O filme mais triste do mundo
Documentário do cineasta Todd Southgate, narrado pelo ator Marcos Palmeira, faz um retrato da desolação que restou em Altamira e no rio Xingu após o enchimento do reservatório de Belo Monte
Publicado em 27 de novembro de 2016
Por Verena Glass
Quatro segundos, aos 16:26 minutos: é o tempo que aparece a imagem acima. Um pescador, rosto apoiado sobre o punho fechado, em sua canoa paralisada em um Xingu em agonia. Entre a vegetação boia lixo, e ao lado da embarcação, bolhas que apontam problemas de oxigenação da água.
Estes quatro segundos dão o tom do documentário “Belo Monte – depois da inundação”. Obviamente não é o filme mais triste do mundo; só que sim. Produzido no início do ano de 2016 pelo cineasta Todd Southgate – e narrado pelo ator Marcos Palmeira -, parte da profunda desesperança que restou na região afetada pela hidrelétrica de Belo Monte após o enchimento do reservatório.
Durante os cerca de 50 minutos de duração, este filme explicita a enormidade do crime cometido contra as pessoas e um dos rios mais majestosos da Amazônia, recuperando de forma didática uma linha do tempo de desmandos, violações da legislação e desprezo absoluto pelos fatores que apontavam a absoluta insanidade, sob todos os pontos de vista, deste projeto hidrelétrico.
Southgate focou seu olhar e sua câmara prioritariamente nas pessoas. Do choque com o aumento da violência – e, neste âmbito, destacadamente o feminicidio – a uma Altamira caótica, enredada em arames pontiagudos e fechada em grades e cercas.
Na monocultura de casinhas frágeis construídas pelo empreendedor da usina Norte Energia para estocar as centenas de famílias arrancadas de seus territórios, a câmara acompanha um morador por cômodos escuros. Todd pede pra que ascenda a luz, o que não é possível porque a energia havia sido cortada. O morador conta que já retirou as lâmpadas de vários soquetes para economizar, mas não adiantou. Mostra uma conta de luz de R$ 2.522,18 e explica: a renda familiar é de R$ 1.200,00. Como quitar uma conta daquele valor? É dar de comer aos filhos ou pagar a luz, e nem assim.
Talvez uma das cenas mais forte, principalmente para quem conhece o processo da resistência contra Belo Monte em Altamira, é a que acompanha Antonia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre, enquanto guarda quadros da família pouco antes da consumação de seu despejo. A câmara foca nas mãos que alisam um retrato, e o depositam numa caixa de papelão. Antonia, 66 anos, símbolo nacional e internacional de uma luta desesperada contra as violações de um governo autoritário, foi a última das moradoras de seu bairro a ter que abandonar a casa onde construiu sua vida e seus sonhos. Ele tenta falar. “Sair hoje daqui… sair daqui… então…”. As palavras engasgam; os olho mareiam
As falas de dor, denúncia, revolta e indignação se perfilam durante o documentário, entrecortadas por imagens da natureza e de pessoas agonizantes, peixes mortos, o Xingu desfigurado. Então aparece, como uma assombração, a então presidente Dilma Rousseff em seu discurso de inauguração de Belo Monte: “Grandiosa! A melhor forma de descrever Belo Monte é essa palavra: grandiosa! Eu quero dizer que esse empreendimento, Belo Monte, me orgulha muito pelo que produziu de ganhos sociais e ambientais”. As imagens de Dilma se misturam a cenas fortes de abandono e desolação. Uma monstruosidade que nada tem de grandiosa, decreta Antonia Melo.
“Belo Monte – depois da inundação” é um filme triste. Mas, apesar, ao final reafirma a grandeza das lutas e a importância das organizações sociais que atuam, contra a corrente, na defesa da Amazônia, de seus rios e de seus povos, do Xingu ao Tapajós. É um filme duro, cru. Mas essencial; e não de todo desesperançoso.
Lançamento
O documentário (veja o trailer), que já recebeu o Prêmio de Juri Popular no Fest Cineamazônia, em Rondônia, será lançado oficialmente em Brasília no dia 05 de dezembro, segunda feira, no Auditório Benedito Coutinho do Centro Universitário IESB, localizado na SGAN, Quadra 609 – Módulo D, L2 Norte. O evento, que começa às 19:00hs, terá a seguinte programação:
19:00 hs – Abertura com o violeiro Victor Batista
19:15 hs – Lançamento do livro “Impactos econômicos das construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: uma análise do provimento de serviços ecossistêmicos” do Conservation Strategy Fund (apresentacão: Camila Jericó Daminello – CSF)
19:30 hs – Exibição do filme “Belo Monte: Depois da Inundação”, com apresentação por Todd Southgate (Diretor e Produtor) e Brent Millikan (International Rivers)
20:30 hs – Debate com a presença de Antonia Melo da Silva e Raimunda Silva, do Movimento Xingu Vivo para Sempre, e outros convidados especiais
21:30hs – 22:30hs Coquetel
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Este evento marca também a abertura do seminário “Hidreletricas na Amazônia: Conflitos Socioambientais e Caminhos Alternativos” no dia 06, a partir das 9:00h, na plenária 8 do Anexo II da Câmara dos Deputados. Veja abaixo a programação