizar votos dos setores mais progressistas na direção do PT.
Agora também reaparece com mais força o tema da reforma política, como se fosse uma tábua de salvação para superar o desgaste político acumulado pelo PT nesses últimos tempos e tornado mais visível desde junho de 2013, quando o grito das ruas apontou o descontentamento popular com os péssimos serviços públicos, a piora das condições de vida nas cidades, a corrupção nos meios políticos. Nenhuma reforma fundamental foi anunciada de lá pra cá, a não ser o decreto governamental da Lei e da Ordem, institucionalizando a repressão e a criminalização dos movimentos sociais e o projeto que versava sobre a “Política Nacional de Participação Social”, o chamado Decreto dos Conselhos, que, em tese, instituiria a consulta a conselhos populares por órgãos do governo antes de decisões sobre a implementação de políticas públicas. Este decreto foi derrubado pela Câmara dos Deputados logo após o resultado do segundo turno, por representantes dos partidos burgueses, inclusive a base conservadora de apoio ao governo Dilma.
Não se promove a participação popular com vistas a tomadas de decisões no âmbito do poder político por decreto, muito menos quando o projeto amarra a formação dos “conselhos populares” a fóruns e organizações cujas representações seriam escolhidas a dedo pelo próprio governo, indicando que a tal anunciada democratização na definição de políticas públicas não passaria de uma tentativa de atrelamento dos movimentos sociais às ações governamentais. A derrubada deste projeto na Câmara indica claramente a postura extremamente conservadora dos parlamentares, que irá piorar, em virtude do resultado das eleições deste ano, fazendo aumentar as bancadas dos representantes do agronegócio, dos lobistas, da pistolagem, do fanatismo religioso e da ultradireita.
A reforma política aventada pelo governo Dilma, que chegou a anunciar a intenção de promover um plebiscito para instaurá-la e, depois das pressões contrárias dos grupos conservadores, recuou, na verdade tende a aprofundar ainda mais o caráter elitista, excludente e antidemocrático do sistema político atual, com medidas como a cláusula de barreira para a existência dos partidos com base no desempenho eleitoral, o fim das coligações proporcionais, o voto distrital, etc. Para o PCB, não passa de uma falácia a afirmação de que a reforma política esboçada vá acabar ou reduzir a corrupção, aprimorar os mecanismos democráticos e assegurar o fortalecimento dos partidos e a fidelidade partidária.
O que se vê até agora é o encaminhamento de propostas no sentido de favorecer apenas os interesses das chamadas grandes agremiações partidárias, na direção contrária, portanto, de qualquer possibilidade de criação de novos mecanismos de participação popular, tais como a adoção de consultas regulares à população, cassação popular de mandatos, tribuna popular nos parlamentos, ampliação da iniciativa legislativa, formação de conselhos populares autênticos, etc. Há de fato em curso uma reforma eleitoral regressiva que, no essencial, visa a eliminar os pequenos partidos, forçando a absorção das legendas de aluguel pelas maiores agremiações e a perda do registro legal das organizações socialistas e revolucionárias, as quais já encontram dificuldades para participar dos processos eleitorais em concorrência com as campanhas milionárias e nos marcos de uma legislação draconiana e desigual.
A “reforma” proposta pelos partidos burgueses
A chamada cláusula de barreira surgiu em alguns países da Europa, com o claro objetivo de excluir partidos comunistas e revolucionários dos parlamentos, os quais tendem a ser minoritários em termos eleitorais na atual conjuntura, pois a luta dos comunistas não se restringe ao parlamento, e as regras burguesas nada têm de democráticas, fazendo imperar a influência do capital e a manipulação da mídia no jogo eleitoral. O partido que não atingir o percentual mínimo exigido não teria direito a cotas do Fundo Partidário, horário gratuito no rádio e televisão. Se esta norma prevalecesse na primeira metade dos anos oitenta, o PT estaria na linha de corte, sem poder crescer.
Outra medida proposta é o fim das coligações proporcionais, com o objetivo de concentrar o quadro partidário a poucas agremiações. As legendas burguesas de aluguel, de pequeno porte, não têm qualquer dificuldade de promover sua própria extinção, fundindo-se com partidos burgueses de maior porte, desde que a negociação compense. Fusões partidárias já estão em curso, prevalecendo razões de ordem fisiológicas e não ideológicas.
Sem ilusões de que mudanças na legislação eleitoral, mesmo que avançadas, possam tornar democráticas as eleições burguesas, o PCB é a favor das coligações, desde que estas se estabeleçam a partir de programas políticos e referências ideológicas definidas. Nossa proposta é a verticalização nacional das coligações, com a possibilidade de formação de “federações de partidos”, em bases programáticas e permanentes, para além das eleições, possibilitando a identificação das legendas e composições políticas com propostas e formulações que não se alterem ao sabor das conveniências de momento.
Outra proposta que interessa aos setores conservadores é a da introdução no Brasil do chamado voto distrital nas eleições proporcionais, por intermédio do qual o eleitor só teria direito a votar em candidatos inscritos para disputar o cargo de deputado em seu distrito, ou seja, numa determinada jurisdição. Uma vez eleito, o parlamentar distrital tende a se comportar como uma espécie de despachante da região que o elegeu e pela qual pretende se reeleger. Se hoje já existe uma grande despolitização nas eleições proporcionais, o advento desta mudança tornaria ainda mais minoritário o voto de opinião, identificado com projetos alternativos de sociedade, espaço principal dos partidos revolucionários, dando lugar ao bairrismo e às disputas regionais. Por estas razões, o PCB se coloca na defesa do voto universal e radicalmente contrário ao voto distrital, ainda que misto, ou seja, com uma parte do parlamento eleita pelo distrito e outra pelo conjunto de eleitores.
Na contramão do projeto burguês, organizar a luta pelo Poder Popular
Para que os trabalhadores tenham de fato oportunidade de participação nas tomadas de decisão sobre sua vida, é preciso muito mais que uma reforma política ou a engenhosidade de sistemas de representação, organização partidária e sistemas eleitorais pretensamente inovadores, elaborados para dar falsa impressão de mudanças e de um verniz de participação popular, quando de fato mantêm a dominação capitalista. É necessário superar radicalmente a ordem institucional da política burguesa, incorporando mecanismos de democracia direta nos locais de moradia e trabalho da população, para que se garanta efetivamente a participação das entidades populares na formulação das políticas sociais e do direcionamento exclusivo das verbas públicas para a solução dos problemas vividos pela população no seu dia a dia.
Além disso, é preciso lutar por formas consequentes de participação popular, tais como a garantia de acesso das organizações populares às tribunas parlamentares; direito de cassação direta de mandatos; ampliação das consultas populares, com plebiscitos e referendos; ampliação do direito à iniciativa legislativa popular; igualdade de condições entre os partidos na distribuição do tempo de propaganda gratuita, do fundo partidário e no financiamento público de campanhas.
O PCB é radicalmente contrário ao financiamento privado nas eleições, pois as candidaturas ficam completamente atreladas aos interesses das empresas financiadoras. O capital financeiro, as empreiteiras, o agronegócio e as grandes empresas distribuem suas doações entre os partidos e coligações da ordem (PT, PSDB, PMDB, PSB, etc), para garantir que seus interesses particulares e lucros escorchantes sejam reproduzidos continuamente, caso saiam vitoriosos quaisquer dos candidatos dessas coligações. Não temos qualquer ilusão de que a exclusividade da utilização de recursos públicos nas campanhas evitará o financiamento privado de empreiteiras e empresas com interesses na prestação de serviços a entes públicos ou que dependem de regulamentação e outros benefícios públicos. No entanto, entendemos que a iniciativa pode reduzir a promiscuidade hoje reinante entre os grupos econômicos e os agentes políticos.
Outro tema defendido pelo PCB é o da lista fechada nas eleições proporcionais. Esta é uma bandeira histórica dos comunistas, na perspectiva de que o coletivo partidário está acima das personalidades. Na nossa concepção, os eleitores devem votar em ideias, princípios, programas e não em personalidades. Trata-se de uma mudança que fortaleceria os partidos políticos e garantiria a fidelidade partidária, já que os mandatos pertenceriam aos partidos. Uma vez introduzida essa mudança, os eleitos serão os candidatos listados na ordem decidida pelos partidos. No caso de o parlamentar mudar de partido, perde seu mandato, assumindo o próximo indicado na lista. Há países em que os partidos podem inclusive substituir um parlamentar em exercício de mandato, em caso de infidelidade partidária.
Diante do quadro atual de acirramento das contradições na sociedade brasileira, em que os seguidos escândalos de corrupção, tráfico de influência, manipulação, fraudes, uso da máquina pública, promiscuidade na relação público/privado e todas as degenerações políticas inerentes ao capitalismo expõem os problemas inerentes à chamada democracia burguesa, o PCB considera que é preciso avançar na luta pelo Poder Popular.
No momento de crescimento do pensamento conservador no Brasil e no mundo, inclusive através de manifestações abertas da direita fascista, entendemos ser papel das organizações de esquerda e dos movimentos sociais combativos fazer avançar a luta anticapitalista, ocupando todos os espaços possíveis de participação popular, como forma de construção política e caminho de elaboração de um programa profundo de transformações sociais. A ausência dos revolucionários em quaisquer espaços de luta reforça a ideia do senso comum segundo a qual a política se restringe às alternativas da ordem e que não há solução fora do capitalismo. Nossa presença é importante e incômoda, seja para as classes dominantes e a direita mais raivosa, seja para os reformistas que veem suas verdades serem questionadas. Só há um caminho: fortalecer a auto-organização e a mobilização dos trabalhadores em defesa de seus direitos e de seus interesses históricos, no rumo da construção do Poder Popular e do Socialismo.
Novembro de 2014
COMISSÃO POLÍTICA NACIONAL DO PCB
Partido Comunista Brasileiro