Congresso 7 x 1 Dignidade
por Golbery Lessa
Nenhuma formação social capitalista escapa da barbárie sem a presença de grandes partidos de esquerda enraizados nas massas populares e na classe média. São esses partidos contrários ao interesses do capital os galvanizadores da força necessária garantidora da existência da democracia formal e das políticas públicas inclusivas; são os esteios da sobrevivência dos padrões civilizatórios sob o capitalismo e no processo de superação deste sistema. A temida revolução proletária é, ao contrário do afirmado pela direita e pela esquerda pós-moderna, o clímax de um enorme esforço pela manutenção da dignidade humana em meio às convulsões sociais produzidas por uma sociedade mercantilizada.
Desde 2002, a estratégia do PT de tornar-se mais um partido da ordem abriu um vazio na esquerda e, em decorrência, no espectro político da sociedade brasileira, produzindo o catastrófico fenômeno de uma sociedade capitalista sem partido operário com peso decisivo no equilíbrio de forças. No primeiro momento, quando a mudança de direção dos fluxos internacionais de capital favoreciam a economia, a catástrofe política esteve encoberta pelo aumento do salário-mínimo, da renda média e da criação de milhões de empregos. Poucos percebiam que as alianças do PT para governar de acordo com o status quo fortaleciam o PMDB e outros partidos de direita em todos os níveis de poder. Os movimentos sociais, guiados pela estratégia petista, perderam o contato com as massas e se deslegitimaram. Sem o PT na oposição, a insatisfação social ficou sem desaguadouro adequado, já que os outros partidos de esquerda ainda não estavam visíveis para as massas. Junho de 2013 foi um grito desesperado de uma população carente de referências confiáveis, a revolução dos sem projeto e sem partido, expressa numa mistura de atitudes heroicas e atitudes reacionárias, como é próprio dos movimentos espontâneos. Posteriormente, no momento da crise, da recessão e do ajuste fiscal declarado, já no segundo governo Dilma, a névoa dissipou-se e do seu interior surgiu a figura sinistra de um Congresso particularmente reacionário, comandado por uma mediocridade moral do naipe de Eduardo Cunha.
A atitude do campo majoritário da esquerda brasileira de livrar-se da ideia de revolução, principalmente após a queda do Muro de Berlim, que teve uma impacto decisivo no interior do PT, a levou para uma aliança tresloucada com o status quo e, em decorrência, a fez contribuir para o erguimento de uma quadra histórica contrarrevolucionária, de hegemonia política protofascista. A busca da democracia como valor universal policlassista em detrimento das lições clássicas sobre a luta de classes e o papel do movimento operário na construção da democracia levaram a população brasileira a um mundo oposto ao projetado, cujos demiurgos são os deputados da bancada fundamentalista do Congresso Nacional. A semeadura perversa efetivada pela estratégia petista, justificada pelo prato de lentilhas do aumento conjuntural do salário-mínimo e do emprego, destruiu em 12 anos os esforços de duas gerações de militantes, e preparou uma colheita sinistra na qual o ceifador tem a cara da morte das crianças, das mulheres, dos índios, dos negros, da população LGBT e dos trabalhadores.
Nestas circunstâncias, para que o vazio seja preenchido com a civilização e não com a barbárie, precisamos urgentemente fortalecer e ampliar os partidos de esquerda existentes, como o PCB, o PSTU e o PSOL, bem como aqueles que possam surgir. Diante da força da bancada dita evangélica, gritar “sem partido” é análogo a gritar “Viva Eduardo Cunha e o PMDB”. Somente a aliança entre movimentos sociais (novos e antigos) e os partidos de esquerda pode mudar, no curto prazo, o equilíbrio de forças presente, pois é capaz de modificar a desenho ideológico do Congresso e da sociedade civil. Nesse contexto, é necessário secundarizar a militância nas redes sociais e fortalecer a militância real, orgânica, presencial. Nunca se derrotará a influência dos fundamentalistas entre os trabalhadores da periferia apenas mudando a foto do perfil no Facebook ou convocando centenas de manifestações inorgânicas. Será preciso estar com a população, empenhar tempo e esforço no diálogo e na construção de organismos de reflexão e mobilização popular. E, acima de tudo, contribuir de maneira prática para a construção de projetos globais para a nação brasileira, focados numa atitude radicalmente democrática e anticapitalista.
Golbery Lessa é Secretário Político do PCB-AL, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (MPOG) e Dr. Ciências Sociais (Unicamp).