Na Grécia, Syriza abre cenário de polêmicas e interrogações

Na Grécia, o entusiasmo da empolgante vitória eleitoral do partido Syriza durou apenas três dias, durante os quais Alexis Tsipras e seu braço direito, Yanis Varoufakis, o novo Ministro das Finanças, continuaram a recitar o copião do populismo eleitoreiro, repetindo nos palanques a célebre frase “….Nunca nós iremos nos rebaixar aos homens da Troika e nunca mais seus ditames voltarão em Athenas…”.

Durante três anos, isto é, do momento em que a Coalizão de Esquerda “Syriza” se transformou em partido, Alexis Tsipras alimentou sabiamente a esperança na maioria dos gregos que, repetitivamente, votaram nele e nos deputados do Syriza, acreditando nas palavras de ordem das campanhas eleitorais, que eram claras, diretas, tal como o programa que não apresentava dúvidas, concluindo com a celebre frase: “…nunca iremos baixar a cabeça, nunca iremos aceitar a continuação dos programas de austeridade.…”. Lindas palavras, que fizeram chorar de felicidade os gregos, tanto que, nos dias que antecederam as eleições, o que mais se escutava nas ruas era o jingle da campanha eleitoral do Syriza, “…Afinal chegou a hora de uma mudança…”. Um refrão que as rádios haviam transformado em um segundo hino nacional e que recebeu a solidariedade dos partidos da esquerda do mundo inteiro.

Syriza bicéfalo?

Hoje, devemos reconhecer que o marketing eleitoral do Syriza foi mais que ótimo. Em particular, a performance do seu líder, Alexis Tsipras, foi nota dez, do momento que soube persuadir a maioria dos gregos de que o novo governo iria batalhar intensamente em Bruxelas, na mesa de negociações, para dobrar os tecnocratas da BCE.

Excluindo poucos comentaristas – entre os quais o próprio –, todos acreditaram nas promessas de Tsipras, inclusive porque o New York Times, uma semana antes das eleições, sentenciou: “…Alexis Tsipras é o Hugo Chávez helênico, capaz de tirar a Grécia da União Europeia e romper com o Euro...”.

Um equívoco político gigantesco, que a “grande mídia” criou propositalmente, para fazer explodir o sentimento de alarmismo já existente nos países da União Europeia, à causa das ameaças dos jihadistas do IS, do caos na Líbia e da guerra na Ucrânia. Um equívoco no qual tropeçou todo mundo, de Atílio Boron a Noam Chomsky, de Tony Negri a Naomi Klein.

Mas foi na Itália que esse equívoco atingiu o nível máximo, porque, nesse país, Paolo Ferrero, líder do PRC (Partido para a Refundação Comunista), já nas eleições europeias de maio de 2014, havia tentado a carta do marketing eleitoral do Syriza, trocando o nome e o emblema do PRC para o slogan “Lista Tsipras”. Uma opção que provocou a perda de quase 3% de sufrágios, do momento que nem todos os eleitores da esquerda sabiam quem era Alexis Tsipras e porque o partido havia renunciado a sua identidade comunista!

Porém, apesar do deslavado resultado eleitoral, na esquerda italiana continuou forte a convicção de que o Syriza era “a essência da nova esquerda do século XXI”, tanto que Nick Vendola, líder do SEL (Socialismo, Ecologia e Liberdade) – uma espécie de PSOL, mas muito mais parlamentar e reformista -, logo após a vitória eleitoral de Syriza, declarou: “…Alexis Tsipras, líder de Syriza, prentende libertar os grupos da esquerda das auréolas da ortodoxia e dos vestígios do extremismo. De fato, ontem, Tsipras esteve com o presidente do Parlamento Europeu e do PSE (Partido Socialista Europeu), Martin Schultz, depois deverá se encontrar com Matteo Renzi, e isso significa que ele quer fazer política…. Depois da afirmação do Syriza, acredito que precisamos olhar com muita atenção o que vai acontecer nas famílias da esquerda política europeia, visto que os partidos ortodoxos, ou seja, os partidinhos comunistas, podem abandonar o GUE/NGL (grupo parlamentar da esquerda europeia), tal como fizeram os dois deputados europeus do KKE em junho do ano passado…”.

Declarações de mero oportunismo político, que pretendem mascarar e, sobretudo, esconder aos militantes da esquerda o conluio no Parlamento Europeu com os deputados europeus da socialdemocracia alemã. Um casamento ilícito, que provocou a saída do KKE (Partido Comunista da Grécia) do GUE/NGL (Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica), porque, segundo o secretário do KKE, Dimitris Koutsoumpas: “…o novo posicionamento político e a pressão hegemônica do Syriza e dos alemães do Die Linke (partido “A Esquerda”) no âmbito do GUE, em favor de um maior relacionamento com os socialdemocratas do PSE (Partido do Socialismo Europeu), na realidade acabou por desnaturar a natureza política confederativa do GUE que, originariamente, visava preservar a identidade da esquerda europeia…”.

Alinhamento com a socialdemocracia?

Em Bruxelas, as negociações entre o Syriza, o BCE e a União Europeia duraram dez dias. Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis foram os únicos representantes do Syriza, visto que, na delegação do governo grego, não havia nenhum membro da chamada “Plataforma de Esquerda”, a minoria de esquerda do Syriza. Por sua parte, a Troika era representada por Jeroen Dijsselbloem, presidente do Euro-grupo, Wolfang Scauble, ministro das Finanças da Alemanha, e Mario Draghi, presidente do BCE, todos em contato direto com a presidente do FMI, Christine Lagarde, e a primeira-ministra da Alemanha, Ângela Merkel.

Foi nessa fase que a verdadeira essência política e ideológica dos antigos “eurocomunistas” gregos, Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis, se manifestou claramente. Aliás, foi com base à lógica de um pretenso “compromisso histórico em moldes europeus” que Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis assinaram um acordo que, por um lado, é a negação do Programa de Salonico de 14 de Setembro de 2014 e, por outro, é uma reedição melhorada do antigo Memorando que o governo de Samaras assinou com a Troika (FMI, EU e BCE) em julho de 2012.

A imprensa europeia e, em particular, os jornais e as televisões da Alemanha exaltaram “o realismo político de Alexis Tsipras”, para poder estraçalhar até o fim as tendências da esquerda do Syryza (Plataforma de Esquerda e Tendência Comunista). Entretanto, é necessário sublinhar que o verdadeiro objetivo estratégico dos tecnocratas da União Europeia era manter a Grécia atrelada ao Euro, estritamente monitorada com os programas de austeridade do BCE.

Desta forma, era evidente que o novo governo grego perderia toda sua vitalidade política, deixando de ser um reiterado exemplo de resistência na Europa. Consequentemente, o “realismo político” de Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis possibilitaria evitar hipotéticas fraturas no Euro-grupo, visto que o alinhamento do Syriza com as posições conciliadoras da socialdemocracia alemã abafaria as contradições políticas na Espanha, em Portugal, na Itália e na própria França. De fato, é necessário lembrar que, nesses países, o desemprego e a espiral recessiva chegaram aos níveis máximos à causa dos programas de austeridade e das regras financeiras europeias fixadas aos 12 de março de 2012, com o Tratado Europeu sobre Estabilidade, Coordenação e Governança. Regras que, no lugar de ajudar, deprimiram ainda mais as economias da Itália, Espanha, Portugal e França, com a introdução do Fiscal Compact e a obrigação de manter a relação entre déficit orçamentário e PIB em no máximo 3%.

Na realidade, o cerne da situação grega é de natureza política, visto que o argumento do reescalonamento da dívida ou o agendamento de novos empréstimos para realizar intervenções de caráter meramente assistenciais são elementos técnicos que podem ser enquadrados, a qualquer hora, nos diferentes programas “Salva-Estados”, que o BCE guarda nos seus cofres como uma mera reserva financeira de última hora. Portanto, o elemento político determinante da questão grega era impedir que o Syriza radicalizasse o programa político de esquerda para a salvação da nação grega e que o apoio popular recebido por sua contraposição aos ditados de Ângela Merkel e de Christine Lagarde não se tornasse um exemplo vitorioso, sobretudo na Espanha e na Itália, onde existem forças políticas em ascensão que apostam na possibilidade de construir uma real alternativa ao fiscal compact da União Europeia e à lógica neoliberal dos conglomerados financeiros alemães e franceses.

Um contexto que também evidenciou a ausência de uma base ideológica e de um preparo político por parte do grupo majoritário do Syriza – politicamente chefiado por Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis -, necessários para sustentar o confronto político com os tecnocratas da União Europeia e, também, com a primeira-ministra da Alemanha, Ângela Merkel, cujo governo é sustentado pelos socialdemocratas com a chamada “Grande Coalizão”. Elementos que ficaram evidentes quando Alexis Tsipras convocou ao governo o partido da direita nacionalista ANEL, para depois empossar na presidência da República Procopios Pavlopoulos (historicamente ligado ao partido de direita Nova Democracia), no lugar de Manolis Glezos, herói da resistência ao nazi-fascismo e atual deputado europeu do Syriza.

Todas essas opções prognosticavam o alinhamento com as posições conciliadoras da socialdemocracia alemã; de fato não foi por mera simpatia que o socialdemocrata Martin Schultz, presidente do Parlamento Europeu e do PSE, dois dias depois da vitória eleitoral do Syriza, já estava em Athenas para se reunir com Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis!

Por dentro do Syriza

O ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schaeuble, porta-voz da ala mais conservadora da CDU, após o enquadramento do governo grego, com ar de vencedor, declarou …os parlamentares do Bundestang, em larga maioria, ratificaram o acordo entre a União Europeia e o novo governo da Grécia, configurando a extensão da ajuda financeira por mais quatro meses, sendo que a mesma será condicionada à realização das reformas econômicas com as quais o governo grego se comprometeu em realizar. Por isso, o montante de 11 bilhões de euros não ficará no National Bank of Grece, mas nos cofres do Fundo Europeu (EFSF) gerenciado pelo Banco Central Europeu…”.

É evidente que um acordo desse tipo desmascarou por completo as contradições entre a estratégia política do Syriza, adversa aos programas de austeridade da Troika e ao progressivo endividamento de quase 153 bilhões de Euros, em grande parte utilizados para saldar as dívidas com os bancos europeus (alemães, franceses e italianos) e para o refinanciamento dos bancos gregos, e o marketing eleitoral de Alexis Tsipras, que, no último comício realizado em Athenas, aos 25 de janeiro, diante de quase cem mil pessoas, disse: “… Depois de termos ganho essas eleições, o pessoal da Troika nunca mais pisará o chão de Athenas!!!”.

Se Alexis Tsipras e seu braço direito, Yanis Varoufakis, tivessem logo declarado que nunca iriam romper com o Euro-grupo, mas que pretendiam, apenas, melhorar as duras condições do endividamento, realizando os programas de privatização identificados pelos técnicos do FMI, certamente muitos eleitores teriam votado nos comunistas do KKE, que sempre se manifestaram contra a União Europeia e a OTAN. Por outro lado, se Alexis Tsipras tivesse revelado que o aumento do salário mínimo de 450 para 750 euros não seria imediato, mas gradual e, talvez, a partir de setembro de 2015, em base ao conjunto dos novos recursos financeiros, é evidente que o Syriza nunca teria ganho as eleições, e talvez nunca existiria como Partido da Esquerda Radical.

Uma consideração que reflete a análise sobre o complexo processo de transformação do Syriza em partido. De fato, em 2004, a coalizão de movimentosSynaspismós foi transformada em partido, com um programa de esquerda totalmente diferente da lógica social-democrática do PSE (Partido da Esquerda Europeia), de que, hoje, Alexis Tsipras e seu braço direito, Yanis Varoufakis, são ferventes discípulos.

Um contexto que o acadêmico marxista esloveno, Slavoj Zizek, enfocou perfeitamente em outubro de 2013 no Subversive Festival de Zagabria, sublinhando: “…a situação da Grécia e, portanto, o surgimento do Syriza nos obriga a questionar as chamadas alianças inteligentes, do momento que deveremos viver ainda várias décadas no capitalismo, isto é, com a chamada burguesia progressista ou patriótica que, de fato, tem interesse em produzir….Hoje, no capitalismo, há coisas que funcionam, como, por exemplo, a competição. Por isso o Syriza, atuando no âmbito da redistribuição global da economia, deveria tornar a vida mais simples para os capitalistas que produzem. Este seria o verdadeiro triunfo do Syriza, no sentido de que, além de apoiar os trabalhadores, seria capaz de resolver os problemas dos capitalistas. Aliás, acredito que, hoje, um capitalista honesto deveria votar para o Syriza!!!”.

Um argumento que não escapou a Paolo Ferrero, líder do PRC italiano (Rifondazione Comunista) e fiel discípulo de Fausto Bertinotti, teórico do socialismo democrático, mas também adjetivado “…o fomentador do anticomunismo do século XXI…”. Desde 2014, Ferrero utiliza o exemplo das vitórias eleitorais do Syriza para reformular ideologicamente o PRC italiano, com vista a lhe tirar o “estigma de comunista” e, assim, poder abocanhar consensos no eleitorado e voltar ao Parlamento. De fato, para os órfãos do “compromisso histórico” do PCI de Berlinguer, as vitórias eleitorais e o crescimento político do Syriza se tornaram o elemento fundamental para impor o chamado “socialismo democrático”, que é uma mera forma de convivência pacífica com o capitalismo. Um contexto que, hoje, após a assinatura do acordo com a União Europeia, os grupos majoritários que controlam o partido Syriza, os eurocomunistas do grupo AKOA, os socialdemocratas e os ambientalistas do Synaspismós e os nacionalistas de esquerda (DIKKI), não escondem mais.

Entretanto, o pretenso “controle político” do Comitê Central do Syriza e, portanto, o “controle social das massas” podem fugir das mãos de Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis, do momento em que os grupos minoritários de esquerda se rebelaram na última reunião do Comitê Central do Syriza, quando 5 deputados não votaram o acordo que Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis assinaram com a União Europeia, e outros 30 se recusaram a votar. Enquanto isso, as pequenas organizações da esquerda associadas ao Syriza, nomeadamente os trotskistas de Xekinima, Κόκκινο e DEA, os maoístas do KOE, os revolucionários do KEDA, os grupos feministas, os ambientalistas e os eco-socialistas, já iniciaram protestos publicamente contra a assinatura do acordo com a União Europeia.

Consequentemente, o complexo sistema de alianças e de compromissos políticos que rege o partido Syriza começou a vacilar, quando Statis Kuvelakis, um dos teóricos do partido, Dimitris Stratouli, ministro do Bem Estar Social, Panaghiotis Lafazanis, ministro do Desenvolvimento Econômico, Ambiental e da Energia, a presidente da Câmara dos Deputados, Zoe Konstantopoulou, e o mítico Manolis Glezos, herói nacional da resistência ao nazi-fascismo e hoje deputado europeu, manifestaram seu aberto dissenso com Alexis Tsipras, reforçando, assim, o grupo de opositores de esquerda, reunidos na chamada “Plataforma de Esquerda”. Aliás, Manolis Glezos fez mais, ao publicar um editorial onde, textualmente, escreveu “ …Peço desculpa aos gregos por ter apostado em uma ilusão. Eu me dissocio das opções econômicas assumidas pelo novo chefe do governo, Alexis Tsipras, visto que tentaram usar uma nova terminologia para melhorar o Memorando da Troika, sem que isso possa mudar em nada a situação da Grécia…. Por isso peço desculpa ao povo grego por ter participado dessa ilusão!!!”.

É evidente que esse contexto vai transformar o Syriza em um grande caldeirão de ideias, reivindicações, cooptações, alianças, programas de lutas, e que, certamente, deverá estourar daqui a quatro meses, quando a Comissão da União Europeia, o BCE e o governo alemão devem averiguar a realização dos programas de austeridade e o cumprimento das “reformas”, com as quais o governo deverá reduzir o emprego, privatizar por completo o sistema portuário do Pireo e todas as empresas públicas, em particular as que distribuem a eletricidade e a água.

Um período que será extremamente positivo para o KKE (Partido Comunista da Grécia) e a frente sindical PAME, que hoje são os verdadeiros opositores, ideológicos e políticos, ao governo de Alex Tsipras.

Por isso, o secretário do KKE, Dimitris Koutsoumpas, declarou: “…O que podemos esperar de um governo que legitima uma dívida que não foi criada para beneficiar o povo, mas apenas os bancos? Podemos contar com um governo que reduz seu orçamento para encontrar dinheiro para os grupos empresariais e que não se preocupou de impedir a fuga de 20 bilhões de euros dos bancos da Grécia? Por qual motivo deveríamos apoiar um governo que, com muita fadiga, vai conseguir poder garantir uma estável permanência na União Europeia, mantendo inalteradas todas as condições que destruíram a economia da Grécia? As poucas coisas feitas em favor do povo, tais como os cupons para dar um prato de sopa aos mais pobres, por exemplo, perdem seu valor humanitário diante das garantias que Alexis Tsipras deu à União Europeia, aos banqueiros, aos operadores da City e, sobretudo, à Confederação dos Empresários Gregos. Afinal, o que podemos esperar de um governo que se diz de esquerda, mas, na realidade, deixou inalterado o poderio dos grandes empresários gregos e das multinacionais?”.

Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália, editor do programa TV “Quadrante Informativo” e colunista do “Correio da Cidadania”

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