Risco Brasil? Onde?

imagemPor Fábio Bezerra.

Em grego antigo, Krísis significa a condição à qual geralmente os médicos diagnosticavam um paciente enfermo e as alternativas possíveis quando se chegava a um limite, por exemplo, a cura ou a morte. Etimologicamente a expressão possui a ideia básica de um momento processual que chega a um limite e que força por sua vez, a uma decisão em um momento difícil, a uma separação ou definição.

Ao longo do tempo a expressão foi ganhando contornos semânticos específicos para cada área do conhecimento, tais como: na sociologia, na filosofia ou na economia por exemplo.

Mas em todas essas áreas a ideia central de alteração, mudança no sentido, está presente, assim como a ideia geral de crise reproduzida pelo senso comum, traz consigo também uma perspectiva psicológica negativa.

De fato em todo processo de separação ou definições ou mesmo de ruptura quando se chega a um extremo, a opção por um caminho leva inevitavelmente à negação do outro- o que não significa necessariamente uma negação dialética-, que gera por sua vez a condição de perdas irreparáveis.

No caso da Crise brasileira as perdas até agora tem sido dos trabalhadores em geral com o aumento do endividamento, a diminuição do poder de compra, o corte de investimentos nas áreas sociais e consecutiva precarização desses serviços e em especial ao funcionalismo público federal que amarga cortes de direitos e achatamento salarial. Mas se há perdas por um lado, por outro, há ganhos e no caso da economia brasileira, há lucrativos ganhos ao grande capital internacional, que se aproveita das imposições feitas pelo sistema financeiro internacional, através das chantagens das agências financeiras e também da fragilidade política do Governo sob as denúncias de corrupção, para ganhar terreno e avançar seu domínio econômico em áreas ainda “incultas” à sana da cobiça e do poder dos grandes transnacionais.

O melhor exemplo desse processo de avanço dos interesses externos na economia brasileira é o que está em curso atualmente com a retomada dos programas de concessões (leia-se privatizações) que o governo Dilma Rousseff anunciou desde fevereiro desse ano e que foi apresentado em Junho passado como tentativa de “acalmar” o mercado sob a justificativa de impulsionar a economia com a redução de gastos públicos para o cumprimento das metas do famigerado superávit primário.

O Programa de Investimento Logístico (PIL) propõe a entrega à iniciativa privada, por meio de leilões e do modelo de outorga (tão criticado pelo PT à época do Governo FHC) toda a malha de infraestrutura nacional: portos, aeroportos, ferrovias, rodovias e as futuras estradas regionais, o que assegurará um monopólio privado nesses setores, em alguns casos por mais de 30 anos!

O BNDES continuará financiando reformas como aconteceu em obras nos aeroportos internacionais que foram privatizados sem contrapartida compatível aos investimentos públicos realizados e isso fica mais grave e evidente, no modelo proposto, que fixa metas de investimento que poderão ser balizadores de contrapartida das empresas nos lances dados nos leilões, ou seja, a arrecadação dos leilões poderia inclusive ser abaixo do estipulado.

Para se ter uma ideia, do grande negócio rentável que está sendo investir no Brasil nesse momento de crise, o Governo registrou um recorde de empresas estrangeiras interessadas em realizar os estudos técnicos e de viabilidade sobre as “concessões”.

O Lote de privatização das rodovias ( chegará a17 mil kilômetros privatizados) recebeu 314 propostas de estudo, das quais 49 foram de empresas estrangeiras, entre elas a FTI Consulting uma das maiores administradoras de concessionárias do mundo.(1)

Os aeroportos receberam 92 propostas dos quais 30 eram de empresas estrangeiras; no caso das ferrovias o negócio: “é da China”, pois o país asiático pretende investir o equivalente a R$ 30 bilhões para construir a ferrovia transoceânica que ligará o oceano pacífico na costa peruana ao oceano atlântico, facilitando assim o transporte de commodities como minério de ferro, além de grãos, principalmente a soja.

A multinacional francesa Louis Dreyfus Commodites(2) (LDC) uma das maiores do mundo no setor do agronegócio, está focada em arrematar o leilão de privatização do chamado “Arco Norte” que compreende todo o norte do MT e a região norte do país, onde a estimativa é de aumento da produção de grãos 30 milhões de toneladas de grãos com a abertura de três milhões de hectares para o agronegócio nos próximos anos. Seus executivos justificam o empreendimento ao baixo custo de produção comparado com outros países e a desvalorização do real que propicia que propicia uma margem de lucro compatível com o investimento estipulado.

Para finalizar, para quem ainda tem dúvidas dos interesses das multinacionais no Brasil em período de crise, só no processo de estudos de viabilidade técnica para a privatização dos portos de São Francisco do Sul (SC), de Santos (SP), de Suape (PE) e do Rio de Janeiro (RJ), figuram multinacionais e empresas brasileiras consorciadas com grupos de investimento estrangeiros, como: Rpeotta Engenharia e Consultoria, Linktech International Gestão de Tecnologia e Inovação, Eagle Serviços Diferenciados, Tegma Gestão e Logística, Raízen Combustíveis e DTA Engenharia(3), as maiores do mundo no setor.

Cinicamente a agência de classificação de riscos: Standard & Poor’s, – a mesma que avaliou com nota máxima o Banco Lehman Brothers, no mesmo mês que a instituição quebrou e que foi obrigada a pagar uma indenização de R$ 1,5 bilhões ao governo dos EUA, por manipulação no mercado-, rebaixou recentemente o grau de investimento no Brasil, o que alimentou mais ainda a cantilena neoliberal pela redução do Estado em investimentos públicos justificando a onda de privatizações que o Governo vem operando a fim de conquistar a chamada credibilidade do mercado.

O Standard & Poor’s cumpre bem o papel de algoz do mercado financeiro, através da chantagem, alimenta os interesses econômicos dos investidores estrangeiros e seus lacaios no Congresso, na imprensa e nas instituições financeiras a pautarem e definirem, sem qualquer resistência, os rumos de um Governo cada vez mais subserviente e que evolui rapidamente da esfera da conciliação de classe para o conservadorismo mais pusilânime.

Com o desenvolvimento desse processo, a opção política, a definição estratégica que o Governo petista optou, foi a de atender as imposições do mercado e as chantagens da burguesia associada promovendo a privatização de toda a infraestrutura logística da economia brasileira, sob a argumentação da retomada do desenvolvimento econômico, que na realidade encobre a opção política pela promoção da abertura da economia ao mercado internacional de modo a agradar de maneira subserviente, em troca de uma “estabilidade” impossível de se alcançar, as demandas de mercado ao grande Capital, que encontra na crise econômica e política uma grande oportunidade de investimentos no Brasil, altamente lucrativos.

Risco Brasil?

Grande farsa ideológica que encobre as contradições do atual momento conjuntural e auxilia o discurso do ajuste fiscal ou melhor do ajuste de contas do Capital contra os trabalhadores(as).

Só a classe trabalhadora é que está em risco. O risco eminente com o aprofundamento do neoliberalismo, de ficar cada vez mais pobre, com o aviltamento nas condições básicas de existência devido aos cortes nos investimentos ou custeio da educação e saúde, a redução do poder aquisitivo com o aumento da carga de impostos e agora com o anúncio de mais reformas que retirarão mais direitos previdenciários e trabalhistas.

Sob o engodo do “Risco Brasil” e a pressão psicológica e ideológica que a mídia joga o tempo todo para cima da população, de que a crise exige sacrifícios “de todos”, ajustes e cortes, os únicos que estão sendo sacrificados há décadas, tem sido o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras, em detrimento do avanço do capital que aproveita do cenário atual para aumentar o grau de exploração, poder e lucratividade sobre o mundo do trabalho.

Nesse cenário de crises (econômica, política e moral), o sentido que o governo vem tomando não nos surpreende, mas, lamentavelmente, a opção pela covardia e pela subserviência política -com clara perspectiva reformista e institucional em muitos casos- que algumas organizações sociais, que ainda contam com forte influência no movimento sindical e popular, sob o pretexto de combater a crise, defendendo o Governo do chamado “golpismo”, veem exercendo nesse cenário, um sentido que só colaboram com a dispersão de forças e a alienação, desarmando ideologicamente a classe, enganando e colaborando para a mistificação da crise econômica, como algo que não passa pelas opções políticas ( neoliberais) do PT, conscientes e coniventes com todo esse processo.

* Fábio Bezerra é professor e membro do Comitê Central do PCB.


1. http://www.segs.com.br/veiculos/58692-concessao-de-rodovias-devera-crescer-70-no-brasil.html

2. http://www.valor.com.br/search/apachesolr_search/%22LOUIS%20DREYFUS%20COMMODITIES%22?page=5

3. http://infraestruturaurbana.pini.com.br/solucoes-tecnicas/Transporte/dez-empresas-vao-elaborar-estudos-para-leiloes-dos-portos-de-363589-1.aspx

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