Dirigente popular critica manutenção dos contratos de concessão para áreas leiloadas do pré-sal
Ele também critica o fato de a Comissão organizada pela União não ter ouvido os representantes populares sobre a questão. “Ouviu o mercado, ouviu o Obama, ouviu setores ligados à Opep… Só faltou ouvir o povo”, alfineta.
Para o dirigente popular, a constituição de um fundo social com os recursos advindos do présal é satisfatória. Ele também destaca que a proposta governamental sobre o regime de partilha para as novas áreas do pré-sal é mais vantajosa do que o de concessão previsto no modelo anterior. Mas critica o fato de o Executivo ter excluído da redação da nova legislação as áreas já leiloadas.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida por Pagotto à reportagem da Caros Amigos.
Caros Amigos – Como você vê a proposta apresentada pelo governo federal para o pré-sal?
Ronaldo Pagotto – Em um aspecto não surpreendeu: trata-se de mais uma tentativa de conciliação de classes, de interesses antagônicos. Não é uma proposta que podemos dizer totalmente ruim, nem tampouco que é a melhor proposta popular. Apresenta aspectos positivos e negativos. Essa proposta preserva o mercado aberto e sem monopólio, inclusive os leilões para as áreas do pré-sal, chamadas de estratégicas pelo governo. Isso é um aspecto ruim, e daí decorre os demais. A descoberta do pré-sal não aconteceu da noite para o dia, uma parte dessa área já foi leiloada. Essa proposta foi construída por uma pequena comissão do governo, que ouviu o mercado, ouviu o Obama, ouviu setores ligados a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), a indústria petroquímica (quase toda privatizada), o IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo, que congrega as empresas do setor) e agora é submetida ao Congresso. Só faltou ouvir o povo, mais do que isso, acolher os interesses populares. Sai da Comissão e vai para o Congresso Nacional, com tramitação em regime de urgência. Um legislativo dominado por negociatas, com raras exceções, é que abordará um tema dessa importância, com base no velho toma lá, dá cá da política brasileira. Outro aspecto é que as regras não versam sobre o conjunto do tema da exploração e produção de petróleo e gás e, principalmente, da parte da área do pré-sal que já foi leiloada.
Caros Amigos – Especifique os aspectos positivos e negativos da proposta governamental?
Ronaldo Pagotto – Os aspectos positivos dizem respeito à forma de apropriação da renda do petróleo pelo Estado, combinando tributos e a partilha em óleo, mais vantajosa certamente, mas o principal é a constituição do Fundo Social. Portanto, combinando aumento da apropriação com um destino social e mais justo para essa renda. Isso constitui os dois aspectos positivos, com destaque para o Fundo Social. Mas essa destinação não é pacifica em dois pontos. O montante que será destinado para o Fundo e que tipo de projetos e programas esse Fundo proverá. A burguesia brasileira, anti popular e anti nacional como é, fará de tudo para reduzir ao máximo o volume que será destinado ao Fundo Social, assim como disputar o seu destino com projetos de infraestrutura, de financiamento do superávit, de políticas cambiais etc. Aprendemos na história que mesmo as mais singelas concessões ao povo foram objeto de disputa, quando não foram barradas pela subserviente classe dominante brasileira.
Os aspectos negativos referem-se à manutenção dos contratos de concessão para as demais áreas. Esse modelo de contrato é o mais nefasto do ponto de vista dos interesses populares e só esta em vigor em alguns países, com baixa produção.
Um segundo aspecto, é a disposição de manter a área já leiloada do pré-sal, que totaliza 28% da área. Os contratos, qualquer que sejam não devem ferir a soberania de um povo. Isso é parte da entrega da nossa riqueza para o capital, para as empresas privadas. Outra dimensão negativa é a manutenção dos royalties nos níveis atuais (máximo de 10% da produção) e com uma destinação absolutamente injusta, seguindo um critério de Estado e município hospedeiro e que não tem nenhuma relação com necessidade, densidade demográfica, e seu impacto nas economias locais. Não tem refletido em melhora do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Manter essa destinação é dar voz ao lobby dos Estados do Rio de Janeiro, atual detentor de aproximadamente 90% das reservas brasileiras, Espírito Santo e São Paulo. Também e preciso definir um teto para o contrato de partilha.
Caros Amigos – Você defende a volta do monopólio estatal do petróleo?
Ronaldo Pagotto – O monopólio estatal é a única forma de assegurar que os interesses coletivos, e por trás deles os interesses do povo, sejam garantidos. A ideia é combater a ideologia do mercado, que se traveste de ciência para justificar a maior presença do mercado até a livre regulação por ele. O petróleo é uma riqueza do povo, sua importância na economia e na sociedade é inquestionável, seu domínio associa soberania energética com soberania nacional. Portanto, não se trata de uma commodity comum, mas sim do principal insumo energético do planeta, uma riqueza, e como tal, não deve ser entregue para o setor privado, seja ele nacional ou internacional.
O monopólio versa sobre o ritmo da produção, o destino do óleo, o grau de risco ambiental, a contratação de pessoal, de tecnologia, de maquinário. São elementos estratégicos da política energética do setor. E devem ser orientadas a partir dos interesses nacionais e do povo brasileiro. Além desses aspectos, o monopólio é a melhor forma de garantir que a renda petroleira, líquida e certa, fique com o Estado e assim se possa aplicar em políticas sociais. Por fim, impede que essa reserva seja gerenciada a partir dos interesses dos grupos econômicos, que só visam maximizar seus lucros e manter o abastecimento do consumo da Europa, Japão e EUA (mais recentemente a China) de petróleo.
Caros Amigos – Como vê a criação de uma nova empresa pública para administrar o pré-sal?
Ronaldo Pagotto – A nova estatal, Petrosal, é absolutamente secundária e uma mera contingência jurídica à proposta do governo de adoção do contrato de partilha. Esse contrato prevê que uma parte da produção, em óleo cru, fica com o Estado. Por isso, precisaria de um órgão para gerenciar isso. Nasce como apêndice do contrato de partilha e não é uma medida central da proposta. Na minha avaliação e de muitos companheiros da Campanha, a Petrobras deve controlar o pré-sal.
Caros Amigos – O governo deve suspender os leilões de petróleo?
Ronaldo Pagotto – Deve cancelar os leilões para o pré-sal, para o pós-sal, para águas profundas e para o petróleo e gás em terra. Não precisamos da iniciativa privada e não devemos vender bilhetes premiados. Os bilhetes premiados devem ser aproveitados para enfrentar dívidas sociais e históricas com o povo e não para alimentar os parasitas da petro burguesia e o consumo desenfreado dos países do Atlântico Norte e Japão.
Os leilões, por si só, são parte de uma gestão neoliberal, que reserva ao Estado o papel de regulador e controlador do mercado em patamares atrativos e competitivos. Conhecemos a história desse setor, controlado por poucas empresas que formam grandes oligopólios e que comandou a política do petróleo no mundo por décadas. O que vemos é cada vez menos competição, e mais concentração de riquezas e poucas empresas dominando todo o mercado.
Caros Amigos – Que setores estão interessados em desgastar a Petrobras?
Ronaldo Pagotto – A Petrobras é uma empresa estratégica, e parte da memória coletiva do nosso povo. Foi construída em um capítulo que nos remete a uma das mais importantes lutas e vitórias do nosso povo e da classe trabalhadora brasileira. Exerceu o monopólio e representou os interesses populares por décadas. Com o neoliberalismo, o Brasil quebrou o monopólio estatal, abrindo o mercado para a competição entre as empresas. Hoje, a composição acionária da Petrobras é de maioria privada (62% do capital social é privado) e o Estado controla sua administração. Com isso, temos o controle e a gestão da empresa, mas não controlamos o destino dos seus lucros, cada vez mais exorbitantes. O setor privado fica dividido em atacar a Petrobras. Uma parte tem que sair em sua defesa, pois é acionista. Outra prefere combatê-la e optar por empresas privadas com o DNA totalmente privado e transnacional. Não julgo que a empresa seja alvo e ataques em demasia. Acredito que muito do que ocorre é por disputas entre grandes players (“jogadores”) do petróleo. Para as grandes transnacionais do setor, atacá-la é garantir mais espaço no jovem mercado petrolífero brasileiro.
Caros Amigos – Os movimentos populares, liderados pela FUP (Federação Única dos Petroleiros) apresentaram um projeto de lei ao Congresso Nacional para o setor. O que acha desse projeto?
Ronaldo Pagotto – É uma iniciativa das forças populares da máxima importância. O projeto que foi construído por iniciativa dos petroleiros conta com a adesão de parte da Campanha e expressa os consensos construídos na Campanha O petróleo tem que ser nosso, nos últimos 10 meses. É uma iniciativa importante, porque afirma que queremos participar desse debate. O povo brasileiro deve participar e ser consultado, diretamente, sobre os rumos de nosso país. O problema é se ficar refém da tramitação no Congresso, onde sabemos que a correlação de forças é absolutamente ruim para os interesses populares. Salvo algumas exceções, honrosas e coerentes, não confiamos na hipótese de melhorar o que foi apresentado pelo governo.
Entrevista publicada em Caros Amigos