Trabalhadores e movimentos em defesa do SUS apontam greve geral como estratégia para barrar retrocessos
Durante Seminário Nacional da Frente Contra a Privatização da Saúde representações dos estados e diversas entidades reforçam a necessidade de unidade para barrar a PEC 55 e as iniciativas de desmonte dos direitos assegurados pela Constituição
Raquel Júnia – EPSJV/Fiocruz
A urgência de articulação e unidade de ação entre os diversos movimentos sociais, trabalhadores e entidades não apenas em defesa do SUS, mas para barrar diversos retrocessos nas conquistas trazidas pela Constituição de 1988 pode ser uma síntese do VI Seminário Nacional da Frente Contra a Privatização da Saúde. Reunidos em Goiânia, um dos estados que mais avançaram no desmonte do SUS constitucional com a entrega de quase a totalidade dos serviços de saúde para as Organizações Sociais (OS’s), representantes de 15 estados discutiram em três dias formas de ampliar a mobilização. A luta para barrar a PEC do teto dos gastos públicos (PEC 55) no Senado, cuja votação está prevista para iniciar nesta semana, foi encarada como prioridade. “Nós estamos construindo uma caravana à Brasília no dia 29, data da votação no primeiro turno da PEC no Senado. Ainda que neste dia vá haver uma grande mobilização em Brasília, que vai expressar uma unidade grande e certamente gerar um grau de impacto, tudo indica que vai ser insuficiente”, afirmou Gibran Jordão, membro da coordenação geral da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra) e da secretaria executiva da central CSP Conlutas. O sindicalista, que participou de uma das mesas do evento, apontou a necessidade de os trabalhadores radicalizarem a resistência. “Pelo grau de ataque que a classe trabalhadora vem recebendo e pelo grau de unidade com o qual os três poderes vêm agindo no que é estratégico para a burguesia, o ideal é que tivéssemos hoje uma unidade ampla que possibilitasse a construção de uma greve geral no pais”, acrescentou.
A greve dos funcionários das universidades públicas federais, que já completou um mês e agora ganhou o reforço dos professores após a deflagração do movimento de paralisação pelo Andes Nacional – sindicato que representa os docentes – foi apontada como elemento importante no acúmulo de forças. Também participante do Seminário, o 1º vice-presidente do Andes, Luis Acosta, falou sobre a necessidade de reverter o processo que ele chamou de “apassivamento da classe trabalhadora”, como resultado dos governos de pacto social capitaneados pelo Partido dos Trabalhadores. “Isso passa por uma construção da unidade de luta. A greve da educação que estamos construindo não é um substituto da greve geral, não podemos ficar satisfeitos, é uma greve necessária, mas insuficiente. Devemos manter em nossa pauta a luta pela greve geral”, reforçou. Segundo Acosta, a CSP Conlutas aprovou em seu congresso nacional realizado neste ano a convocação de outras centrais e movimentos sociais para a construção em 2017 de um encontro nacional da classe trabalhadora. “Em 2017, ao comemorarmos os 100 anos do início de uma experiência de poder popular, como foi o caso da revolução socialista na Rússia, com todas as suas luzes e sombras, e os 50 anos do assassinato de Che Guevara, temos que fazer um esforço para superar a fragmentação dos movimentos sindicais e avançar no encontro nacional da classe trabalhadora. Acreditamos que esse pode ser um instrumento para a construção de uma greve geral”, apontou Acosta.
A necessidade de unidade foi ressaltada também pela presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Saúde Pública Estadual e Privado de Florianópolis e Região (Sindsaúde SC) Edileuza Fortuna. “Nosso papel enquanto militantes é continuar mobilizando os trabalhadores. Nós, movimentos sociais e sindicais, estamos perdendo para os estudantes, e precisamos apoiá-los, tomar esse gás novo pra gente. O movimento sindical não pode cair na tática de chamar uma manifestação duas vezes por mês, temos que unificar de verdade, não podemos unificar só na reunião e depois sair da reunião chamando dois atos em dias diferentes. Assim seremos derrotados”, alertou. Edileuza chamou atenção também para a conjuntura de maior criminalização dos movimentos, o que reforça a necessidade de unidade. “Se sairmos chamando eleições gerais nesse momento seremos derrotados e a direita reacionária é que pode assumir, como vimos nas eleições municipais. A lei antiterror vai ser usada contra estudantes, contra os pobres, contra os trabalhadores, a invasão da Escola Nacional Florestan Fernandes do MST foi um exemplo disso ”.
Crise do capitalismo
Apesar de algumas particularidades, os participantes do seminário apontaram que a situação do Brasil não é isolada, já que a conjuntura é de crise do capitalismo a nível mundial. “Nesse sentido é evidente a situação de ataques aos trabalhadores, do surgimento de movimentos neofacistas, ataques a imigrantes em vários países. É uma situação difícil e perigosa, e no caso da América Latina também está acompanhada de um refluxo dos movimentos sociais, a situação venezuelana é a mais preocupante e dramática, mas também é o caso da Argentina e do Brasil”, analisou Luis Acosta. O professor ressaltou também que o impeachment de Dilma Roussef, que rompeu com a política de pacto social colocada em prática durante os governos do PT, desencandeou ainda mais fortemente um ataque aos direitos dos trabalhadores, com um elemento novo: a militância do poder judiciário na defesa dos interesses burgueses. “Recentemente foi aprovado o ataque ao direito de greve dos servidores públicos e várias outras medidas estão em curso no poder judiciário. O estado está atuando como um bloco”, pontuou.Para o secretário geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Edmilson Costa, o mundo passa por uma das grandes crises sistêmicas do capitalismo, nas quais tenta-se fazer com que os trabalhadores paguem os ônus do esgotamento das forças produtivas. “Há mais de dez anos o capitalismo vem sofrendo uma crise sistêmica e os gestores do capital não encontraram até agora nenhuma fórmula para estabilizar a economia e retomar o crescimento econômico. Portanto, a crise que estamos vivendo é muito diferente das crises cíclicas do capitalismo. As crises normais, cíclicas, de tanto ocorrerem, já passaram a ser administradas pelo capital”, analisou.Segundo Edmilson, essa é a terceira grande crise do capitalismo e as duas anteriores resultaram em mudanças profundas na gestão do sistema. Na primeira grande crise – de 1873 a 1896 – o resultado foi a passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista. Na segunda crise – de 1929 e 1945 – com a ocorrência da segunda guerra mundial, deu-se a divisão do mundo entre os sistemas capitalista e socialista e o sistema capitalista respondeu com a construção do estado de bem estar social, agora em cheque. “Essa crise que estamos vivendo desde 2008 não tem tempo para acabar, ela só vai acabar quando todos os problemas forem resolvidos e isso tem deixado profundamente desesperados e irritados os capitalistas. Exatamente pela impossibilidade de sair da crise pelas vias keynesianas, pelas vias da intervenção do estado na economia, é que eles estão buscando a via da ofensiva contra direitos e garantias dos trabalhadores”, sintetizou.
Na avaliação do secretário geral do PCB, a crise no Brasil tem também elementos éticos, sociais e políticos, que se expressaram no processo de impeachment. “A crise aqui foi tão profunda que para a burguesia era necessário um ajuste brutal e rápido, mas o governo de coalizão tinha que fazer mudanças lentas por conta da sua base social, portanto, para a burguesia não interessava”, afirmou, refletindo ainda que as manifestações de 2013, nas quais centenas de milhares foram às ruas por fora da institucionalidade e dos espaços tradicionais de militância foram interpretados com clareza pela burguesia, que viu a necessidade de um governo puro sangue para implementar com mais agilidade os ajustes. Diante desse quadro, Edmilson alertou para a necessidade da reconstrução das organizações dos trabalhadores. “A crise vai forçar uma reorganização da esquerda, por isso temos que apoiar todas as frentes e movimentos porque isso consolida um processo de unidade de quem quer efetivamente o caminho para as transformações. Nós não devemos ter medo da crise, ela é difícil, nos causa prejuízos, mas todas as grandes mudanças da história da humanidade não foram feitas na calmaria. As crises sempre foram as grandes parteiras da humanidade”.
“Agora querem os anéis de volta”
Gibran Jordão reforçou que um governo de conciliação de classes, em tempos de crise, não consegue garantir ganhos para a burguesia e para os trabalhadores ao mesmo tempo, o que explica a destruição do estado de bem estar social nos países europeus, conquistado após os processos revolucionários do século XX. “A burguesia concedeu os anéis para não perder os dedos. Agora a burguesia olha para os trabalhadores e diz: ‘devolvam os anéis, nós queremos tudo de volta, existe uma crise econômica e vocês vão ter que fazer um sacrifício”, apontou. Na América Latina, segundo ele, a crise vem também com o aprofundamento do processo de colonização, com a superexploração dos recursos naturais, por exemplo. Para aprofundar esse processo, a estratégia da burguesia, foi, segundo Gibran, passar por cima das regras da democracia burguesa que eles próprios criaram, daí o processo de impeachment. “É por isso que o Henrique Meirelles [Ministro da Fazenda] volta no governo Temer e diz que é necessário fazer um ajuste de 20 anos, e que não pode ser um projeto de lei, não pode ser uma medida provisória e não pode ser um decreto presidencial. Tem que ser um projeto de emenda constitucional [PEC 55] que mude a estrutura do arcabouço legislativo do país, construído há quase 30 anos, porque a burguesia não sabe se esse governo termina esse mandato. Então qual seja o governo que assumir, temos uma mudança na Constituição e esse governo terá que cumprir”, detalhou.
Com esse mesmo espírito, segundo Gibran, a tentativa será de aprovar com agilidade as reformas estruturais que o capital precisa para ganhar um fôlego, como a trabalhista e a previdenciária. O sindicalista lembrou também que a burguesia aprendeu com as recentes experiências no continente europeu, onde a retirada de direitos não foi implementada sem resistência por parte dos trabalhadores, por isso, pressiona também pela reforma política. Para ele, a conjuntura reforça ainda mais a necessidade de unidade de ação, inclusive diante do crescimento da direita. “A conjuntura de 2016 não é mais a mesma de 2013, é uma conjuntura mais defensiva, se não entendermos isso vamos sofrer profundamente. Isso exige mais unidade, mais tolerância, mais disposição de luta unitária e para aceitar as diferenças dentro da esquerda. Exige de nós fazermos não só unidade sindical, mas unidade política”, disse. E concluiu: “Isso significa fazer autocrítica, fazer frentes de esquerda que apontem um projeto estratégico que não pode ser um projeto de conciliação de classes. Tem que ser um processo de ruptura com o capitalismo e o único processo de ruptura histórico que a humanidade conseguiu vislumbrar é o projeto socialista, não existe outro”.
Articulação
Na mesa de abertura do Seminário, diversas organizações e movimentos expressaram a defesa do SUS e a disposição para unidade em torno de pautas que afetam o conjunto dos trabalhadores como a resistência à PEC 55 e a reforma trabalhista e previdenciária. Participaram da abertura representantes de entidades representativas e movimentos sociais de Goiás, como o Conselho Municipal de Saúde de Goiânia, o Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde de Goiás (Sindsaúde GO), o Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Goiás, a associação dos professores da UFG em Catalão, e também nacionais, como o Conselho Federal de Serviço Social, a Executiva Nacional dos Estudantes de Enfermagem, a Intersindical, o Polo Comunista Luis Carlos Prestes, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). A reitora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maria Valéria Correia, também participou da abertura. Outras organizações e movimentos estiveram presentes durante os três dias de seminário como a Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (Denem).O evento, realizado na Faculdade de Educação da UFG, contou com a presença de 16 frentes e fóruns estaduais em defesa do SUS e contra a privatização da saúde dos estados de Goiás, Tocantins, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo (capital e Campinas),Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. No dia 25, primeiro dia do seminário, os participantes se somaram a outros movimentos e entidades de Goiás em uma manifestação contra a PEC 55. O protesto fez parte da jornada nacional de lutas contra as políticas regressivas colocadas em prática pelo governo Temer.
Ilustração: Abertura do VI Seminário Nacional da Frente contra a Privatização da Saúde Foto: Raquel Júnia
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