Chile: reformas no altar

Resumen Latinoamericano/Waldemar Sarli, 20 de fevereiro de 2015 – O governo da Nova Maioria colocou as reformas em um altar. 25 anos depois da queda de Augusto Pinochet, o Chile continua sendo governado por leis herdadas da última ditadura, o que não faz com que, automaticamente, qualquer modificação à legislação vigente converta o governo em revolucionário e nem sequer em progressista (no bom sentido da palavra).

Fazer da “reforma” em abstrato o eixo de um governo, sem contextualizar para que servem tais reformas ou a que setor da sociedade vão beneficiar, é uma ferramenta de confusão e manipulação que pode dar lugar à crença de que um governo é o que não é.

Michelle Bachelet assumiu a presidência com as bandeiras das reformas educativa, trabalhista e do sistema eleitoral. Em princípio, reformar estes três pilares assumindo como próprias as bandeiras do movimento popular, pode incentivar a que setores importantes vejam no governo o sepultamento da herança pinochetista.

Porém, pouco a pouco, a cortina foi caindo e a luz começou a ser vista. Seis meses após de assumida a presidência, se iniciou o tão esperado debate em torno da reforma educativa. Os três projetos apresentados pelo governo mostraram-se limitados por demais. Enquanto aparentemente mostravam que iam terminar com o lucro, a seleção e o copagamento (sistema de financiamento dos colégios onde o Estado coloca uma parte e as famílias outra), na verdade abriam as portas ao lucro clandestino. Nesta discussão central, os estudantes e seus órgãos de representação não foram considerados na hora do debate. Sim, foram tomados como um ator a mais para ser consultado, porém não foi dado o papel central que deveriam receber na hora de planejar uma lei que os afeta diretamente e pela qual mobilizaram mais de quatrocentas mil pessoas.

Este debate ainda não se encerrou, porém segue o mesmo caminho: beneficiar sempre os mesmos sem tornar realidade as bandeiras do movimento estudantil, que demanda a instauração de uma educação gratuita, pública e de qualidade.

Porém, nem tudo no Chile gira em torno da reforma estudantil. Embora tenha sido a que obteve maior difusão midiática, não é a única reforma pela qual luta o país de Salvador Allende. Nos últimos meses, o governo promoveu uma reforma da atual legislação trabalhista. Porém, assim como com a reforma educativa, o projeto parece ficar no meio do caminho. O projeto não estabelece um direito real à greve, deixa fora a negociação por ramo (que significaria um grande avanço para destruir o legado de Sebastián Piñera), não se observam avanços na segurança trabalhista nem em colocar fim à precariedade nos locais de trabalho. Tudo isto sem falar da precarização laboral produto do subcontrato e da chamada “flexibilização do trabalho”.

Algo já mais técnico e menos transparente é a recente reforma ao sistema eleitoral chileno, o chamado “fim ao binômio”. Binômio quer dizer que aquela força política com um terço do apoio eleitoral, tem direito a ocupar a metade das cadeiras do Parlamento. Porém, com o fim do binômio, não é tudo um mar de rosas. Por trás do formoso quadro democrático, se permanece priorizando o financiamento para os partidos políticos com representação legislativa. Aos independentes não é permitida a formação de alianças, que apenas podem ser feitas pelos partidos já constituídos. Só é permitido formar alianças com um número maior de candidatos aos cargos a serem eleitos. Não se limitou a reeleição eterna nem tampouco se confirmou a obrigação de residência efetiva para aqueles que se postulam nos distintos territórios.

Esta breve revisão pelas principais iniciativas reformistas do novo governo de Bachelet, não faz mais que deixar claro que a Nova Maioria não veio completar o que Allende não pode. Muito pelo contrário. Todas as reformas propostas mostram a quem responde cada uma.

Que a educação é um negócio e não um direito, não é novidade. Que o trabalho precarizado é uma arma do sistema para aumentar seus tesouros e empobrecer os trabalhadores também não é notícia nova. E que o Parlamento é a cozinha onde condimentam o povo para que cheire bem para, depois, mandá-lo ao povo tampouco.

Quando o governo se encontra frente a uma bifurcação no caminho, sempre escolhe a mesma opção, a da direita, a dos empresários, a dos monopolistas. Porém, de tudo isto não pode afugentar a culpa dos chamados “enclaves autoritários” que o pinochetismo deixou de legado. Claro que é uma mochila pesada, porém no governo ainda continua vigente (e com muita força) a velha Concertación [acordo]. O Partido Comunista ingressou à Nova Maioria acreditando que ia poder conduzi-la, dobrando sua tradição e guiando-a para uma real democratização e para o povo. Porém, por diferentes motivos, isto não aconteceu, seja por decisão política ou por falta de força própria na batalha interna contra as forças reacionárias. Assim, com uma das mais tradicionais e grandes forças da esquerda chilena em sua coalizão e em conjunto com os partidos tradicionais dentro dela, o governo soube operar fazendo-lhes ver que sua política de reformas está em consonância com as lutas do povo. Ao sentar-se à mesa de negociação com grandes empresários, mostra como suas reformas, que aparentemente são renovadoras, conseguem reorganizar o sistema político para continuar beneficiando os mesmos, sempre.

Esta soma de exemplos, mais a situação do povo mapuche, assediado por megaempresas mineradoras que contaminam sua terra e tiram populações inteiras de suas terras ancestrais, são simples exemplos daqueles que estão governando a nação transandina.

A histórica relação carnal do Chile com os Estados Unidos e seu papel na Aliança do Pacífico, nos faz ver como o império norte-americano já não precisa necessariamente de forças armadas para controlar seu quintal. E o Chile é um exemplo claro. Enquanto se apresenta ante o mundo como uma nação avançada, com grande projeção econômica, com estáveis instituições democráticas e uma política progressista, deixa vislumbrar que nem tudo é o que parece. O contraste entre ricos e pobres, o abismo econômico não desaparece, os empresários neoliberais continuam em pé de guerra, poucos jovens possuem acesso à educação pelos altíssimos custos que esta implica, os povos originários continuam relegados de toda participação e não cessa a repressão contra eles. Por isso, “é um desafio das forças políticas, democráticas e transformadoras do país o poder empurrar esta estratégia junto a outras organizações políticas e sociais para conseguir que as reformas ao modelo neoliberal sejam verdadeiros avanços, conquistas de direitos sociais que permitam cimentar uma mudança profunda na sociedade chilena, abrindo uma fenda no neoliberalismo e projetar uma luta maior em perspectiva nacional e continental pelo socialismo. Desmantelar e terminar com o modelo herdado da ditadura será um processo longo do povo chileno, porém que acreditamos triunfará já que tem as clarezas políticas e os instrumentos necessários, além da experiência para superar os desafios que virão”(1).

Notas:

1- Entrevista realizada com Francisco Sainz, militante da Frente de Estudantes Libertários, Outubro de 2014.

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2015/02/20/chile-las-reformas-al-altar/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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