A crise fronteiriça Colombo-Venezuelana

Editorial ANNCOL

Este esclarecedor Editorial da ANNCOL contém elementos essenciais para o enquadramento da atual crise fronteiriça entre Colômbia e Venezuela e para a compreensão dos fatores que conduziram a ela. E é particularmente significativo que, assumindo Uribe – o “peão do imperialismo” – um papel central, o próprio imperialismo venha tratando esta crise de forma tão discreta.

Descobrem-se a cada dia que passa novas complexidades da chamada “crise fronteiriça colombo-venezuelana”. Por essa razão, quem hoje aventure opiniões ou “hipóteses” corre o risco de ser desmentido amanhã. Proporemos, com este pressuposto, alguns elementos gerais de análise da situação presente entre as duas nações irmãs.
1- Nível Macro: O primeiro e talvez mais importante que se deve fazer notar é que este é um episodio regional de uma situação geoestratégica continental, ou se se quiser global, situada necessariamente dentro do Quadro Global da grande crise civilizacional mundial que está em curso ou em pleno desenvolvimento.
Haverá sempre que considerar aquela terrível espada que o presidente dos EUA Obama colocou, em 9 de Março de 2015, sobre a cabeça do governo e do povo venezuelanos, ao declarar que a “Venezuela é uma ameaça para a segurança dos EUA e do seu sistema financeiro – como lhe chamou – pelos fluxos financeiros ilícitos da corrupção pública na Venezuela”. Por último, que é uma expressão da luta mais geral pela hegemonia e a divisão do mundo entre as potências capitalistas da “tríade imperialista hegemónica” com grande experiência imperialista (EUA, Europa e Japão) e as economias capitalistas emergentes de China, Rússia, Brasil, Índia e África do Sul.
2- Nível Meso: O segundo elemento a considerar é o nível médio ou Regional, compreendido em território militar que o US Army consignou ao seu Comando Sul; onde se inclui o “mare nostrum” do Caribe, a região Andino-Amazónica e o Cone Sul do Continente americano. Ali existe uma região muito conflitiva constituída pelas 6 fronteiras que a Colômbia possui (com Venezuela, com Equador, com Panamá, com Nicarágua, com Peru e com Brasil, onde tem sido posto à prova e por meio das armas o domínio tradicional dos EUA, quer dizer até onde chegou o chamado Conflito Interno colombiano (atualmente em conversações em Havana para lhe pôr fim) e que ao que parece ultrapassou a capacidade militar do gigantesco exército colombiano (500 mil homens em armas para além dos seus paramilitares) armados, financiados e apoiados por nove mega bases militares do US Army, para que mantenha enquistado o referido conflito interno, e dentro das mal chamadas fronteiras colombianas. Comprovamos hoje uma vez mais que este ultrapassou todas as linhas fronteiriças, sem que o terrorífico exército colombiano com os seus paramilitares tenha nesta ocasião podido fazer nada, exceto calar e fingir que não é nada com ele.

3- Nível Micro. O terceiro elemento é o micro ou Local, que envolve os dois Estados fronteiriços, ou seja, é “bilateral”, mas que como de costume tem sido tratado e utilizado unicamente de forma unilateral e de maneira maniqueísta, esquecendo os muitos elementos da luta de classes que explodiram ou eclodiram na crise atual e que estão intimamente inter-relacionados entre si ou têm componentes em ambos os países. Mencionemos alguns:

A- A máfia narcotraficante transnacional cuja cadeia exportadora de cocaína e de lavagem de dólares se inicia na Colômbia, com os seus escalões mais fortes, experimentados e transnacionalizados, mas também compromete narcotraficantes venezuelanos. Isto foi honestamente reconhecido pelo governo venezuelano, mas não pelo colombiano.
B- O contrabando da Venezuela para Colômbia de mercadorias, alimentos, artigos de primeira necessidade, o mercado negro de dólares ou divisas, e de um produto geoestratégico e fundamental na economia internacional atual como o petróleo e seus derivados, nas suas duas formas:
Em pequena escala com os “bachaqueros” (palavra derivada de “bachaco” com a qual os camponeses da região nomeiam as formigas carregadoras com as suas grandes cargas) e os “pimpineros” (palavra derivada de “pimpina” ou cilindro de gás metano).
E o contrabando à grande escala, em grandes caminhões e caravanas de veículos todo-o-terreno para as refinarias de Ecopetrol, como acaba de mostrar a esclarecedora análise de Franco Vielma (ver esta ligação: http://prensarural.org/spip/spip.php?article17589 )

c- O narco paramilitarismo (produto genuinamente colombiano) que desde finais do século passado (1997, com o governo de Pastrana), com a implementação do Plano Colômbia a nível nacional durante o actínio de Uribe Vélez 2002-2010 e os 5 anos de Santos, se foi expandindo gradualmente a todo o país e em especial aos departamentos fronteiriços de la Guajira, Norte de Santander, Santander del Sur, Arauca e Casanare, utilizando parte dos 4 milhões de deslocados pelo terror Estatal, chamados respectivamente pelo Regime “migrantes internos”, muitos dos quais, aproveitando a porosidade da fronteira, ou a corrupção das autoridades de emigração colombianas, passaram à Venezuela para “rebuscarse la vida” (rebusque) e se instalaram especialmente nas regiões de Zulia, Táchira e dos Llanos venezuelanos. Sobre esse substrato miserável de desenraizados e deslocados pelo regime colombiano e seus paramilitares e contando com a simpatia de algumas autoridades antichavistas dessas regiões; a máfia narco-paramilitar colombiana – seguindo o modelo experimentado com êxito na Colômbia – começou a minar criando, ampliando e controlando todo o tipo de negócios criminosos, que finalmente vieram a ameaçar a formalidade e a legalidade do governo atual da Venezuela, que preparou uma ação defensiva de tipo militar.
Aos dias de hoje e ainda sem que a crise esteja já de todo resolvida, há alguns elementos que pela sua evidência são concludentes:
1- O silêncio da maioria dos governos latino-americanos e caribenhos que, embora o governo colombiano o tivesse solicitado, não vieram em seu apoio, mostra o isolamento do governo santista e da sua pretensão de eludir as responsabilidades próprias no que diz respeito ao alastramento do narco paramilitarismo a outros países.
2- Não houve e não parece que venha a haver uma guerra entre Colômbia e Venezuela. Em boa hora e com um insólito sentido da realidade surgido à última da hora, o presidente Santos, reunido à porta fechada com as cúpulas dos partidos de governo, decidiu seguir a via diplomática para a solução do impasse e ignorou os teatrais apelos dos belicistas contra-insurgentes. Uma guerra entre Colômbia e Venezuela induzirá definitivamente o fim do Bloco de Poder Contra-Insurgente dominante na Colômbia. Sempre sustentei dialeticamente que a revolução em Colômbia passa por Venezuela.
3- As Farc declararam taxativamente que a presença do governo Venezuelano é fundamental para o êxito do processo de paz que se desenvolve em Havana.
4- Contrariamente ao que o Oligopólio Mediático Contra-Insurgente da Colômbia histericamente sustenta, Uribe Vélez, “o peão do Imperialismo” como lhe chamou em certa ocasião o Presidente Chávez, atualmente apontado de forma direta pelo governo venezuelano e perante o mundo como o responsável pela conspiração narco-paramilitar contra si, não obteve qualquer triunfo, nem político nem de nenhum outro tipo dos que pretendia: Não houve guerra fronteiriça. Não se rompeu o processo de paz. A Colômbia não sai de Unasur. O governo de Venezuela deverá continuar sendo parte do processo de paz em Havana. O governo dos EUA atua cautelosamente. O presidente Maduro não caiu mas, pelo contrário, recolhe apoios multitudinários nas ruas e cidades, não em conciliábulos fechados como Santos, e pode dar-se ao luxo de viajar a China e Vietnam em plena crise. Ninguém, exceto os mesmos jornalistas de sempre, apoia as palhaçadas uribistas. Nem apoia o narco paramilitarismo transnacional que ficou completamente desmascarado ante o Mundo

E as eleições? Para regozijo de Santos, logo veremos como lhe sairá o conluio com o Ubérrimo e os seus narco parapolíticos.
E na Venezuela?
Também logo veremos como os bolivarianos alcançarão uma imensa vitória e como os “escuálidos” não irão mais além do que ser o que são: “peões do imperialismo”, aliados com Uribe contra o seu próprio país.

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