Dia Internacional de Solidariedade com a Palestina: nada para comemorar

imagempor Maria Landi

Kisan, Cisjordania, marzo 2015. Foto: Michaela WhittonEm 29 de novembro é celebrado o Dia Internacional de Solidariedade com a Palestina, instituído pela ONU em 1977. Neste dia, em muitos países em todo o mundo, comitês de solidariedade e governos realizam atos de comemoração, agitando bandeiras palestinas e fazendo discursos inflamados a favor da causa palestina. Mas dificilmente há uma data mais ambígua no calendário dessa causa, pois isso implica que o apoio ao direito do povo palestino à autodeterminação é celebrado no mesmo dia em que a comunidade internacional decidiu despojá-lo de mais da metade de seu território.

Na verdade, a data recorda a Resolução 181 da Assembleia Geral (AG) da ONU, que em 1947 recomendou a divisão do território da Palestina histórica para criar dois Estados, um judeu e um árabe. A proposta tinha sido feita por uma comissão especial (UNSCOP) criada para resolver a questão palestina, depois que o governo britânico anunciou a sua decisão de deixar a Palestina, em fevereiro de 1947, deixando à ONU o futuro do país. Na Comissão Especial (UNSCOP) os países ocidentais e seus aliados conseguiram se impor sobre os árabes e aprovar o plano de partição por maioria (como um consenso não foi alcançado), com total desprezo pelos interesses dos povos árabes nativos.

A resolução 181 é geralmente invocada como base para a criação do Estado de Israel pela ONU. O sionismo a considera sua «pedra angular». No entanto, muitos especialistas apontam a falácia de semelhante afirmação, com solidez jurídica e histórica: nem a Assembleia Geral (AG) nem o Conselho de Segurança tem poder de criar nem para dividir países ou dispor do seu território; de modo que o texto da resolução fala sempre de recomendação . Ainda assim, como bem apontam os países árabes, a proposta foi contra a letra e o espírito da Carta da ONU.

Houve também fortes argumentos contra a ideia de divisão, porque negava a vontade e o direito de autodeterminação do povo palestino; um direito recém consagrado na nova carta da ONU, num contexto mundial e regional de descolonização e da emergência de estados independentes. No entanto, cedendo à pressão sionista, ignorando as vozes críticas e até mesmo a proposta sensata dos países árabes de levar a questão ao Tribunal Internacional de Justiça, a AG aprovou a recomendação.

A ideia de dividir o território entre os povos nativos e os colonos imigrantes nunca foi levantada em qualquer outro evento histórico. Além disso, o plano concedia a minoria judaica imigrante 54 por cento do território; uma divisão sob todos os pontos de vista injusta e arbitrária, considerando as realidades demográficas do país. No final do século XIX as pessoas de religião judaica constituíam 2 por cento da população da Palestina. No final da Primeira Guerra Mundial – já iniciada a imigração sionista – chegou a 10 por cento. A contínua e massiva imigração vindo da Europa promovida pelo sionismo e facilitada pelo Mandato Britânico, ante o protesto e a resistência da população nativa, fez com que, no final da Segunda Guerra Mundial, os imigrantes judeus representassem um terço da população Palestina – embora a maioria era de imigrantes europeus .

O que é pouco analisado é o triste papel desempenhado pelos países latinos americanos, aliados de uma Europa com uma má consciência pelo recente holocausto e preso em sua área de influência. Guatemala, Peru e Uruguai integravam o UNSCOP e se alinharam com a posição recomendada pela partição da Palestina. E na Assembleia Geral, a grande maioria dos nossos países votou a favor; outro grupo menor se abstive e só Cuba votou contra. Em um mundo que emergia dos horrores da II Guerra Mundial, uma ONU recém-criada para não repeti-los e, em pleno impulso de descolonização do Médio Oriente, os países latino-americanos viraram as costas para o povo diretamente afetado pelo projeto colonial europeu, alinhando-se com os novos e velhos colonizadores. Até hoje Israel nunca perde a oportunidade para lembrar e agradecer o apoio Latino-Americano ao seu nascimento.

Convém esclarecer que os sionistas, que não simpatizavam com a partição da Palestina porque queriam a totalidade da “Terra de Israel”, ainda assim aceitaram a solução como temporária, uma vez agora tinham o pretexto que precisavam para iniciar a conquista e apropriação do território palestino restante.

De fato, imediatamente após aprovada a resolução, as milícias sionistas iniciaram , em dezembro de 1947, a limpeza étnica de aldeias, vilas e cidades palestinas, expulsando violentamente a população árabe e destruindo sua infraestrutura urbana para tornar impossível seu retorno e para apagar os vestígios dos crimes que cometeram. Na narrativa sionista oficial, a “guerra de independência” israelense começou com “a agressão dos exércitos árabes vizinhos”, em maio de 1948; mas a pesquisa histórica deixou claro que muito antes de um único soldado árabe pisar na Palestina para deter o avanço das forças sionistas, eles, os sionistas, já haviam despovoado, assassinado e destruído muitas cidades palestinas.

O resultado da agressão contra o povo palestino foi que um ano depois os sionistas haviam conquistado quase 80 por cento do território palestino. E estas “fronteiras” adquiridas através de guerra – e a assinatura do armistício com os países árabes – foram legitimadas em maio 1949, quando a ONU admitiu Israel sem exigir nenhuma das condições estabelecidas previamente: retorno as fronteiras previstas no plano de partição, reconhecendo o estatuto especial de Jerusalém e permitir o retorno da população palestina expulsa. O resto do território da Palestina (Cisjordânia e Gaza) foi ocupado em 1967 por outra guerra.

Agora, quando se fala de por fim à ocupação, que significa Israel se retirar dos territórios e permitir a criação de um Estado palestino, não se refere à divisão do território proposto (e nunca implementado) na resolução 181, mas nessas fronteiras móveis decorrente da ocupação militar, e, portanto, ilegal nos termos da Carta das Nações Unidas. Mas Israel não está satisfeito com os 80 por cento do território palestino histórico que ocupa; a agressão militar contra a gente árabe e a ocupação avançam.

Este 29 de novembro também marca quatro anos desde que a Assembleia Geral da ONU aprovou a incorporação da Palestina como um Estado observador. Por voto da maioria, que teve apoio dos países da Ásia, África e América Latina, não resultou em absolutamente nenhuma mudança real para o povo palestino, que continua a sobreviver sob ocupação militar e colonial na Cisjordânia e em Gaza, discriminados em Israel e em sua grande maioria refugiados ou exilados, proibidos de retornar à sua terra natal.

Esta data é uma oportunidade para lembrar o que já dissemos algumas vezes: a questão palestina não será resolvida sem o fim do sionismo, esta relíquia colonial que deu origem a um estado organizado com base na supremacia étnica – religiosa. Enquanto for assim, enquanto todas as pessoas que vivem nesta terra não tiverem os mesmos direitos, não haverá paz e não haverá justiça; não só no que restou do território histórico da Palestina, mas em toda a região, onde o projeto sionista foi imposto há quase sete décadas atrás.

Traduzido e postado por Blogger no SOMOS TODOS PALESTINOS em 11/29/2016

http://palestinalibre.org/articulo.php?a=62786