O FUNDAMENTALISTA BENTO XVI PERDEU A NOÇÃO DE VEZ

Faces sob o sol, os olhos na cruz

Os heróis do bem prosseguem na brisa da manhã.

Vão levar ao Reino dos Minaretes a paz na ponta dos arietes

a conversão para os infiéis…”

(Agnus Sei ) Aldir Blanc

Não é que o cardeal Joseph Alois Ratzinger por alcunha, Papa Bento XVI, resolveu intrometer-se nas eleições brasileiras? Ingenuidade de quem pensa que sua intervenção claramente a favor do candidato reacionário-conservador – apoiado pelos setores mais retrógrados e obscurantistas da igreja católica e ainda pela ordem crípto-fascista Opus-Dei e pela TFP – , tenha sido pautada pelas “formulações intelectuais” digamos, modestas, do bispo de Guarulhos, Luis Gonzaga Bergonzini.

Não é novidade a intromissão da igreja católica na vida política dos países onde possui influência. Vem de uma tradição milenar sua associação com o poder e, muitas vezes, não somente como associados participaram diretamente dos destinos políticos de centenas de nações, o que explica as inúmeras guerras e conflitos religiosos desde o período medieval até nossos dias. Dos mortos e torturados cruelmente pela Santa Inquisição, passando por milhares de camponeses, pequeno-burgueses (huguenotes) assassinados durante os conflitos entre católicos e protestantes, até os apoios às ditaduras burguesas e bonapartistas, como as de Mussolini, Franco, Hitler, Salazar, Vargas, Perón, a ditadura militar-bonapartista brasileira e tantas outras!

Em rápidas pinceladas, a história recente da igreja católica. Iniciamos pelo cardeal Eugenio Pacelli, conhecido como il tedesco (o alemão), mais tarde Papa Pio XII. Ninguém nos altos postos do Vaticano era mais germanófilo. É sabido que Pacelli/ Pio XII apoiou, direta ou indiretamente, todos as ditaduras fascistas européias, começando pela de Mussolini, quando abençoou suas tropas que partiam para invadir a Etiópia, antiga Abissínia. Pacelli/Pio XII, quando Núncio Apostólico em Berlin, circulava livremente pela chancelaria e em muito auxiliou a conciliação entre os nazi e as facções burguesas alemãs. Também é conhecido o silêncio conivente de Pacelli/Pio XII em relação ao assassinato de milhões de judeus, ciganos, comunistas e homossexuais nos campos de extermínios nazistas. Pacelli ficou do lado dos monarquistas na Guerra Civil espanhola, não somente pelo anticomunismo visceral da igreja católica, mas pela íntima relação (quase promíscua) do vaticano com a monarquia espanhola, tanto que ao ser nomeado Papa, já ao final da Guerra Civil Espanhola, Pacelli/Pio XII saúda o fim do conflito, com a vitória dos monarquistas, Com imenso gozo, em discurso radiofônico proferido em 18 de abril de 1939. Uma tradicional relação que ainda continua. Lembremos que, entre 2001 e 2007, 731 pretensas “vítimas” dos republicanos espanhóis durante a Guerra Civil, foram beatificadas pelos papados de João Paulo II e de Bento XVI, em que pesem os protestos dos parentes das milhares de vítimas do outro lado, dos republicanos, e do clero basco que teve muitos de seus sacerdotes fuzilados pelos franquistas. Na ocasião da beatificação das 498 pretensas “vítimas” dos republicanos, Bento XVI destacou ” a importância do martírio como testemunho de fé numa sociedade secularizada.” (Los Angeles Times de 28/10/2007, Vatican Beatifies 498 Spanish Martyrs)

Sem esquecermos de João Paulo II, o militante anticomunista, que imiscuiu-se fundamente na vida da Polônia, apoiando o sindicalista católico-conservador (e quando no poder, acusado e condenado por corrupção) Lech Walessa, não como cidadão polonês, mas como “cidadão do céu” (como diria São Pedro, Bíblia Sagrada,Filipenses, III-20), como Papa e líder religioso. O cardeal Woitila/João Paulo II não limitou-se a combater o marxismo na Europa. Também aumentou a ofensiva contra o clero progressista na América Latina , tendo como fiel escudeiro e mentor intelectual, o cardeal Ratzinger/Bento XVI, na época, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, leia-se Tribunal da Santa Inquisição/ Santo Ofício, o mesmo que torturou e executou barbaramente (seja na fogueira, em azeite fervente ou esquartejando vivos) milhares de “infiéis”. Ratzinger/Bento XVI, quando dirigia o Tribunal da Santa Inquisição/Santo Ofício/Congregação para Defesa da Fé, censurou diversas obras ligadas à Teologia da Libertação, como as do teólogo espanhol Jon Sobrino e a do então frade Leonardo Boff, condenando-o ao “silêncio obsequioso”, termo clerical para designar mordaça à subjetividade social e política.

O cardeal Ratzinger/ Bento XVI, tem uma longa ficha de serviços ao obscurantismo. Para além de sua controversa participação na Juventude Hitlerista (da Baviera), que de um modo ou de outro era uma forma de cooptação forçada de jovens para o nacional-socialismo, e de ter participado do exército alemão durante a II Guerra Mundial, algo nada estranho em se tratando de um país em guerra, Ratzinger destaca-se de fato como sacerdote, ideólogo e teólogo conservador, reacionário e obscurantista. Chegando ao papado, aproximou-se da vertente mais atrasada do clero europeu, trazendo de volta o conhecido para as hostes do Vaticano o fundamentalista católico francês, cardeal Lefebvre, removendo a censura de excomunhão latae sententiae a quatro bispos ordenados pelo fundamentalista françês, em total desacordo com o Concílio Vaticano II. Dentre os bispos lefebvriano, está o sacerdote inglês que vive na Argentina, Richard Williamson que nega o Holocausto. Ratzinger/Bento XVI prosseguiu a política de Woitila/João Paulo II no desmantelamento dos núcleos progressistas e de esquerda da igreja católica na América Latina e em todo o mundo e para tal nomeou vários cardeais conservadores, inclusive no Brasil.

A pergunta que fazemos é como uma pessoa com uma história inequivocamente ligada ao núcleo mais reacionário e autocrático da igreja católica, que perseguiu e censurou sacerdotes e leigos em sua instituição religiosa, se arvora em discutir condutas democráticas nas eleições brasileiras? Além da cara de pau do cardeal Ratzinger/Papa Bento XVI, quero ressaltar que o Brasil é um país laico, onde vige institucionalmente a separação entre religião e Estado. Mais grave ainda, é que esse senhor é chefe de um Estado e, pelas leis internacionais, não deve interferir em assuntos de outros Estados. Imaginem a tempestade e o alvoroço que seria em nossa imprensa golpista se um dirigente estrangeiro, como Chaves, por exemplo, fizesse declarações sobre nosso processo eleitoral? E mais, Ratzinger/Bento XVI dirige um Estado teocrático-autocrático, uma plutocracia dirigida por cardeais, onde o voto não é democrático porque restrito à oligarquia cardinalícia. Com que autoridade democrática esse senhor pretende imiscuir-se na vida política nacional?

Que o cardeal Ratzinger/Bento XVI governe sua teocracia corrupta e interfira em seus problemas político-religiosos é aceitável. Mais do que isso, convenhamos, é cinismo cara de pau inconcebível.

*Membro do CC do PCB.