Da Crise Política à Política da Crise
Fábio Bezerra*
A grave crise econômica que se espalhou por todas as economias do planeta e que perdura desde 2008, assumindo variações de intensidade e mobilidade entre os mercados dos chamados países centrais e dos países periféricos, assumiu no caso brasileiro um grau de simbiose, sui generis, com a crise política vivenciada pelo Governo petista desde as denúncias da operação Lava-Jato e mais recentemente intensificada com as denúncias envolvendo o ex-presidente Lula e sua assessoria política nas investigações de tráfico de influência para a aprovação das medidas provisórias que reduziram impostos para as montadoras.
Independente de muitas das denúncias serem hiperdimensionadas de forma sensacionalista pela imprensa e a condução das investigações possuir um claro sentido político partidário por parte de muitas ilações do judiciário, o fato é que toda essa encenação encobre um processo muito mais corrosivo e muito mais pernicioso que a quebra dos princípios republicanos e da moralidade pública, como alguns arautos da “ética e dos bons costumes” do chamado Estado Democrático de Direito insistem em centralizar o entendimento da opinião pública apenas para esse campo.
Combalido pela opção feita desde o início do governo petista, em manter os compromissos com o mercado financeiro, atrelado à famigerada política de superávit primário e ao fluxo de capitais especulativos que migraram para o país nos períodos em que efeitos da crise nos países centrais ainda eram mais crônicos, o Governo Dilma se vê diante de um cenário onde tanto o capital financeiro e especulativo, quanto os interesses de grandes multinacionais estrangeiras, associados a setores da economia brasileira, decidiram jogar pesado para que as políticas neoliberais fossem devidamente implementadas com vigor, de modo a possibilitar a diminuição do Estado na economia e a consecutiva abertura de mercado para investimentos diretos.
Isso vem acontecendo a passos largos e apesar da semântica ter sido habilmente modificada, onde o que antes era privatização, agora se chama concessão, o fato é que a balela do chamado “risco Brasil” que faz com que o mercado financeiro não recomende investimentos diretos no país, é mais uma encenação no grande teatro de horrores que demarca nossa conjuntura, pois em todas as concessões aprovadas no pacote de privatizações, ainda na gestão de Joaquim Levy, mais da metade das empresas concorrentes são estrangeiras ou estrangeiras associadas com empresas de capital nacional. Ou seja, na crise, o Brasil se tornou um atrativo mercado para investimentos imediatos e altamente lucrativos pelas condições em que são empreendidos.
Mas quando digo que esse processo é muito mais corrosivo e pernicioso, isso ocorre porque, no caso brasileiro, um conjunto de fatores associados produz um processo que se move pela combinação simbiótica entre as crises política e econômica, alimentando e se retroalimentando das mesmas, seja através do sensacionalismo midiático com forte apelo protofascista, seja através das chantagens do mercado, que impelem ao Governo as justificativas para os ajustes neoliberais sob todas as dimensões do Estado.
Seria previsível que em um cenário como esse os movimentos sociais saíssem às ruas para protestar e também pressionar o governo, até porque, muitas das principais organizações sociais que ainda possuem significativo grau de influência junto à classe trabalhadora se sentem partícipes desse Governo que ajudaram a eleger e ainda insinuam uma possibilidade de disputa à esquerda!!!!!
Mas essa talvez seja a pior de todas as cenas dessa tragédia anunciada por anos e anos de desarme ideológico, conciliações e priorização dos espaços institucionais em detrimento da organização da luta direta da classe por seus reais interesses históricos em relação ao Capital.
Sinalizo e destaco aqui que essas mesmas organizações ao mobilizarem todo o seu potencial para travar uma falsa batalha contra o chamado “golpismo institucional”, ao centrarem toda a sua ação política em um misto de histeria panfletária e hipnose na consciência, dissuadindo manifestantes à defesa da manutenção do Governo no poder, acabam desvirtuando a questão de fundo para uma cortina de fumaça, que encobre um jogo perverso e muito bem arquitetado pelo grande Capital, assumindo assim, o triste papel de coadjuvante nesse espetáculo deprimente de distorções e manipulações, que apenas aprofundam a grave crise ideológica que permeia os movimentos sociais, nos arrastando para um pântano onde, cada vez mais, as relações institucionais são hiper feiticheizadas e a manutenção no Planalto, de um Governo cada vez mais servil à ordem do Capital, passa a ser questão de “honra” em uma clara falta de perspectiva de classe e ausência de um projeto que possa estar além da reificação do modelo político atual e seus partidos da ordem.
Dragados para esse turbilhão de ilusões, os movimentos sociais vão sendo manipulados a descarregar todas as energias em algo que já está viciado e comprometido com a manutenção da ordem vigente, comprometendo, por sua vez, a necessária emancipação política e independência de classe para a retomada da luta sob outro patamar de resistência.
Um bom exemplo dessa postura servil, inconteste, na qual o Governo Dilma se encontra, está na recente declaração do ministro Barbosa, que defende alterações mais “drásticas” (leia-se conservadoras) na Lei de Responsabilidade Fiscal, no sentido de condicionar os gastos públicos em percentual fixo no PIB o que impõe um teto de gastos e investimentos ao Governo na forma da Lei assegurando-lhe dessa forma segurança jurídica para medidas mais coercitivas e impopulares.
Para ter uma ideia do que isso representa, entre as medidas anunciadas recentemente e previstas para serem enviadas ao Congresso em Março, estariam a suspensão de aumentos reais para o funcionalismo e até mesmo para o salário mínimo, cancelamento de novos concursos, redução no valor dos benefícios já concedidos e até mesmo a demissão dos servidores em estágio probatório.
A Política da Crise está dada… Ou seja, é interessante à Burguesia em suas variadas frações, tanto no momento presente, para pressionar o Governo atual dentro e fora do Congresso, quanto na recomposição do bloco de Poder que irá dirigir o Estado e aprofundar mais ainda as reformas necessárias para a manutenção da ordem; é interessante à oposição conservadora, que percebe a grande oportunidade de ver o seu programa ser implementado com algumas ressalvas, deixando o desgaste político para o Governo do PT, atolado em esquemas de corrupção e desmoralizado cada vez mais com o desgaste do aumento do desemprego e a precarização das condições de vida da população mais pobre; ao FMI que se fortalece na região com os resultados da aplicação das políticas de austeridade fiscal; aos setores mais reacionários da sociedade, que aproveitam o ensejo de desmoralização política e ideológica do Governo, para oportunistamente, aprovar leis e medidas restritivas aos direitos democráticos e impulsionar a criminalização das presentes e futuras expressões de acirramento da luta de classes, assim como aos setores protofascistas – que vicejam com o aprofundamento da desmoralização do Governo – e que de forma maniqueísta tentam associar o PT a todo o conjunto da esquerda brasileira em uma clara tentativa de alimentar no senso comum o ódio e o preconceito anticomunista se retroalimentando desse preconceito para afirmar no presente e no futuro, as políticas mais reacionárias em curso; e por fim ao Capital internacional, que vem encontrando facilidades adicionais, seja pela atual política de concessões (privatizações), seja pela possibilidade de lucratividade com as mudanças trabalhistas, previdenciárias e a redução real (mais ainda) do valor dos salários no Brasil anunciada pelo ministro Nelson Barbosa.
Através dessa simbiose dialética entre o cenário econômico e o desgaste político do Governo, avançam os interesses neoliberais em torno do aumento do ideário das privatizações, do desgaste do Estado enquanto “coisa pública” e consecutivamente o aprofundamento do sistemático linchamento da imagem da Petrobrás, perante a opinião pública, o que levará, inevitavelmente, ao banco dos réus para um futuro processo de privatização assim como tantas outras empresas e áreas estratégicas para o desenvolvimento sob outra perspectiva e a segurança nacional.
Eis a expressão mais real da Política da Crise, do qual a tese do impeachment, da anulação das eleições dentre tantas outras questões que visam alimentar a polêmica e o desgaste sob o Governo, é parte constitutiva. Por sua vez, em determinado estágio desse processo, essa possibilidade pode mesmo vir a ocorrer, mas somente será consentida pelo Mercado quando se exaurirem todas as possibilidades de exprimir dividendos vantajosos desse processo.
Enquanto isso, seguimos convictos de que sob todo esse nebuloso e adverso cenário compete aos comunistas a necessidade em não baixar a guarda na defesa dos interesses da classe trabalhadora e na luta contra o avanço neoliberal sob todas as esferas do Estado, assim como na denúncia firme do mimetismo oportuno do Governo Dilma, do PT e de seus escudeiros, que insinuam à parcela da classe trabalhadora, um movimento pendular aparentemente
(*) Fábio Bezerra é professor e membro do Comitê Central do PCB