A opção Faluja na Ucrânia do Leste

Mike Whitney*

“Quero apelar ao povo ucraniano, às mães, aos pais, às irmãs e avós. Parem de enviar vossos filhos e irmãos para esta carnificina inútil e impiedosa. Os interesses do governo ucraniano não são os vossos interesses. Imploro-vos: Caiam na realidade. Não têm de regar os campos do Donbass com sangue ucraniano. Não vale a pena”. Alexander Zakharchenko, primeiro-ministro da República Popular de Donetsk

Washington precisa de uma guerra na Ucrânia para alcançar seus objectivos estratégicos. Este ponto não pode ser demasiado enfatizado.

Os EUA querem empurrar a NATO (OTAN) para as fronteiras ocidentais da Rússia. Querem uma ponte de terra para a Ásia a fim de espalhar bases militares estado-unidenses por todo o continente. Querem controlar os corredores de gasodutos da Rússia para a Europa a fim de monitorar as receitas de Moscou e assegurar que o [preço do] gás continue a ser denominado em dólares. E querem uma Rússia mais fraca e instável pois assim fica mais propensa a mudança de regime, a fragmentação e, em última análise, a controle estrangeiro. Estes objectivos não podem ser alcançados pacificamente. Na verdade, se o combate acabasse amanhã as sanções seriam levantadas pouco após e a economia russa começaria a recuperar. Como é que isso beneficiaria Washington?

Não beneficiaria. Minaria o plano mais vasto de Washington de integrar a China e a Rússia no sistema económico prevalecente, o sistema dólar. Pessoas influentes nos EUA percebem que o actual sistema deve ou expandir-se ou entrar em colapso. Ou a China e a Rússia são submetidas e persuadidas a aceitar um papel subordinado na ordem global liderada pelos EUA ou a permanência de Washington como poder hegemónico global chegará a um fim.

Esta é a razão porque as hostilidades no Leste da Ucrânia escalaram e continuarão a escalar. Esta é a razão porque o Congresso dos EUA aprovou uma lei para aplicar sanções mais duras ao sector energético da Rússia e ajuda letal aos militares da Ucrânia. Esta é a razão porque Washington enviou instrutores militares para a Ucrânia e prepara-se para providenciar US$3 milhares de milhões em “mísseis anti-blindagem, drones de reconhecimento, Humvees armados e radares que possam determinar a localização de foguetes e fogo de artilharia inimigo”. Todas as acções de Washington são concebidas com um único propósito em mente: intensificar o combate e escalar o conflito. As pesadas perdas do inexperiente exército da Ucrânia e o terrível sofrimento dos civis em Lugansk e Donetsk não têm interesse para os planeadores de guerra dos EUA. A sua tarefa é assegurar que a paz seja evitada a todo custo porque a paz descarrilaria os planos estado-unidenses para voltar-se para a Ásia e permanecer a única superpotência mundial. Aqui está um trecho de um artigo no WSWS:

“O objectivo final dos EUA e seus aliados é reduzir a Rússia a um status empobrecido e semi-colonial. Uma tal estratégia, historicamente associada a Zbigniew Brzezinski, antigo conselheiro de segurança nacional da administração Carter, está outra vez a ser promovida abertamente.

Num discurso no ano passado no Wilson Center, Brzezinski conclamou Washington a abastecer Kiev com “armas destinadas particularmente a permitir aos ucranianos empenharem-se em eficaz guerra urbana de resistência”. Em linha com as políticas agora recomendadas no relatório da Brookings Institution e outros think tanks que clamam por armas americanas para o regime de Kiev, Brzezinski pediu que providenciassem “armas anti-tanque… armas capazes para utilização em combate urbano a curta distância”.

Se bem que a estratégia esboçada por Brzezinski seja politicamente criminosa – aprisionando a Rússia numa guerra urbana na Ucrânia que ameaçaria provocar a morte de milhões, se não mesmo milhares de milhões de pessoas – ela está plenamente alinhada às políticas que durante décadas ele tem promovido contra a Rússia”. ( “The US arming of Ukraine and the danger of World War III” , World Socialist Web Site)

A ajuda militar não letal inevitavelmente levará à ajuda militar letal, armamento refinado, zonas de interdição de voo, assistência encoberta, mercenários estrangeiros, operações especiais e botas sobre o terreno. Já vimos tudo isso antes. Não há oposição popular à guerra nos EUA, nenhum movimento anti-guerra influente que possa paralisar cidades, ordenar uma greve geral ou desestabilizar o status quo. Assim, não há meio de travar o persistente impulso para a guerra. Os media e os políticos deram carta branca a Obama, autoridade para prosseguir o conflito como ele quiser. Isso aumenta a probabilidade de uma guerra mais vasta neste próximo Verão a seguir ao degelo da Primavera.

Ainda que a possibilidade de uma conflagração nuclear não possa ser excluída, isso não afectará os planos dos EUA para o futuro próximo. Ninguém pensa que Putin lançará uma guerra nuclear para proteger o Donbass, de modo que o valor dissuasor das armas é perdido.

E Washington tão pouco está preocupada acerca de custos. Apesar das incompetentes (botched) intervenções militares no Afeganistão, Iraque, Líbia e uma meia dúzia de outros países por todo o mundo, as acções dos EUA ainda estão a subir, o investimento estrangeiro em Títulos do Tesouro dos EUA (Treasuries) está em níveis recorde, a economia dos EUA cresce a um ritmo mais rápido do que a de qualquer dos seus competidores globais e o dólar subiu uns espantosos 13 por cento desde Junho último em relação a um conjunto de divisas estrangeiras. A América nada tem pago por dizimar vastas partes do planeta e matar mais de um milhão de pessoas. Por que eles iriam parar agora?

Eles não pararão, razão pela qual o combate na Ucrânia está em vias de escalar. Verifique isto do WSWS:

“Na segunda-feira, o New York Times anunciou que a administração Obama está a inclinar-se para armar directamente o exército ucraniano e as milícias fascistas que apoiam o regime de Kiev suportado pela NATO, após as suas recentes derrotas na ofensiva contra as forças separatistas pró-russas no Leste da Ucrânia.

O artigo cita um relatório conjunto emitido segunda-feira pela Brookings Institution, pelo Atlantic Council e pelo Chicago Council on Global Affairs e entregue ao Presidente Obama, aconselhando a Casa Branca e a NATO sobre o melhor caminho para escalar a guerra na Ucrânia…

De acordo com o Times, oficiais dos EUA estão rapidamente a apoiar as propostas do relatório. O comandante militar da NATO na Europa, general Philip M. Breedlove, o secretário da Defesa Chuck Hagel, o secretário de Estado dos EUA John Kerry e o chefe do estado-maior das forças armadas general Martin Dempsey todos apoiaram as discussões sobre armar Kiev. A conselheira de segurança nacional Susan Rice está a reconsiderar a sua oposição a armar Kiev, abrindo o caminho para a aprovação de Obama” ( “Washington moves toward arming Ukrainian regime” , World Socialist Web Site)

Vêem o que está a acontecer? A morte já está no molde. Haverá uma guerra com a Rússia porque é o que o establishment político quer. É muito simples. E apesar de provocações anteriores não terem conseguido atrair Putin para dentro do caldeirão ucraniano, este novo surto de violência – uma ofensiva na Primavera – está obrigado a fazer o truque. Putin não vai sentar sobre as suas mãos enquanto procuradores (proxies) armados com armas americanas e logística americana bombardearem o Donbass até chegar a uma ruína tipo Faluja . Ele fará o que qualquer líder responsável faria. Ele protegerá o seu povo. Isso significa guerra. (Ver aqui o vasto dano que a guerra proxy de Obama já fez no Leste da Ucrânia: “An overview of the socio – humanitarian situation on the territory of Donetsk People’s Republic as a consequence of military action from 17 to 23 January 2015” )

Guerra assimétrica: queda dos preços do petróleo

Manter em mente que a economia russa já foi abalada pelas sanções económicas, pela manipulação do preço do petróleo e por um ataque vicioso ao rublo. Até esta semana, os media de referência afastavam a ideia de que os sauditas estivessem deliberadamente a deitar abaixo os preços do petróleo a fim de ferir a Rússia. Eles diziam que os sauditas estavam simplesmente a tentar reter “fatia de mercado” mantendo os níveis de produção actuais e deixando os preços caírem naturalmente. Mas isto eram tudo asneiradas como o New York Times admitiu finalmente na quinta-feira num artigo intitulado: “Saudi Oil Is Seen as Lever to Pry Russian Support From Syria’s Assad”. Aqui está um recorte do artigo:

“A Arábia Saudita tem estado a tentar pressionar o Presidente Vladimir V. Putin da Rússia a abandonar seu apoio ao Presidente Bashar al-Assad da Síria, utilizando a sua dominância dos mercados globais de petróleo num momento em que o governo russo está a cambalear devido aos efeitos da queda livre nos preços…

Responsáveis sauditas disseram – e contaram aos Estados Unidos – que pensam ter alguma influência sobre o sr. Putin devido à sua capacidade para reduzir a oferta de petróleo e possivelmente aumentos de preços… Qualquer enfraquecimento do apoio russo ao sr. Assad podia ser um dos primeiros sinais de que o recente tumulto no mercado petrolífero está a ter um impacto sobre a política global…

A influência da Arábia Saudita depende de quão seriamente Moscou encara o seu declínio de receitas petrolíferas. “Se eles estiverem sofrendo tanto de modo a precisarem do acordo petrolífero no imediato, os sauditas estão em boa posição para fazê-los pagar um preço geopolítico”, disse F. Gregory Gause III, especialista em Médio Oriente da Texas A&M’s Bush School of Government and Public Service ( “Saudi Oil Is Seen as Lever to Pry Russian Support From Syria’s Assad” , New York Times )

“Os sauditas pensam que têm alguma influência sobre o sr. Putin devido à sua capacidade para manipular preços”

Isto diz tudo, não é?

O interessante neste artigo é o modo como entra em conflito com peças anteriores no Times. Exemplo: apenas duas semanas atrás, num artigo intitulado “Quem dominará o mercado petrolífero?” o autor deixou de ver qualquer motivo político por trás da actuação saudita. Segundo a narrativa, os sauditas estavam apenas temerosos de que “perderiam uma fatia de mercado permanentemente” se cortassem a produção e mantivessem preços elevados. Agora o Times fez uma guinada de 180º e aderiu aos chamados malucos da conspiração que diziam que os preços eram manipulados por razões políticas. De facto, o afundamento súbito do preço nada tem a ver com pressões deflacionárias, dinâmicas de oferta-procura ou qualquer outra superstição de forças de mercado. Foi 100 por cento político.

O ataque ao rublo também foi politicamente motivado, embora os pormenores sejam muito mais incompletos. Há uma entrevista interessante com Alistair Crooke que vale a pena ler para aqueles que estão curiosos acerca de como a “dominância de pleno espectro” (“full spectrum dominance”) do Pentágono se aplica à guerra financeira. Segundo Crooke:

“… com a Ucrânia, entrámos numa nova era. Temos um substancial conflito geoestratégico a verificar-se, mas ele é efectivamente uma guerra geo-financeira entre os EUA e a Rússia. Temos o colapso nos preços do petróleo; temos as guerras de divisas; temos o “shorting” forçado – selling short – do rublo. Temos uma guerra geo-financeira e o que estamos a assistir como consequência desta guerra geo-financeira é que em primeiro lugar ela provocou uma estreita aliança entre a Rússia e a China.

A China entende que a Rússia constitui o primeiro dominó; se a Rússia cair, a China será o seguinte. Estes dois estados estão a mover-se em conjunto para criar um sistema financeiro paralelo, desembaraçado do sistema financeiro ocidental. …

Durante algum tempo a ordem internacional estava estruturada em torno das Nações Unidas e do corpo do direito internacional, mas cada vez mais o Ocidente tem tendido a ultrapassar a ONU como instituição destinada a manter a ordem internacional e, ao invés, a confiar em sanções económicas para pressionar alguns países. Temos um sistema financeiro baseado no dólar e, embora instrumentalizando a posição da América como controladora de todas as transacções em dólar, os EUA foram capazes de ultrapassar as velhas ferramentas da diplomacia e da ONU – a fim de promover seus objectivos.

Mas, cada vez mais, este monopólio sobre a divisa de reserva tornou-se a ferramenta unilateral dos Estados Unidos – afastando a acção multilateral na ONU. Os EUA afirmam sua jurisdição sobre qualquer transacção denominada em dólar que se verifique em qualquer parte do mundo. E a maior parte das transacções de negócios e comerciais no mundo são denominadas em dólares. Isto essencialmente constitui a financiarização da ordem global. A Ordem Internacional depende mais do controle do Tesouro e do Federal Reserve dos EUA do que da ONU como antes”. ( “Turkey might become hostage to ISIL just like Pakistan did” , Today’s Zaman)

Guerra financeira, guerra assimétrica, guerra de Quarta Geração, guerra no espaço, guerra da informação, guerra nuclear, guerra de laser, química e biológica. Os EUA expandiram seu arsenal bem além do conjunto tradicional de armamento convencional. O objectivo, naturalmente, é preservar a ordem mundial pós 1991 (A dissolução da União Soviética) e manter a dominância de pleno espectro. A emergência de uma ordem mundial multipolar encabeçada por Moscou coloca a maior ameaça única aos planos de Washington pela dominação contínua. O primeiro choque significativo entre estas duas visões de mundo competidoras provavelmente terá lugar em algum momento neste Verão no Leste da Ucrânia. Deus nos ajude!

Nota: As Forças Armadas da Novorússia (FAN) actualmente mantém cercados 8.000 soldados regulares em Debaltsevo, no Leste da Ucrânia. Isto é algo muito grande embora os media tenham estado (como era de prever) a afastar a notícia das manchetes.

Foram abertos corredores de evacuação para permitir a civis deixarem a área. O combate pode estalar a qualquer momento. Actualmente, aparentemente, um boa parte do exército nazi de Kiev poderia ser destruído numa só tacada. Eis porque Merkel e Hollande fizeram um voo de emergência para Moscou a fim de conversar com Putin. Eles não estão interessados na paz. Eles simplesmente querem salvar o seu exército proxy da aniquilação.

Espero que Putin possa intervir em prol dos soldados ucranianos, mas penso que o comandante Zakharchenko resistirá. Se ele deixar estas tropas irem embora agora, que garantia tem ele de que elas não voltarão daqui a um mês ou pouco mais ou menos com armamento de alto poder fornecido pelo nosso Congresso belicista e pela Casa Branca?

Contem-me: que opções Zakharchenko realmente tem? Se os seus camaradas forem mortos em futuro combate porque ele deixou o exército de Kiev escapar, quem pode ele culpar senão a si próprio?

Não há boas opções.

Verifique actualizações aqui: Ukraine SITREP: *Extremely* dangerous situation in Debaltsevo

06/Fevereiro/2015

*fergiewhitney@msn.com

O original encontra-se em www.counterpunch.org/2015/02/06/the-fallujah-option-for-east-ukraine/

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ucrania/whitney_06fev15.html

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