Dias que valem anos: Rosa Luxemburgo e a boa escola das lutas populares
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Uma memória dos sonhos e dos dizeres de outros tempos
Para jogar um pouco de luz nesse momento histórico ímpar que vivemos, com tantos levantes populares simultâneos, inimagináveis há pouquíssimo tempo atrás, e ao mesmo tempo homenagear o dia internacional de luta das mulheres, em seu sentido original, cabe muito bem trazer algumas palavras certeiras da revolucionária polonesa Rosa Luxemburgo – cujo nascimento completou 140 anos redondos neste dia 5 de março de 2011.
Vivendo desde 1898 na Alemanha, Rosa morreu em 1919 lutando pela revolução socialista neste país, que no início do século XX contava com um intenso desenvolvimento industrial, uma grande experiência de lutas da classe trabalhadora, com os sindicatos mais fortes da Europa e uma notável representação operária no parlamento nacional. Como um castelo de cartas que se derruba com um simples assoprar, a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) comprometeu todo esse patrimônio, afundando grande parte da classe trabalhadora e suas lideranças políticas nos interesses imperialistas favoráveis à guerra.
Contra a corrente, ativa em uma abnegada luta antimilitarista, Rosa Luxemburgo passou meses na prisão, acusada de incitamento à desobediência civil.
Neste período dramático e decisivo da história alemã – e mundial –, quando são criadas todas as condições para o surgimento do nazismo, Rosa lidera a formação de uma nova organização política em 1914, a Liga Spartacus, que retoma o nome daquele que liderou mais de 100 mil escravos na Antiguidade contra o poderoso Império Romano.
Rosa Luxemburgo ficou famosa pela belíssima frase “quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem”, e por suas duras críticas às burocracias sindicais e partidárias, que se apavoram quando a classe trabalhadora demonstra a sua capacidade de se movimentar para além dos cálculos e interesses dos seus “representantes” cristalizados, dirigentes estes de organizações políticas que acabam tornando-se máquinas com um fim em si mesmas.
O texto abaixo é uma boa demonstração de seu entendimento do papel representado, na história mundial, pela experiência direta dos povos em luta. Hoje, em relação aos levantes no norte da África e no Oriente Médio, ficamos com muitas dúvidas no que diz respeito ao alcance e à diversidade destes processos: por que na Líbia a cobertura midiática é tão diferente? Ao assumir uma cúpula militar no Egito deu-se terminada essa bela luta que tanto nos mobilizou? E na Tunísia? Os levantes chegarão à Arábia Saudita? Muitas dúvidas, mas uma coisa da qual não devemos duvidar é, justamente, a importância dessas lutas para a formação de uma cultura de liberdade e autonomia popular, com a qual os próximos governos destes países terão necessariamente de lidar (sejam eles dependentes ou independentes do consórcio EUA-Israel-União Europeia).
Eis as passagens de maior alcance do texto “O que os líderes estão fazendo?”, que Rosa Luxemburgo publicou no dia 7 de janeiro de 1919, com uma semana de fundação do Partido Comunista Alemão (criado no dia 31 de dezembro 1918 a partir da Liga Spartacus), quando estourava a revolução alemã que não vingou, mas pela qual ela morreu poucos dias depois, assassinada a 15 de janeiro de 1919 ao lado de outro dirigente revolucionário, Karl Libknecht.
“Na inflamada atmosfera da revolução, as pessoas e as coisas amadurecem com incrível rapidez. (…) As massas são o autêntico poder, o verdadeiro poder, em virtude da coação de ferro da história. Alguém pode colocá-las em correntes por enquanto, alguém pode formalmente privar suas organizações de qualquer poder – mas elas só precisam se agitar, apenas ajeitar sua coluna obstinadamente, e a terra irá tremer sob os pés da contra-revolução.
Qualquer um que testemunhou a manifestação da massa de ontem (…), que sentiu esta dura convicção revolucionária, este ânimo magnífico, esta energia que as massas transpiraram, deve concluir que, politicamente, os proletários cresceram enormemente através de sua experiência das semanas recentes, nos últimos acontecimentos. Eles tornaram-se conscientes do seu poder, e tudo o que resta é eles beneficiarem-se deste poder.
(…) Sim, é uma revolução com todo seu desenvolvimento externo caótico, com sua alternada decadência e fluidez, com surtos momentâneos rumo à captura do poder e também momentâneas recessões dos transgressores revolucionários. E a revolução está traçando o seu caminho passo a passo através de todo este aparente movimento em ziguezague e está marchando à frente de maneira invencível.
A massa deve aprender a lutar, a agir na própria luta. (…) Ajam! Ajam! Corajosamente, decididamente, consistentemente — este é o ‘maldito’ dever e obrigação dos dirigentes revolucionários e dos autênticos líderes do partido socialista. Desarmem a contra-revolução, armem as massas, ocupem todas as posições de poder. Ajam rápido! A revolução obriga. Suas horas contam-se em meses, seus dias como anos na história mundial. Deixem os órgãos da revolução conscientes de suas principais obrigações!”
*Rodrigo Oliveira Fonseca é jornalista formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em história social da cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), professor-bolsista e doutorando em estudos da linguagem na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Fonte: Identidade Bentes