‘Honduras é um narco-Estado de capitais norte-americanos’

imagemAndrés Figueroa Cornejo

Adital

“Tal vez si fuera rico, mi verso -caracol humano- / no sería esta recia repercusión de pueblos / enloquecidos de hambre”

Jacobo Cárcamo, poeta hondureño

Três horas mais cedo está Honduras em relação ao Chile. Distintas formas nacionais da tirania do capital nos separam e nos reúnem. A partir do planeta mais próximo ou do olho irmão, somos o mesmo povo, que se faz e desfaz para encontrar a si mesmo. Similar inimigo, igual a pele e a palavra.

Gilberto Ríos Munguía, hondurenho e lutador político rebelde, seus companheiros chamam de “O Grilo”. E, atualmente, “O Grilo” é o coordenador das Esquerdas Socialistas, que fazem parte da Direção da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) e do Partido Liberdade e Refundação (Libre). As Esquerdas Socialistas do país centro-americano são socialistas no sentido de um projeto político cujo horizonte de sentido é o fim da sociedade de classes e não a acomodação na sociedade de classes.

“Orientamos lutas no interior da FNRP () e somos a voz de esquerda dentro do Partido Libre ().A FNRP é a expressão de massas contra a ditadura legalizada (conduzida, formalmente, pelo presidente Juan Orlando Hernández) e o Libre é seu instrumento político-eleitoral.”

Até o fimde abril de 2015, o que ocorre em Honduras?

“Em geral, o povo hondurenho sofre a continuação do golpe de Estado de 2009 (), quando a FNRP e todas as forças de oposição democrática decidiram não participar das eleições que estavam militarizadas e foram fraudulentas.Esse episódio levou Porfirio Lobo Sosa (Partido Nacional) à liderança do Executivo. Aproveitando o impulso da ditadura, Lobo intensificou as políticas liberais em matéria econômica, ao ponto de colocar à venda o território hondurenho, processo que ainda está em curso. As condições de vida para a imensa maioria da população foram piorando. Em 2013, foi arrebatado o triunfo provado da candidata presidencial do Libre, Xiomara Castro.”

“Na tomada de assalto do Estado pelas corporações e pelo capital financeiro.Quanto à pobreza, ainda quando se propõem como cifras conservadoras, aqui temos 72% de pobres, ou seja, mais de sete em cada 10 hondurenhos/as. E existe 53% miséria absoluta de toda a população. Quando se diz pobreza, se fala de toda pessoa cuja renda não consegue cobrir uma cesta básica de alimentos que,segundo o Banco Central do país, custa entre 400 e 500 dólares mensais. Mas o próprio salário mínimo está entre 200 e 250 dólares, e nem sequer 30% das empresas que ‘melhor’ remuneram pagam o mínimo! E quando se fala de miséria, se incluem as pessoas que não só não têm as rendas elementares para comer, mas que ademais carecem de teto e de cobertura dos serviços e direitos elementares em todos os âmbitos. Os que pior sobrevivem são as pessoas do campo: o setor mais numeroso e abandonado pelo regime atual.

Por outro lado, das 10 famílias que constituíam, até muito pouco tempo, a oligarquia do país, que controla mais de 90% da economia (ao redor de 2.050 empresas estratégicas), agora, foram reduzidas a cinco famílias donas das 918 firmas chave de Honduras. Estamos frente a uma concentração intensa da riqueza.”

“Honduras funciona como o ‘porta-aviões continental’ norte-americano contra os processos de libertação caribenhos”

“No país, tem se agravado a campanha gringa da chamada ‘luta contra o narcotráfico’, que, na realidade, é a melhor justificativa para incrementar a presença de suas bases militares em nosso território.

Agora, contamos com três bases militares norte-americanas e na semana passada chegaram Fuzileiros Navais ianques. Este movimento nós avaliamos como uma afronta à Nicarágua e como parte do roteiro imperialista contra a Venezuela. Se houvesse uma invasão norte-americana contra o povo e o solo bolivariano, a contenção da Nicarágua sairía de Honduras.”

Trata-se do papel geopolítico que os EUA reservaram, históricamente, a Honduras na América Central…

“Em efeito. Honduras funciona como o ‘porta-aviões continental’ norte-americano contra os processos de libertação caribenhos, desde o golpe de Estado contra Jacobo Árbenz, na Guatemala, em 1954 (); também em 1965 tropas norte-americanas saíram de Honduras para derrocar Juan Bosch, na República Dominicana (.Também tropas hondurenhas amordaçaram o Exército Popular de Libertação Nacional da Frente Farabundo Martí salvadorenha; e houve tropas da contrarrevolução nicaraguense em território nacional, em especial provenientes da base aérea Palmerola (), para atacar o Exército Sandinista de Libertação Nacional.”

“Em meu país, são cometidos 23 assassinatos diários.Mais de 90 crimes para cada 100 mil habitantes, a taxa mais alta do planeta. Mais que a do Iraque, Líbia, Paquistão ou Síria. Aqui, quase se normalizou a violência. Por sua parte, o governo realiza uma forte campanha com a finalidade de fazer crer que estão se efetuando ações tendentes a diminuir a taxa de assassinatos, mas não é certo. Lamentavelmente, também foi perdida a capacidade institucional de provar as estatísticas porque tudo está nas mãos do regime. Nesse sentido, os meios de comunicação alternativos têm um valor essencial na informação dos assassinatos. Honduras conta com a cidade mais violenta do mundo, San Pedro de Sula, devido à dinamização da indústria do narcotráfico. Honduras é um narco-Estado. O que ocorre é que essa expressão é enganosa porque parece que as forças do narcotráfico estão por trás de tudo, quando, na verdade, se trata de capitais norte-americanos. É o que ocorreu com a multiplicação do cultivo de papoulas após a invasão ianque no Afeganistão (mais de 4000%). O exército norte-americano é um organizador do narcotráfico em várias zonas do globo. Como na Colômbia e no México, em Honduras, os militares estadunidenses são os garantidores do aperfeiçoamento do fluxo do narcotráfico.”

Quais são os objetivos hierarquizados da resistência hondurenha?

“Nossa primeira grande tarefa é alcançar um processo de libertação nacional.E sob essa estratégia propomos um projeto que congrega um amplo espectro político e social. Inclusive, apelamos para certa burguesia patriota, que, devido à nossa condição de neocolônia norte-americana, o capital norte-americano não favorece. Não se trata de que sejamos nacional-desenvolvimentistas nem nada disso. As condições da nossa luta nos impõem a priorização dos inimigos.”

“Como em outros processos fascistóides, são as burguesias financeiras que tomaram o poder em Honduras.E aqui o capital financeiro tem um vínculo necessário com o narcotráfico. A quantidade de dinheiro que reporta dos ganhos anuais é exorbitante. O sistema financiero empresta à população a uma taxa de 36%, praticamente proibitiva para as grandes maiorias. É a legalização da usura. Seus lucros chegam a bilhões de dólares anuais e não investem nada no país. Ademais, muito desse capital permanece depositado em bancos de Miami. Agora por último têm sido construídas diversas alianças denominadas ‘público-privadas’, que são entidades financeiras que usam o Estado diretamente para multiplicar seus benefícios privados. Se chegou ao cúmulo de que, hoje, se debate a possibilidade de que a instituição que cobra os impostos em Honduras seja privatizada.”

Qual é a situação atual da Frente Nacional de Resistência Popular?

“Devo reconhecer que os efeitos da último fraude eleitoral comportaram um forte golpe ao estado de ânimo do nosso povo.momento, nós concentramos todas as forças da FNRP na luta eleitoral. Ali sofremos uma inflexão negativa que resultou em uma desmobilização do protesto de rua. Também, por seu lado, o regime se esmerou em desestruturar toda a luta sindical. Fecharam sindicatos, assassinaram dirigentes sindicais e continuam fazendo isso. No último dia 08 de abril, desapareceu o dirigente dos trabalhadores da Universidade Nacional Autônoma de Honduras, Donatilo Jiménez (). Sujeitos armados o tiraram da própria universidade e as autoridades da entidade não se pronunciaram. Esta é a forma que o regime adotou para amedrontar o povo: atacar os setores organizados.

E quais são os movimentos da ditadura no campo político-institucional?

“No recente dia 23 de abril, a Corte Suprema de Justiça admitiu os recursos de amparo para que a reeleição presidencial seja discutida.No dia seguinte, todas as manchetes da imprensa informaram que no país já é permitida a reeleição. Isso significa um eventual novo período do atual presidente Juan Orlando Hernández (verdadeiro embaixador do imperialismo norte-americano em Honduras) e a perpetuação das políticas antipopulares. Trata-se de outro escândalo mais, toda vez que as bandeiras da não reeleição foram a desculpa que empregou a direita para dar o golpe de Estado contra o ex presidente Manuel Zelaya (ainda que a consulta popular propiciada por Zelaya em seu momento nem sequer permitia participar da reforma proposta nem de reeleição alguma). Ou seja, o regime muda a Constituição segundo sua vontade e conveniência.”

“Tudo isso existe aqui. E é importante oferecer um nome e um homem chave a respeito: Álvaro Uribe Vélez (), o ex presidente colombiano.Uribe, em meio ao golpe de Estado de Porfirio Lobo e agora mesmo, tem sido o encarregado de instalar a pistolagem. Justamente, na semana em que ele esteve aqui, ocorreu o primeiro assassinato em motocicleta, como já é seu modo classicamente trágico. E como são, principalmente, todos os cartéis colombianos narcotraficantes que Álvaro Uribe controla os que operam, atualmente, em Honduras, de igual modo, se replicam seus meios. As câmeras de vigilância colocadas em todo o país, supostamente contra o crime, servem para transmitir ao vivo e em cores como se cometem os assassinatos, o que corresponde a uma clara política de terror dirigida a toda a sociedade. A mensagem é nítida: assim vamos terminar se nos seguimos opondo ao regime.”

“As grandes migrações de hondurenhos desde a liberalização da economia nos anos 1990 do século XX, formaram uma colônia de mais de 1 milhão de conterrâneos nos Estados Unidos.Hoje, se calculam em milhares as pessoas que, semanalmente, migram para lá. Há alguns meses, tive a oportunidade de viajar ao México onde estive em um dos centros de ajuda aos migrantes do padre Solalinde [Alejandro], onde me informaram que de 100% das pessoas que saem do país, entre eles muitos hondurenhos/as, primeiro, por razões econômicas, agora, aproximadamente a metade migra por ameaças de morte ou pela violência. E todo este processo migratório é empurrado pelas redes de tráfico, de ‘coiotes’, que fazem um grande negócio com as pessoas e no qual o preço do traslado chega a 2 mil dólares por pessoa, e aumenta conforme a segurança de chegar ao destino.”

Tanto no Chile, como em grande parte do mundo, muitos/as consideramos insuficiente a luta exclusiva dos chamados movimentos sociais, que nós denominamos movimento popular. Isto é, que o combate social por si só corresponde, unicamente, a um momento necessário da reconstrução de um projeto histórico de poder dos oprimidos/as. O que ocorre em Honduras?

“Não é diferente. Aqui também existe uma sorte de negação da construção partidária ou orgânica sólida.Este fenômeno é preciso enfrentá-lo por todos os meios, especialmente através da organização. Temos claro que onde se tem avançado mais é onde mais intensamente se expressa a luta de classes. Não podemos caminhar para adiante sem a ação direta. Isso não tem nada de manual nem ortodoxia. Está fundado na realidade concreta. Em nossas escolas de formação política, onde nos alimentamos reciprocamente, nosso povo já sabe que sem mobilização permanente não há possibilidade de mudanças estruturais. Na América Latina, vemos que os processos progressistas têm se debilitado quando se desmobiliza o povo.

“Chamou muito a minha atenção o discurso de encerramento que fez o representante do Partido Comunista Cubano no contexto do seminário organizado pelo Partido do Trabalho do México, um evento continental. Ali, o cubano assinalou que enfrentamos três inimigos: o imperialismo, as oligarquias nacionais e, praticamente no mesmo nível, os meios de comunicação dominantes. Neste sentido, uma questão de credibilidade e aparência democrática, os meios de comunicação de massas se veem obrigados a oferecer certa cobertura. Nesse caso nossa participação institucional tem obtido alguns ganhos. No entanto, nós sabemos muito bem que a formação política e a luta popular são as tarefas imprescindíveis dos movimentos revolucionários (organizar, mobilizar, formar).”

“No último período, é o setor que mais levanta a presença da resistência popular, a tal grau que há um mês foram assassinados três dirigentes estudantis, mais a estudante de 13 anos Soad Nicole Ham Bustillo ) por Esquadrões da Morte. Soad foi entrevistada durante o dia na manifestação popular, em que empregou uma linguagem bastante direta e confrontadora contra o presidente e os militares que estavam reprimindo os jovens. À tarde, Soad estava desaparecida e, à noite, foi encontrada morta dentro de um saco.”

“Sob a política da ditadura de venda da soberania e do território hondurenho, os moradores e camponeses das ‘cidades modelo’ do Departamento de Choluteca (sul do país, Golfo de Fonseca, onde há mais interesses transnacionais e também na costa Caribe, ou seja, nas saídas para os oceanos Atlântico e Pacífico, zonas geopolíticas e militares estratégicas para os norte-americanos) permanecem em luta constante enquanto são deslocados de seus espaços originais.”

Como está a organização política ‘Los Necios’ ()?

“Já completou 15 anos de vida. Passamos recentemente pelo V Congresso ordinário. De um pequeno grupo, agora, somos uma estrutura que conta com vários núcleos em nível nacional. Temos delegados, um comitê central e conquistamos espaços na direção da FNRP em escala regional e nacional. ‘Los Necios’ somos, em conjunto com as Esquerdas Socialistas, uma formação que nos conduzimos por uma só linha política estratégica antiimperialista, anticapitalista e socialista. Temos uma existência orgânica frequente; realizamos uma reunião semanal com o ex presidente Zelaya (Manuel Zelaya, coordenador nacional do Libre); e uma reunião semanal com Juan Barahona (coordenador nacional da FNRP). ‘Los Necios’ estamos em relação contínua com os organismos fundamentais da resistência, até suas diretorias, passando pelas instâncias intermediárias. Temos nos fortalecido muito no combate do povo real em luta. Sabemos, perfeitamente, que o presidente de Honduras, os banqueiros e militares estão sempre preocupados com ‘Los Necios’ (). Onde estamos, o que estamos fazendo. Temem a unidade das Esquerdas Socialistas, democráticas, progressistas e revolucionárias, e a produção de ideias que delas provêm em matéria de projeto pós-capitalista.”

“Primeiro, a crise política que trará a reeleição do ultraliberal Juan Orlando Hernández. As forças de esquerda atuaremos denunciando a hipocrisia da classe dominante hondurenha. Também estamos em processo de nos agregarmos com muita força à campanha internacional originada na Colômbia, de não mais bases militares norte-americanas no continente (não se pode esquecer a base recentemente instalada no Peru). Também estamos na campanha para o esclarecimento sobre os estudantes assassinados, em especial os estudantes secundaristas. Toda morte executada pelo regime é planetariamente condenável: imagina o assassinato de crianças. E, por último, entramos de cabeça na campanha pela Reforma Agrária devido à grande crise existente no campo.”

Andrés Figueroa Cornejo

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