A Expansão Capitalista no Submédio do Vale do São Francisco

imagemRonilson Barboza de Sousa – Militante do PCB

Após a Segunda Guerra Mundial, o Estado atuou fortemente na região do Submédio do Vale do São Francisco, procurando desenvolver a produção de energia, a agricultura irrigada e a industrialização. A expansão do capital a partir desse período contribuiu, significativamente, para a configuração da realidade atual do campo na região e, especificamente no Município de Petrolina-PE.

Diferente do Município de Juazeiro-BA, em que algumas famílias disputavam a direção do poder local, e essa competição tornou-o dependente do capital exterior, com dificuldades e recursos limitados, no Município de Petrolina-PE, a concentração de poder, econômico e político, numa família, a família Coelho, permitiu-lhe uma acumulação de capital diferenciada, com uma maior articulação nacional e internacional, viabilizando a expansão do capital.

A família Coelho, principal família da classe dominante em Petrolina, consolidou seu domínio no Município, principalmente durante a ditadura empresarial-militar, quando o General Humberto de Alencar Castelo Branco indicou Nilo de Sousa Coelho para governador do estado de Pernambuco para o quatriênio 1967-1971, de modo que os membros dessa família têm se revezado em diferentes esferas do poder do Estado durante muitos anos, passando a dominar o comércio local em vários setores: agronegócio, comunicação, etc.

A expansão do capital no Município de Petrolina-PE aconteceu mediante aliança pactuada entre a família Coelho e o capital nacional e internacional. De modo que combinou-se com a permanência de estruturas agrárias tradicionais e a sobrevivência de lógicas patrimonialistas e fisiológicas da classe dominante.

O caminho escolhido pela classe dominante para promover o avanço do capital foi o de utilizar, prioritariamente, a força de trabalho assalariada, mediante o controle das terras e das águas do rio São Francisco.

A participação do Estado foi e continua sendo fundamental para desencadear uma série de políticas e promover as condições para viabilizar a exploração e acumulação do capital. Instituições foram criadas, como a Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco), em 1945, a atual CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco), que atua desde 1948, a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), em 1973), etc. Obras foram construídas como a ponte Presidente Dutra (para viabilizar o escoamento da produção), a barragem de Sobradinho/BA (para gerar energia e controlar o fluxo de água para a barragem de Paulo Afonso e para a irrigação), em 1974, e os Perímetros Irrigados (atraindo e incentivando grandes empresas a se apropriarem das terras e das águas do rio São Francisco).

A construção da construção da barragem de Sobradinho, que foi importante para a criação dos perímetros irrigados, expropriou uma população de aproximadamente 12.000 famílias ou 72.000 pessoas na região, inundando quatro cidades (Casa Nova, Remanso, Santo Sé e Pilão Arcado), que foram relocadas. Até o momento muitas dessas famílias não foram indenizadas.

Em Petrolina-PE, foram criados quatro projetos de irrigação: Projeto Pontal Sobradinho, Projeto Pontal (incluindo a parte Norte em fase inicial e a parte Sul, que se encontra concluída), Bebedouro e Senador Nilo Coelho (incluindo sua extensão, mais conhecido como projeto Maria Tereza). Os dois últimos em pleno funcionamento tornaram-se perímetros. Os perímetros irrigados expropriaram por meio de exigência do título da propriedade ou escrituras das terras, que muitos não possuíam; e pelos critérios estabelecidos pela CODEVASF, certificações caras, altas cobranças pelo uso da água, etc.

A implantação da política da agricultura irrigada, mediante a apresentação de discursos ideológicos de “desenvolvimento”, “Califórnia brasileira”, “sertão que virou pomar” – cuja principal expressão é a atividade da fruticultura irrigada -, deu ao Submédio São Francisco, e principalmente ao Município de Petrolina, status de um dos mais importantes polos do agronegócio, evidenciado, principalmente, na média de 90% das exportações brasileiras de manga e uva, no crescimento econômico anual de 4,5% e no produto interno bruto de 2.178,549 mil de reais.

Todo o processo de reestruturação produtiva, com a expansão do capital no Município, promoveu a expropriação camponesa da terra, impulsionou a mobilidade do trabalho e atraiu trabalhadores de outros lugares, formando uma superpopulação relativa na cidade, quase que quadruplicando o número de habitantes – que era de 74.671 em 1980 e passou a ser de 293.962 – em três décadas. Destes, 219.215 habitantes residem na cidade.

Atualmente, as empresas do agronegócio, no ramo da fruticultura irrigada, empregam muitos trabalhadores anualmente e possuem grandes oportunidades no mercado internacional. Nesse contexto, a agricultura irrigada, pela óptica do agronegócio, com a prioridade de produzir para exportar, é um empreendimento bem sucedido. Isso pode ser constatado de acordo com os dados obtidos por meio da Associação dos Produtores Exportadores de Hortifrutigranjeiros e Derivados do Vale do São Francisco – VALEXPORT (criada em 1988), que já em 2010 divulgava que o Submédio São Francisco contava com: 120 mil hectares irrigados, 25.630 hectares plantados de manga, produzindo cerca de 508.200 toneladas por ano e comercializando no mercado externo em torno de 92.628 toneladas, o equivalente a 84% das exportações brasileiras da fruta. Já os parreirais de uva cobrem 13.310 hectares, produzindo cerca de 265.430 toneladas por ano, das quais 54.476 toneladas vão para o exterior e respondem por 99% das exportações brasileiras de uvas.

De acordo com os dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), sobre a flutuação do emprego formal, em Petrolina, entre janeiro e dezembro de 2013, foram admitidos, na agropecuária, cerca de 18.662 trabalhadores. E foram demitidos 18.495 trabalhadores. Nos dados da VALEXPORT, a atividade da fruticultura irrigada no submédio São Francisco gera em média 2,0 empregos por hectare irrigado, sendo um total de 240.000 empregos diretos. Contudo, esses dados mostram a alta rotatividade e a precarização do trabalho no Município, com a maior parte dos empregos sendo temporários.

Apenas para exemplificar, uma das empresas, que atua na região, especificamente em Petrolina, é a do Grupo Queiroz Galvão1, mais conhecida como fazenda Timbaúba Agrícola. A mesma, instalou-se no ano de 1989, nas proximidades do perímetro Nilo Coelho. Já em 2011 possuía 2000ha e é considerada uma das mais bem sucedidas empresas do agronegócio. Emprega muitos trabalhadores anualmente e tem uma grande participação no mercado internacional. A empresa comercializa basicamente manga e uva, exporta em torno de 85% a 90% da produção, o equivalente a aproximadamente 15milhões de kg de uva e 8milhões de kg de manga, principalmente, para os Estados Unidos e países da Europa, onde se encontra suas empresas: na Filadélfia (EUA) e em Rotterdam (Países Baixos – Europa). O que fica para o mercado interno é apenas refugo. São utilizados apenas 820ha, sendo 360ha de manga e 460ha de uva, com produtividade de aproximadamente 25 e 30 toneladas por hectare, respectivamente. Embora a empresa tenha adotado a política de colher apenas uma safra anual (normalmente, as empresas colhem duas safras por ano), o clima semiárido juntamente com a irrigação (além de fertilizantes) aumenta a produção e a alta produtividade. A empresa possuía cerca de 1.200 trabalhadores fixos e, aproximadamente, 5.000 trabalhadores no período de safra. A maior parte dos empregos gerados pelo agronegócio são temporários, de diarista ou de safrista, como na Queiroz Galvão.

O modelo de desenvolvimento evidencia sua face contraditória, por meio de uma série de processos de expropriações, formação de bairros muito pobres, precarização do trabalho, da saúde e da educação, aumento do desemprego, da violência, da prostituição e da degradação ambiental. O processo de expansão do capital também tem promovido vários conflitos e propiciou o surgimento de organizações da classe trabalhadora, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Em Petrolina, o Movimento conta com 721 famílias, 421 assentadas e 300 acampadas. São 5 assentamentos: Santa Maria (mais conhecido pelo MST como Maria Gorete), com 35 famílias; São Francisco, com 60 famílias; Água Viva, com 190 famílias; organizado em duas vilas, Água Viva I, com 97 famílias, e Água Viva II, com 93 famílias; José Almeida, com 100 famílias; São José do Vale, com 36 famílias. E são 7 acampamentos: Lagoa da Pedra, com 35 famílias; Velho Chico, com 20 famílias; Oziel Alves, com 70 famílias; Butiá, com 30 famílias; José Arnaldo, com 75 famílias; 15 de Abril, com 45 famílias; Josi Samuel, com 25 famílias.

Em Petrolina, a luta pela terra choca-se com empresários da classe dominante local, empresas do agronegócio como a Sanrisil, Desenvolvimento Agrícola do Nordeste (DAN), Frutivita, Fruit Fort, Tambaú, Especial Fruit, Butiá, Cachoeirinha, e com instituições do próprio Estado, por meio, principalmente da CODEVASF e da EMBRAPA. As terras foram ocupadas pelo MST por serem consideradas improdutivas (que não está produzindo ou que está produzindo apenas em uma pequena parte da área) e, em alguns casos, por ainda possuírem dívidas com o governo.

Enquanto as empresas do agronegócio produzem monocultura para exportação, destinando, para o mercado interno, apenas o refugo, o que está fora dos padrões comercializáveis no mercado internacional; parte dos assentamentos e acampamentos do MST (São José do Vale, Maria Gorete, São Francisco, Josi Samuel, Oziel Alves, Butiá, Velho Chico) produzem alimentos para a população: feijão, milho, mandioca, cebola, maracujá, goiaba, melão, banana, melancia, além da criação de bovino, caprino, ovino. Todavia, os militantes demonstram insatisfação, seja nos acampamentos ou nos assentamentos, sem investimentos, sem condições de produzir – como acontece nos assentamentos Água Viva e José Almeida e nos acampamentos Lagoa da Pedra, José Arnaldo, 15 de Abril -, em meio à miséria, a falta de assistência, de água, a recuperação de áreas por parte dos empresários e as ordens de despejos contra o Movimento, a demora e a burocratização no processo de legalização das terras. Na maioria dos acampamentos e assentamentos (mesmo entre os que produzem), muitas famílias (não vivem apenas com o que produzem no acampamento ou no assentamento) são obrigadas a trabalhar fora, principalmente nas empresas do agronegócio, apesar de receberem cesta básica e Bolsa Família. Algumas famílias acabam se endividando para conseguir manter as despesas mínimas em condições precárias.

A exploração dos trabalhadores, nas empresas do agronegócio, envolve: a) os que possuem terra, mas que, pela dificuldade de produzir e viver na terra, imposta pelo capital, praticam o assalariamento; b) os que foram expropriados dos meios sociais de sua reprodução e, para sobreviverem, vendem a força de trabalho; c) os que não têm e não tiveram vínculo com a terra e sem condições de vida na cidade, recorrem ao emprego precarizado no campo. Muitos desses trabalhadores são migrantes, vindos de estados vizinhos, como a Bahia, Paraíba, Ceará, entre outros.

Além das empresas do agronegócio, médios e pequenos produtores, o proletariado rural, é preciso ressaltar que o agricultor camponês persiste, inclusive no Perímetro Nilo Coelho. Está presente nas relações não capitalistas, como: rendeiro, posseiro, parceiro, ou praticam o assalariamento como um trabalho acessório. Nesse sentido, a realidade dos camponeses envolve: a) aqueles que mantém a terra (geralmente herdada); b) os que tinham a terra, mas foram expropriados e retornaram como parceiros, meeiros, rendeiros; c) aqueles que perderam a terra e vêem na luta a possibilidade de reconquistar tudo. Ou seja, os trabalhadores criam alternativas, para voltarem ou permanecerem na terra, por meio dos processos de resistência e luta pela terra, por meio da combinação de mobilidade e permanência e, por meio da combinação de diferentes relações de trabalho.

O Estado continua viabilizando o avanço do capital, por meio de uma série de políticas (tais como a transposição do rio São Francisco, a criação de mais projetos de irrigação: projeto canal do sertão, projeto pontal Sobradinho, pontal – norte e sul); mediante promessas de melhoria da qualidade de vida da população a partir da “geração de emprego”; sustentadas na ideia de “progresso”, de “desenvolvimento”, que foi e é amplamente difundida, sobremodo, pelos meios de comunicação.

1. Um conglomerado, que atua em vários países e em diferentes setores como a construção civil, naval, mercado imobiliário, siderurgia, extração de petróleo e gás, fornecimento de energia elétrica, engenharia ambiental, etc.

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