Proibição à entrada de refugiados faz ecoar um dos capítulos mais sombrios da história dos Estados Unidos
Um novo projeto de mídia social dá uma perspectiva histórica à ordem executiva de Trump
Por Ben Norton / AlterNet
Centenas de refugiados judeus foram rejeitados pelo governo dos EUA às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Muitos viriam a perecer nos campos de concentração do Holocausto. O Manifesto de Saint Louis (St. Louis Manifest), um novo e poderoso projeto no Twitter que leva o nome do navio que carregava essa preciosa carga humana, presta homenagem às suas vítimas no momento em que os EUA e outros países europeus banem muçulmanos fugindo de guerras catastróficas alimentadas pelo Ocidente.
Em maio de 1939, o MS St. Louis viajou de Hamburgo, Alemanha para Havana, Cuba. Quase todos os 937 passageiros do navio eram judeus, a maioria deles cidadãos alemães tentando escapar do regime nazista. Cuba, que era uma colônia virtual dos EUA na época, recusou-se a aceitar a maioria dos refugiados. Os jornais de direita e os políticos alimentaram o medo e a paranoia sobre aqueles que requeriam asilo, alegando que eram infiltrados comunistas.
Depois que Cuba os rejeitou, os passageiros do navio entraram em contato com o presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, pedindo asilo. Ele se recusou a responder. O Departamento de Estado e a Casa Branca decidiram rejeitá-los, agindo sob rígidas cotas de imigração e um sentimento xenófobo disseminado. Os refugiados foram forçados a retornar à Europa devastada, onde centenas morreram.
Meu nome é Lutz Grünthal. Os EUA me expulsaram na fronteira em 1939.
Fui assassinado em Auschwitz
@Stl_Manifest – 27 de janeiro de 2017
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O Manifesto de St. Louis coloca um rosto humano nos refugiados que foram recusados, usando fotos e histórias documentadas pelo Museu do Memorial do Holocausto dos EUA. O projeto foi lançado no Dia Internacional da Lembrança do Holocausto, que comemora o dia em 1945, quando Auschwitz-Birkenau, o maior campo de concentração nazista, foi libertado pelo Exército Vermelho da União Soviética.
Meu nome é Horst Rotholz. Os EUA me expulsaram na fronteira em 1939.
Fui assassinado em Auschwitz
@Stl_Manifest – 27 de janeiro de 2017
Russel Neiss, um educador e ativista judeu de St. Louis, cocriou o Manifesto de St. Louis com Charlie Schwartz, um rabino em Cambridge, Massachusetts. AlterNet entrevistou Neiss via e-mail.
“Foi feito por um desejo repentino, ontem à noite, ao longo de cerca de duas horas”, disse Neiss, referindo-se à quinta-feira, 26 de janeiro. “Seu objetivo principal é honrar a memória de um pequeno pedaço dos 10 milhões de vítimas dos nazistas em Dia Internacional da Memória do Holocausto”.
Meu nome é Selma Simon. Os EUA me expulsaram na fronteira em 1939.
Fui assassinado em Sobibor.
@Stl_Manifest 28 de janeiro de 2017
Os movimentos políticos de extrema-direita e a xenofobia antirefugiados estão em ascensão em todo o Ocidente, em meio a pior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial.
No Dia Internacional da Memória do Holocausto na sexta-feira, 27 de janeiro, o presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva explicitamente racista proibindo refugiados e proibindo os nacionais de sete países de maioria muçulmana de entrarem nos Estados Unidos, incluindo aqueles com cidadania e vistos. (Cinco dos países da lista negra estão atualmente sendo bombardeados pelos EUA, e os EUA desestabilizaram os outros dois.)
Neiss traçou paralelos entre a situação dos refugiados judeus que foram afastados há 80 anos e os refugiados muçulmanos fugindo das guerras apoiadas pelo Ocidente hoje.
“’Nós nos lembramos’ e ‘nunca mais’ devem ser mais do que chavões vazios”, disse.
Neiss condenou, em particular, a Organização Sionista da América (Zionist Organization of America) por sua posição antirefugiados. Os principais grupos pró-Israel pegaram carona na popularidade de Trump e expressaram apoio ou permaneceram em silêncio sobre as exageradas políticas antimuçulmanas e antirefugiados de Trump. A Organização Sionista dos Estados Unidos chegou até a receber Steve Bannon, um racista de extrema-direita que foi acusado de antissemitismo, para falar em sua noite de gala.
Neiss também criticou as Federações Judaicas da América do Norte (Jewish Federations of North America), o Comitê Judaico Americano (American Jewish Committee) e o Conselho Judaico de Assuntos Públicos (Jewish Council on Public Affairs), “por seu silêncio sobre o assunto”.
“Se o objetivo dessas organizações realmente significa ‘Nunca mais’ e ‘Nós nos lembramos’, eles deveriam fazer algo para provar isso”, disse ele.
“A Liga Antidifamação foi o único dos principais grupos judaicos a tomar uma posição pró-refugiados sobre esta questão e eles devem ser elogiados”, acrescentou Neiss.
O sentimento antimuçulmano que assola os EUA e a Europa hoje ecoa o antissemitismo do início do século XX. De fato, muitos dos mitos islamofóbicos de hoje empregam a mesma linguagem dos estereótipos antissemitas do passado.
Na Segunda Guerra Mundial, os nazistas e seus aliados fascistas mataram mais de seis milhões de judeus em um dos piores genocídios da história humana. Eles também assassinaram milhões de comunistas, socialistas, anarquistas, sindicalistas, feministas, ciganos, afrodescendentes, homossexuais e deficientes. A Alemanha nazista só foi derrotada devido aos enormes sacrifícios da União Soviética. Pelo menos 26 milhões de soviéticos – mais da metade deles civis – perderam a vida na luta contra o nazismo. Em contraste, apenas cerca de 400.000 americanos e 400.000 britânicos morreram na guerra.
Cerca de 20 milhões de chineses, dos quais mais de três quartos eram civis, também morreram na guerra contra o império fascista japonês, aliado à Alemanha nazista e à Itália fascista.
Ben Norton é repórter do Projeto Grayzone da AlterNet. Você pode segui-lo no Twitter no @BenjaminNorton.
Crédito da Foto: United States Holocaust Memorial Museum
Nota:
1. O texto original está em: http://www.alternet.org/news-
2. Tradução de César Locatelli