Nem justas nem livres: as eleições nos EUA
António Santos
ODIARIO.INFO
Enquanto os grandes meios de comunicação burgueses, comandados pelos EUA, prosseguem a campanha com que pretendem invalidar o voto popular na Venezuela, é útil recordar o que se passa no sistema eleitoral dos próprios Estados Unidos da América. Trata-se de um sistema que, de eleição em eleição, se revela uma antidemocrática farsa: nem ganha quem tem mais votos, nem participa quem se situa fora do partido único no poder, nem quem seja demasiado pobre para ter qualquer interesse em participar, além dos muitos milhões que o sistema exclui. Os seus eleitos não têm qualquer legitimidade democrática. Muito menos a têm para pretender dar lições de democracia.
Parece que a moda deste Verão é dizer que as eleições na Venezuela são uma fraude. Para quem o diz, não importam leis, instituições, votos contados nem tribunais: está tudo errado. A lógica é simples: se o processo eleitoral não é justo, livre ou transparente, de que serve esperar pelo veredito das instituições que contam os votos? E por que dar-se ao trabalho de juntar as provas da fraude e apresentá-las em tribunal? Não surpreende que a única linguagem destes «democratas» seja o golpe e a violência, naturalmente patrocinados pelos EUA, cujo único motivo sempre é, já sabemos, a defesa intransigente da democracia e dos Direitos Humanos, pois bem.
Eleitor não elege!
Em 2016, Hillary Clinton teve mais sete milhões de votos que Trump, mas perdeu. Nos EUA, não é o candidato mais votado que ganha as eleições presidenciais, porque não é o povo que elege o presidente, mas sim um Colégio Eleitoral cujos 538 membros votam como lhes apetece. Como o número de delegados ao Colégio depende da representação de cada Estado em ambas as câmaras, o voto dos cidadãos estadunidenses não tem o mesmo valor, e os Estados menores (também mais ricos e mais brancos) são privilegiados.
Comunista não entra!
Nos EUA só dois partidos podem candidatar-se em condições de justiça e igualdade: os dois partidos do grande capital. Legalmente, os debates na televisão são sempre entre o Partido Democrata e o Partido Republicano. Em cada Estado há um emaranhado de restrições burocráticas que vão da exigência de centenas de milhares de assinaturas ao pagamento de quantias fabulosas para formalizar a candidatura. Por exemplo, no Arizona, o Partido Comunista está proibido de se candidatar às eleições. O acesso democrático ao poder está, por princípio, financeiramente negado aos trabalhadores: nas últimas eleições presidenciais, por exemplo, a campanha eleitoral custou 16 bilhões de dólares. Na prática, só os bilionários é que podem apresentar candidaturas.
Pobre não vota!
Biden ganhou as últimas eleições com 81 milhões de votos, ou seja, apenas 24% da população adulta do país. 79 milhões abstiveram-se por, revela um estudo do Pew Research Center, não estarem inscritos, não terem interesse, não se identificarem com nenhum dos candidatos, ou simplesmente por sentirem que o seu voto não faria qualquer diferença. Consideremos também 40 milhões de trabalhadores imigrantes que vivem, trabalham e pagam impostos nos EUA, mas não podem votar. Somemos seis milhões de presos ou cadastrados (um em cada quatro negros da Flórida) que não podem votar, cerca de três milhões de adultos dos «territórios» coloniais, como Porto Rico, que também não podem eleger nem serem eleitos e outros três milhões de eleitores excluídos do direito ao voto por não terem acesso aos documentos exigidos para votar, como, em alguns Estados, a carteira de motorista. No total, 52 milhões de pessoas, mais da metade dos que votaram em Biden, não têm direito ao voto.
Nas eleições presidenciais de 2020, o segundo candidato mais votado acusou a fraude eleitoral, recusou-se a reconhecer os resultados oficiais e incentivou a extrema-direita a ensaiar uma tentativa de golpe de Estado que se limitou a deixar um rastro de caos e destruição no Capitólio. Mas que desenlace teria tido o putsch se dezenas de países poderosos tivessem decidido reconhecer imediatamente Trump como presidente eleito e os seus números como válidos, sem sequer esperar que as espúrias alegações de «fraude» se desmoronassem sem provas, uma a uma, em todos os tribunais?