As bases militares dos EUA na África
As bases militares dos EUA na África e o futuro da unidade africana
Socialist Movement of Ghana Research Group
Como se visualiza a pegada do Império?
As imagens deste dossiê mapeiam algumas das bases militares do Africom no continente africano – tanto “duradouras” como “não duradouras’” como são oficialmente chamadas. As fotos de satélite foram coletadas pelo artista de dados Josh Begley, que liderou um projeto de mapeamento para responder à pergunta: “como se mede uma pegada militar?”
Para este dossiê, o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social projetou fisicamente as imagens e as coordenadas desses lugares ocultos em um mapa da África, reconstruindo visualmente o aparato atual de militarização. Os pinos e fios conectando esses lugares nos lembram das “salas de guerra” da dominação colonial. Juntos, o conjunto de imagens é um testemunho visual da contínua “fragmentação e subordinação dos povos e governos do continente”, assim como este dossiê descreve.
Recusamos a simples sobrevivência. Queremos aliviar as pressões, libertar nosso campo da estagnação ou regressão medieval. Queremos democratizar nossa sociedade, abrir nossas mentes para um universo de responsabilidade coletiva, para que tenhamos a ousadia de inventar o futuro. Queremos mudar a administração e reconstruí-la com um tipo diferente de funcionário público. Queremos envolver nosso exército com o povo no trabalho produtivo e lembrá-lo constantemente que, sem formação patriótica, um soldado é apenas um criminoso com poder. Esse é o nosso programa político.
Thomas Sankara (Presidente, Burkina Faso) nas Nações Unidas, 4 de outubro de 1984.
Em 30 de maio de 2016, o Conselho de Paz e Segurança da União Africana (CPS) realizou sua 601ª reunião. Embora a agenda fosse ampla, os membros do CPS foram à reunião preocupados com uma série de conflitos: o colapso do Estado líbio e o impacto disso em todo o Sahel; as lutas em curso na região do Lago Chade com a persistência do Boko Haram; e as guerras que marcaram a região dos Grandes Lagos (com a perda da soberania da República Democrática do Congo em seu flanco oriental). A “responsabilidade principal por garantir uma prevenção eficaz de conflitos”, observou o CPS, “cabe aos Estados-membros”, nomeadamente os 55 países do continente africano, da Argélia ao Zimbabwe.
O CPS não precisava de explicações de ninguém sobre suas próprias limitações, que eram de dois tipos:
1. Fragmentação interna. Poucos meses antes da reunião de maio, o CPS havia autorizado o envio de 5 mil soldados da Missão Africana de Prevenção e Proteção ao Burundi. Isso se deveu em parte às persistentes causas do conflito de longa data nos Grandes Lagos, que incluiu a Guerra Civil do Burundi (1993-2005), bem como a crise política ocasionada pelo sufocamento do sistema político levado a cabo pelo presidente Pierre Nkurunziza, que levou a protestos e repressão estatal em 2015. Nkurunziza promoveu uma agenda entre os chefes de governo africanos para bloquear a decisão do CPS. A União Africana (UA) decidiu que a situação no Burundi tinha se acalmado, apesar do fato de as Nações Unidas terem encontrado provas de crimes contra a humanidade. Esse foi um exemplo da fragmentação da liderança africana, que impediu o CPS de mobilizar uma agenda.
2. Pressões externas. Em fevereiro/março de 2011, o CPS se reuniu para traçar um roteiro completo para conter o conflito na Líbia. Uma missão do CPS se reuniu em Nouakchott, na Mauritânia, para viajar a Trípoli, na Líbia, e abrir negociações com base no parágrafo 7 do comunicado do CPS. Esse parágrafo – conhecido como o “roteiro” – continha um elegante caminho de quatro pontos, incluindo a cessação das hostilidades, entrega de assistência humanitária por meio da cooperação, proteção de cidadãos estrangeiros e adoção e implementação de reformas políticas para eliminar as causas da crise. Tanto o governo da Líbia quanto a oposição inicialmente rejeitaram o roteiro, mas as vias para o diálogo permaneceram abertas, razão pela qual uma missão do CPS estava pronta para ir a Trípoli. Um dia antes da missão partir, a França e os Estados Unidos começaram a bombardear a Líbia. Esse bombardeio ocorreu sob a égide da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da resolução 1973 do Conselho de Segurança da ONU (votada por três países africanos: Gabão, Nigéria e África do Sul). A “intervenção humanitária” rapidamente excedeu o mandato da ONU de proteger os cidadãos, avançando em direção à mudança de regime e empregando imensa violência que resultou em vítimas civis. O desrespeito dos Estados do Atlântico Norte pela União Africana e pelo CPS passou praticamente despercebido.
Na esteira da guerra da Otan na Líbia, a região do Sahel passou por uma série de conflitos, muitos deles motivados pelo surgimento de formas de militarismo, pirataria e contrabando. A pretexto desses conflitos, e inflamados pela guerra da Otan, a França e os Estados Unidos intervieram militarmente em todo o Sahel. Em 2014, a França criou o G-5 Sahel, um arranjo militar que incluía Burkina Faso, Chade, Mali, Mauritânia e Níger, e expandiu ou abriu novas bases militares em Gao (Mali), N’Djamena (Chade), Niamey (Níger) e Ouagadougou (Burkina Faso). Os Estados Unidos, por sua vez, construíram uma enorme base de drones em Agadez (Níger), de onde realizam ataques de drones e vigilância aérea em todo o Sahel e no deserto do Saara. Essa é uma das muitas bases dos EUA no continente africano; ao total, tem-se conhecimento de 29 instalações militares estadunidenses em 15 países do continente, enquanto a França tem bases em dez países. Nenhum outro país de fora do continente possui tantas bases militares na África.
O número de bases militares estrangeiras no continente africano alarmou o CPS, que levantou essa questão como um ponto importante em sua reunião de maio de 2016:
O Conselho registrou com profunda preocupação a existência de bases militares estrangeiras e o estabelecimento de novas em alguns países africanos, juntamente com a incapacidade dos Estados-membros de monitorarem eficazmente o movimento de armas de e para essas bases militares estrangeiras. A esse respeito, o Conselho sublinhou a necessidade de os Estados Membros serem cautelosos sempre que entrem em acordos que conduzam ao estabelecimento de bases militares estrangeiras nos seus países.
Desde 2016, pouco avanço foi feito em relação à declaração do CPS. É revelador que o conselho não tenha nomeado os países que têm mais bases no continente, uma questão de quantidade que tem impacto na qualidade da supressão da soberania africana. Se o CPS tivesse identificado os Estados Unidos e a França como os principais países com bases militares na África, teria de reconhecer as razões específicas pelas quais ambas nações continuam a exigir uma presença militar para seus fins.
É importante reconhecer que esses desenvolvimentos não são a norma na história moderna da África e que tampouco são inevitáveis. Em 1965, o ex-presidente de Gana, Kwame Nkrumah, publicou um importante livro, Neo-Colonialism: The Last Stage of Imperialism [Neocolonialismo: o último estágio do imperialismo], que refletia sobre o fenômeno das bases militares. Esse foi um lugar comum durante a época do alto colonialismo, com bases em todo o continente, desde a base britânica em Salisbury, na antiga Rodésia (atual Harare, Zimbábue), até a base francesa em Mers El Kébir, na Argélia. Tanto os militares britânicos quanto os estadunidenses tinham bases na Líbia, desde a Base Aérea de Wheelus até os postos militares em Tobruk e El Adem. Em troca da terra e do direito de instalar tropas nesses locais, o Reino Unido e os EUA forneceram “ajuda” à Líbia, o que Nkrumah corretamente disse ser um pagamento pela perda de soberania. Aqui está a avaliação de Nkrumah dessas bases na África:
Uma potência mundial, tendo decidido com base em princípios de estratégia global, que é necessário ter uma base militar nesse ou naquele país nominalmente independente, deve assegurar que o país onde a base está situada seja amigável. Aqui está outra razão para a balcanização. Se a base pode estar situada em um país que é constituído economicamente de tal forma que não pode sobreviver sem “ajuda” substancial do poder militar possuidor da base, então, argumenta-se, a segurança da base pode ser garantida. Como muitas das outras suposições nas quais o neocolonialismo se baseia, isso é falso. A presença de bases estrangeiras desperta a hostilidade popular em relação aos arranjos neocoloniais, que os viabiliza mais rápida e seguramente que qualquer outra coisa, e em toda a África essas bases estão desaparecendo. A Líbia pode ser citada como um exemplo de como essa política falhou.
Em 1964, o egípcio Gamal Abdel Nasser exigiu a remoção dessas bases, e em 1970 – depois que o coronel Muammar Gaddafi derrubou a monarquia – as bases foram removidas. Cinco anos antes, Nkrumah julgou corretamente o estado de espírito do povo líbio. Esse humor, de 1965, vai até o presente. Desde que foi criado em 2007, o Comando da África do governo dos Estados Unidos (Africom) não conseguiu encontrar um lar no continente; a sede do Africom é em Stuttgart, Alemanha. O povo africano continua pressionando seus governos para não ceder às exigências dos EUA de transferir a sede do Africom da Europa para a África.
O neocolonialismo, observou Nkrumah, busca fragmentar a África, enfraquecer as instituições estatais africanas, impedir a unidade e a soberania africanas e, assim, inserir seu poder de subordinar as aspirações do continente à consolidação pan-africana. Nem a Organização da Unidade Africana (1963-2002) nem a União Africana (2002 em diante) foram capazes de realizar os dois princípios mais importantes do pan-africanismo: unidade política e soberania territorial. A presença duradoura de bases militares estrangeiras não apenas simboliza a falta de unidade e soberania; também impõe a fragmentação e subordinação dos povos e governos do continente.
A rendição da soberania
Em 2018, o Departamento de Defesa dos EUA propôs a Gana um Acordo de Status de Forças (Status of Forces Agreement – Sofa), de 20 milhões de dólares, que permitiria às forças militares estadunidenses expandir sua presença em Gana. Em março, a insatisfação generalizada com esse acordo levou grandes setores da população às ruas; os partidos da oposição, preocupados com a possibilidade de os EUA construírem uma base militar no país, levantaram suas objeções no parlamento. Em abril, o presidente de Gana, Nana Akufo-Addo, disse que seu governo “não ofereceu uma base militar e não oferecerá uma base militar aos Estados Unidos da América”. A Embaixada dos EUA em Acra repetiu esta declaração, dizendo que os “Estados Unidos não solicitaram, nem planejam estabelecer uma base ou bases militares em Gana”. O acordo Sofa foi assinado em maio de 2018.
Não é necessária uma leitura atenta do texto do acordo para saber que, de fato, existe a possibilidade de os EUA construírem uma base no país. O artigo 5, por exemplo, afirma:
Gana fornece, por meio deste, acesso e uso desimpedido das instalações e áreas acordadas às forças pertencentes ou contratadas pelos Estados Unidos e outros, conforme mutuamente acordado. Essas instalações e áreas acordadas, ou partes delas, fornecidas por Gana, serão designadas para uso exclusivo das forças dos Estados Unidos ou para serem usadas em conjunto por forças dos Estados Unidos e Gana. Gana também deve fornecer acesso e uso de uma pista que atenda aos requisitos das forças dos Estados Unidos.
Por meio desse artigo, os Estados Unidos têm permissão para criar suas próprias instalações militares em Gana. Seja qual for o entendimento, isso significa que podem estabelecer ali uma base. A rendição da soberania de Gana também vem à tona no artigo 6 do acordo Sofa que afirma que os EUA “teriam prioridade no acesso e uso das instalações e áreas acordadas” e que o referido uso e acesso por terceiros “pode ser autorizado com o consentimento expresso das forças de Gana e dos Estados Unidos”.
Além disso, o Artigo 3 diz que as tropas dos EUA “podem possuir e portar armas em Gana enquanto em serviço oficial” e devem receber “os privilégios, isenções e imunidades equivalentes àquelas concedidas ao pessoal administrativo e técnico de uma missão diplomática”. Em outras palavras, as tropas estadunidenses podem estar armadas e, se forem acusadas de um crime, não serão julgadas nos tribunais de Gana.
Em março de 2018, o ministro da defesa de Gana, Dominic Nitiwul, foi questionado em uma estação de rádio por Kwesi Pratt, do Fórum Socialista de Gana (FSG). Nitiwul afirmou que não havia nada de peculiar nesse acordo, uma vez que outros países africanos – como o Senegal – já o tinham assinado. Gana, disse Nitiwul, firmou acordos semelhantes com os EUA em 1998 e 2007, mas estes foram feitos em segredo porque não houve isenção de impostos. Pratt alertou que Gana estaria “renunciando à soberania” ao entrar nesse acordo. O sentimento geral no país era contrário à base, razão pela qual tanto o governo ganense quanto os EUA negaram que ela seria construída.
Pratt estava certo. A presença dos EUA no Aeroporto Internacional de Kotoka, em Acra, tornou-se o coração da Rede de Logística na África Ocidental das forças armadas dos EUA. Em 2018, voos semanais da Base Aérea de Ramstein, na Alemanha, pousaram em Acra com suprimentos (incluindo armas e munições) para pelo menos 1.800 soldados das Forças Especiais dos EUA espalhados pela África Ocidental. O brigadeiro-general Leonard Kosinski disse em 2019 que esse voo semanal era “basicamente uma rota de ônibus”. No aeroporto de Kotoka, os EUA mantêm um Local de Segurança Cooperativa. Essa é, efetivamente, uma base, exceto pelo nome.
A pegada estadunidense
O continente africano não possui um número excepcionalmente grande de bases militares estrangeiras. Elas podem ser encontradas em todo o mundo, das bases estadunidenses no Japão às bases britânicas na Austrália. Nenhum país tem maior pegada militar que os EUA. De acordo com o Plano de Operações Empresariais de Defesa Nacional dos Estados Unidos (2018-2022), suas Forças Armadas administram “um portfólio global que consiste em mais de 568 mil ativos (edifícios e estruturas), localizados em cerca de 4.800 locais em todo o mundo”.
Em 2019, o Africom produziu uma lista de algumas de suas bases militares conhecidas no continente africano, distinguindo entre aquelas com uma “pegada duradoura” (uma base permanente) e aquelas com uma “pegada não duradoura” ou as chamadas “lily pads” (bases semi-permanentes):
Pegadas duradouras Pegadas não duradouras
1. Chebelley, Djibouti 1. Bizerte, Tunísia
2. Camp Lemonnier, Djibouti 2. Arlit, Níger
3. Entebbe, Uganda 3. Dirkou, Níger
4. Mombasa, Quênia 4. Diffa, Níger
5. Manda Bay, Quênia 5. Ouallam, Níger
6. Libreville, Gabão 6. Bamako, Mali
7. St. Helena, Ilhas de Ascensão 7. Garoua, Camarões
8. Accra, Gana 8. Maroua, Camarões
9. Ouagadougou, Burkina Faso 9. Misrata, Líbia
10. Dakar, Senegal 10. Tripoli, Líbia
11. Agadez, Níger 11. Baledogle, Somália
12. Niamey, Níger 12. Bosaso, Somália
13. N’Djamena, Chade 13. Galkayo, Somália
14. Kismayo, Somália
15. Mogadishu, Somália
16. Wajir, Quênia
17. Kotoka, Gana
A lista não contém as bases onde os EUA usam “instalações do país anfitrião”, como em Singo (Uganda) e Theis (Senegal).
A grande presença das Forças Armadas dos Estados Unidos no continente africano não é surpresa. Eles possuem a maior força militar do planeta, tanto em termos do vasto número de recursos que investem em suas forças armadas e do alcance delas por meio de sua estrutura de base, como sua capacidade naval e aérea. Nenhuma outra força militar no mundo se compara à dos Estados Unidos, que gasta mais em seu orçamento militar que os 11 países seguintes juntos . A China, segundo lugar nessa lista, desembolsa apenas um terço do que os EUA gastam por ano.
A pegada militar dos EUA no continente africano não é apenas quantitativamente maior que a de qualquer outro país não africano no continente, mas a escala absoluta da presença e atividades dos militares lhes confere um caráter qualitativamente diferente; esse caráter inclui a capacidade dos Estados Unidos de defender seus interesses no continente e de tentar impedir qualquer competição séria ao seu controle de recursos e mercados. Existem duas tarefas que os militares dos EUA cumprem no continente:
Função de Gendarme. Os militares dos EUA operam não apenas para fornecer uma vantagem ao seu país e suas elites governantes, mas funcionam – junto com os exércitos de outras nações da Otan, incluindo a França – como fiador dos interesses corporativos ocidentais e dos princípios do capitalismo. Nkrumah chegou à mesma conclusão em 1965, afirmando que “as matérias-primas da África são uma consideração importante na construção militar dos países da Otan (…) Suas indústrias, especialmente as fábricas estratégicas e nucleares, dependem em grande medida dos materiais primários que vêm dos países menos desenvolvidos”. Relatórios das Forças Armadas dos EUA esboçam rotineiramente a responsabilidade da variedade de suas forças armadas para garantir um fluxo constante de matérias-primas para as corporações – especialmente energia – e para manter o livre movimento de mercadorias pelos canais de transporte. Esses relatórios incluem a Política Nacional de Energia (maio de 2001) do Grupo de Desenvolvimento de Política Energética Nacional, liderado pelo ex-vice-presidente Dick Cheney, e Avaliação e Fortalecimento da Base Industrial de Manufaturas e Defesa e a Resiliência da Cadeia de Abastecimento dos Estados Unidos (setembro de 2018) da Força-Tarefa Interagências em Cumprimento da Ordem Executiva 13806. Nesse sentido, os militares dos EUA – ao lado de seus parceiros da Otan – operam como gendarmes não para a comunidade mundial, mas para os beneficiários do capitalismo. Ao lado dos EUA está a França, cuja presença militar no Níger está intimamente ligada aos imperativos do setor energético francês, que exige o urânio extraído em Arlit (Níger). Uma em cada três lâmpadas francesas é alimentada pelo urânio desta cidade, que é guarnecida pelas tropas francesas.
A Nova Guerra Fria. À medida que os interesses comerciais públicos e privados da China aumentaram no continente africano, e à medida que as empresas chinesas superaram de forma consistente as empresas ocidentais, a pressão dos EUA para conter a China no continente aumentou. A Nova Estratégia para a África do governo dos EUA (2019) caracterizou a situação em termos competitivos: “Grandes potências concorrentes, nomeadamente a China e a Rússia, estão expandindo rapidamente a sua influência financeira e política na África. Eles estão deliberada e agressivamente direcionando seus investimentos para a região para obter uma vantagem competitiva sobre os Estados Unidos”. A União Europeia publicou, em seguida, com um relatório intitulado Em direção a uma Estratégia Abrangente com África (2020), que – embora não mencionasse diretamente a China – se preocupava com a “competição pelos recursos naturais”.
Esses dois pontos – a função de gendarme e a nova guerra fria – requerem mais elaboração.
Exploração de Recursos
A África é a segunda maior porção de terra do mundo, com a segunda maior população continental (1,34 mil milhões de pessoas em 2020) – mais que a população da América do Norte e da Europa juntas (1,1 mil milhões de pessoas). A Ásia é o maior continente, com a maior população (4,64 mil milhões de pessoas).
O subsolo africano possui uma série de recursos naturais importantes: 98% do cromo mundial, 90% do cobalto, 90% da platina, 70% do coltan, 70% da tantalita, 64% do manganês, 50% do seu ouro e 33% de seu urânio, bem como uma parcela significativa das reservas mundiais de outros minerais, como bauxita, diamantes, tântalo, tungstênio e estanho. O continente detém 30% de todas as reservas minerais, 12% das reservas conhecidas de petróleo, 8% do gás natural conhecido e 65% das terras aráveis do mundo. O Programa Ambiental da ONU estima que o capital natural da África representa entre 30% e 50% da riqueza total dos países africanos. Em 2012, a ONU estimou que os recursos naturais representaram 77% do total das exportações e 42% das receitas governamentais.
A dependência dos Estados africanos da exportação de matérias-primas de vários tipos – devido ao poder das corporações multinacionais e à falta de industrialização suficiente em uma série de países africanos – os colocou em uma posição de dependência do capital estrangeiro. Essa condição de dependência foi estruturada pelas políticas dos governantes coloniais, que mantiveram a atividade econômica no continente baseada no extrativismo e cultivo de matérias-primas que eram então vendidas por meio de concessões coloniais aos países de seus governantes. Essa dependência foi herdada por gerações de elites pós-coloniais que dela derivaram rendas e nada fizeram para alterar a estrutura. Os Estados africanos, portanto, dependem de receitas externas provenientes da exportação de matérias-primas, de programas de ajuda de governos ocidentais e de ajuda institucional.
Essa dependência cria caminhos indevidos para manipulações por parte desses governos estrangeiros que têm um interesse permanente na África. Os governos usam os recursos naturais para garantir a ajuda de parceiros estrangeiros, sem prestar atenção especial aos requisitos e condições da ajuda. Esses termos de ajuda sugam as receitas necessárias dos países africanos. Por exemplo, a Comissão Econômica da ONU para a África relata que, nos últimos 50 anos, fluxos financeiros ilícitos resultaram na perda de pelo menos 1 trilhão de dólares, “uma soma quase equivalente a toda a ajuda oficial ao desenvolvimento que o continente recebeu durante o mesmo período”. Esses são fundos preciosos que poderiam ser usados para diversificar as economias africanas, construir infraestruturas necessárias e aumentar os benefícios sociais no continente. A dependência econômica restringe as opções para os governos africanos, que se tornam cada vez mais subordinados aos interesses e poderes estrangeiros. Entre os governos economicamente subordinados, a vontade política de resistir à intervenção militar – desde o estabelecimento de novas bases estrangeiras até permitir que militares estrangeiros operem em uma miríade de outras maneiras – é insignificante.
Várias plataformas pan-africanas surgiram na última década para retificar esta dependência, incluindo a Estratégia Alternativa Africana para Programas de Ajuste Estrutural para Recuperação e Transformação Socioeconômica (1989), a Visão Mineira de África (2008), a Declaração de Gaborone para o Desenvolvimento Sustentável na África (2012), a Declaração de Arusha sobre a Estratégia de Desenvolvimento Sustentável da África Pós-Rio+20 (2012), o comunicado do Fórum de Desenvolvimento Africano na oitava cúpula (2014) e, depois, culminando com a adoção pela União Africana do primeiro Plano de Implementação Decenal (2014-2023), delineado no terceiro documento da Agenda 2063: A África que queremos (2015). Cada um desses documentos – com diferentes níveis de ênfase – aponta para a necessidade de quebrar a dependência das exportações de matérias-primas, administrar melhor os contratos firmados com empresas multinacionais e usar os recursos auferidos com as exportações para melhorar as condições de vida social, conforme condensado nos acordos da ONU sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
A falha em aproveitar adequadamente os recursos e conduzir um programa de desenvolvimento centrado nas pessoas produz o contexto social para conflitos políticos e militares, incluindo insurgências que muitas vezes reverberam nas divisões étnicas e religiosas, e para a expansão da migração em todo o continente e em direção à Europa. Esses dois resultados da crise econômica mais profunda dos Estados africanos – conflito e migração – produzem a justificativa superficial para países como os Estados Unidos e a França estabelecerem bases militares no continente:
Conflito. O governo dos EUA estabeleceu relações militares regulares – incluindo bases não permanentes – em São Tomé e Príncipe, no Golfo da Guiné. Por um lado, as explicações para a presença dos EUA não se esquivam de dizer diretamente que se trata do movimento do petróleo da Nigéria e do Golfo da Guiné para os Estados Unidos; a Nigéria, membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), é o décimo primeiro maior produtor do mundo. Por outro lado, o governo dos Estados Unidos afirma ter presença militar no Golfo da Guiné para conter o crescimento do militarismo islâmico, em particular Isis e Al-Qaeda, embora funcionários do governo concordem que esses grupos não têm uma presença ameaçadora lá.
Na África Central, o Africom está engajado há mais de uma década no treinamento do exército da República Democrática do Congo (RDC), particularmente em Camp Base, uma base militar nos arredores de Kisangani. De acordo com um comunicado do Africom em 2010, o treinamento militar seria “parte de uma parceria multilateral EUA-RDC de longo prazo para promover a reforma do setor de segurança no país, [que] ajudará o governo da RDC em seus esforços contínuos para transformar as Forças Armadas da RDC”. Essas relações entre a RDC e o Africom se aprofundaram desde então.
Uma grande descoberta de petróleo (estimada em 1,7 mil milhões de barris) foi feita na fronteira do Congo e Uganda na região do Lago Albert em 2007. Não é surpresa, portanto, ver que essa região se tornou fortemente militarizada. Isso é particularmente evidente na cidade de Beni, Kivu do Norte. Beni é o epicentro de uma série de assassinatos horríveis, muitas vezes atribuídos ao grupo rebelde de Uganda chamado Forças Democráticas Aliadas (FDA), que opera no Congo desde o início dos anos 1990. Em 27 de janeiro de 2021, uma delegação de oficiais do Africom chegou à RDC para discutir com os militares congoleses a necessidade de “cooperação e engajamentos, esforços de segurança e estabilidade e trabalho conjunto para profissionalizar ainda mais os militares da RDC e fortalecer os laços”.
Em 10 de março de 2021, o Departamento de Estado dos EUA designou as FDA como uma “Organização Terrorista Estrangeira” e “Terroristas Globais Especialmente Designados”, embora organizações locais e o Grupo de Especialistas da ONU na RDC afirmem que não há evidências para vincular as FDA ao Isis. O Departamento de Estado dos EUA adotou essa postura com base em uma afirmação feita pela Fundação Bridgeway, o braço de caridade da firma de investimentos Bridgeway Capital Management, com sede no Texas. Essa designação permite um aumento da presença militar dos EUA no Congo. A principal área de presença será adjacente às reservas de petróleo. Os militares dos EUA também continuarão a fornecer estabilidade para os ditadores africanos, que passaram a contar com o apoio dos EUA para sua longevidade.
Migração. Os programas de austeridade impulsionados pelo FMI e o fracasso dos Estados africanos em administrar as vendas de recursos de uma forma que proporcione vidas decentes às populações resultaram na migração em grande escala em todo o continente. Um quarto dos quase 41,3 milhões de migrantes deslocados devido à violência e ao conflito tentaram migrar para a Europa, enquanto o restante se mudou para dentro do continente. Os migrantes que desejam ir para a Europa atravessam o deserto do Saara até a Líbia, fraturada pela guerra da Otan, e depois cruzam o Mar Mediterrâneo. A viagem é perigosa, mas quando a ONU fez uma pesquisa entre aqueles que conseguiram atravessar as areias e as águas, mais de 90% dos migrantes afirmaram que fariam tudo novamente.
As tentativas europeias de impedir o fluxo de migrantes pelo Mar Mediterrâneo foram inúteis. Militares estrangeiros têm sido usados no Sahel para limitar a migração e manter os migrantes o mais longe possível da fronteira europeia. Em parte, é por isso que a França montou a Iniciativa G5 Sahel e os EUA construíram a grande base de drones em Agadez, que fornece importante vigilância aérea da migração na região. O que os países da Europa têm feito é exportar suas fronteiras para longe de seu próprio território e garantir que a dura interdição de refugiados e migrantes seja feita fora da cobertura de seus próprios meios de comunicação. Essa é uma espécie de terceirização da crise dos refugiados: o Ocidente consegue conduzir suas terríveis políticas anti-imigrantes ao mesmo tempo que consegue parecer inocente enquanto suas subsidiárias fazem o trabalho sujo. A Europa mudou sua fronteira sul da costa norte do Mar Mediterrâneo para a borda sul do Deserto do Saara, agora pontilhada com bases militares da Mauritânia ao Chade.
Os argumentos superficiais acerca da prevenção de conflitos e gestão da migração são lugares comuns. Mas, de vez em quando, motivações mais profundas vêm à tona por algumas autoridades americanas. Como disse o Comodoro John Nowell, que dirige a Estação de Parceria da África do Africom, em 2008: “Não estaríamos aqui se não fosse do interesse [dos EUA]”. Por “aqui”, o Comodoro Nowell quis dizer o continente africano.
A Nova Guerra Fria
Na Revisão Quadrienal de Defesa do governo dos Estados Unidos de 2006, os autores escreveram que, “dentre as potências emergentes, a China tem o maior potencial de qualquer nação para competir militarmente com os Estados Unidos e desenvolver tecnologias militares disruptivas que podem, com o tempo, compensar as vantagens tradicionais dos Estados Unidos”. Na verdade, a capacidade militar da China é amplamente defensiva, uma vez que desenvolveu suas habilidades militares para defender seu litoral e seu território. O ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, enfatizou que seu país está comprometido com o multilateralismo: “A China nunca busca hegemonia global”, disse ele em 24 de abril de 2021. O que os planejadores dos EUA indicam mais precisamente é que eles não gostariam de ver o poder comercial e político chinês desafiar a hegemonia geral dos Estados Unidos. Como disse o Comodoro Nowell, os interesses dos EUA são a razão da presença do país na região; qualquer ameaça a esses interesses deve ser minada por todos os meios necessários.
Em 2013, o governo chinês inaugurou a Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR). Antes de sua formalização, o Fórum de Cooperação China-África foi criado em 2000 entre Pequim e, inicialmente, 44 países africanos (53 dos 55 países do continente estabeleceram relações com a China, desde então, sob o Fórum). Desde 2013, a China investiu em quase todos os países africanos, todos os quais – exceto Eswatini (antiga Suazilândia) – romperam laços com Taiwan e reconheceram a República Popular da China.
Ao longo dos anos, a China assinou vários Memorandos de Entendimento com a União Africana, incluindo um em 2015 no âmbito da Agenda 2063 para apoiar a construção de infraestruturas. A China investiu grandes quantias de dinheiro em infraestruturas essenciais, como o projeto ferroviário Mali-Guiné e a linha ferroviária Sudão-Senegal; em infraestrutura de energia, como o projeto hidrelétrico Mambilla de 2600 MW na Nigéria e a Barragem Bui de 400 MW em Gana; e em telecomunicações, como equipamentos para a Etiópia, Gana, Quênia e Sudão. Em dezembro de 2020, deu início à construção da nova sede do Centro Africano para Controle e Prevenção de Doenças, financiado pela China, no valor de 80 milhões de dólares, ao sul de Adis Abeba, na Etiópia. Existem agora cerca de 600 projetos da ICR concluídos em todo o mundo.
A ajuda chinesa – ao contrário da ajuda do FMI, do investimento comercial ocidental e da assistência ao desenvolvimento no exterior – não vem com o vício das condicionalidades debilitantes. A evidência de termos mais favoráveis aparece em vários acordos assinados pela China, mas mais do que isso, vem da teoria chinesa do capital paciente, que até agora foi adotada dentro de suas fronteiras, mas lentamente – por meio de bancos estatais chineses – vem emergindo como um grande investidor fora de seu território. A China é agora o segundo maior país investidor do mundo, sendo o Banco de Exportação e Importação da China [China Export-Import Bank] e o Banco de Desenvolvimento da China [China Development Bank] os principais investidores. Os empréstimos que essas agências estatais oferecem são de longo prazo e não têm cronogramas de reembolso de curto prazo. A China entende perfeitamente que seus empréstimos são concedidos para liberar gargalos de infraestrutura e, portanto, apoiar o desenvolvimento social. Os países mutuários têm flexibilidade, uma vez que os benefícios são previstos a longo prazo. Por exemplo, 30% do investimento na Ásia Central e 80% do investimento no Paquistão não serão recuperados.
Em vez de desenvolver sua própria política humanitária de ajuda comercial e de desenvolvimento que beneficiaria o povo africano, os Estados Unidos inauguraram uma “nova guerra fria” contra a China no continente africano. O desenvolvimento do Africom em 2007, juntamente com a escalada das bases militares americanas e aliadas no Sahel, no Chifre da África e em outros lugares, faz parte dessa nova guerra fria. Fundamentalmente, a nova guerra fria foi estruturada por uma guerra de (des)informação, que consiste em dois elementos principais:
O novo “colonialismo” da China. Surpreendentemente, as antigas potências coloniais, que continuam uma política neocolonial em relação à China – conforme ilustrado por Nkrumah e evidenciado na sua estrutura de base – agora voltam seus olhos para a China e a acusam de ser uma potência colonial. A principal retórica usada nessa guerra de (des)informação é que a China supostamente usa seus recursos financeiros para enredar os países em uma armadilha de dívidas, o que os obriga a entregar seus recursos a preços baixos. O termo “diplomacia da armadilha da dívida” é usado contra a China, mas não foi ela que aplicou os empréstimos de ajuste estrutural que levou a maioria dos países africanos a uma armadilha cataclísmica da dívida que só se aprofundou durante a pandemia. Não foi a China, mas o FMI, que levou adiante uma estrutura de política conduzida pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. Enquanto os EUA acusam a China de “se recusar a renegociar os termos [dos empréstimos] e, em seguida, assumir o controle da própria infraestrutura”, a realidade é que os credores chineses cancelaram, adiaram e reestruturaram os termos dos empréstimos existentes (antes e durante a pandemia) e nunca confiscou ativos soberanos de nenhum país. Dois professores seniores dos EUA publicaram um artigo no The Atlantic em fevereiro de 2021 com o título revelador “The Chinese Debt Trap is a Myth” [A armadilha da dívida chinesa é um mito]. A acusação de colonialismo contra a China é feita por países que têm uma história bem documentada de colonialismo e neocolonialismo na África.
Capacidade militar da China. As antigas potências coloniais acusam a China de aumentar sua presença militar na África; revivendo um tropo falso e datado, o comandante do Africom, General Townsend, recentemente fez afirmações infundadas de que a China pretende construir uma base naval na costa da África Ocidental. Na verdade, a presença militar chinesa é insignificante em comparação com a pegada militar ocidental. Em 2008, a China aderiu às manobras antipirataria no Chifre da África e no Golfo de Aden; essas operações foram baseadas na Resolução 1816 (2008) do Conselho de Segurança da ONU, que pediu aos Estados membros que fornecessem ao governo de transição da Somália “todos os meios necessários para reprimir atos de pirataria e assalto à mão armada”. Uma década após essas operações, a China desenvolveu sua primeira base militar ultramarina no Djibouti. O objetivo dessa base era duplo: primeiro, fornecer apoio logístico para embarcações de escolta de petroleiros chineses no Golfo de Aden e, segundo, apoiar as campanhas multinacionais antipirataria. Ao mesmo tempo, na região altamente militarizada do Chifre da África, o governo chinês financiou a construção da ferrovia elétrica Etiópia-Djibuti com um projeto de 4 bilhões de dólares, enquanto o Banco de Exportação e Importação da China financiou mais de 300 milhões de dólares em uma tubulação de água para levar água potável da Etiópia para o Djibuti. A abordagem da China para a paz é qualitativamente diferente das atividades militares estrangeiras ocidentais que se concentram nas funções de gendarme e armamento, optando por se centrar no desenvolvimento econômico liderado pela infraestrutura e redução da pobreza.
A União Africana
Em 2016, a União Africana (UA) levantou a questão das bases militares estrangeiras no continente africano. A discussão não foi aprofundada desde então. A dependência da União Africana de financiamento e recursos externos para as suas operações, incluindo a manutenção da paz, limitou a sua liberdade de tomar decisões independentes, estratégicas e táticas em suas operações. Para a manutenção da paz, por exemplo, os Estados africanos levantam apenas 2% do custo das operações de paz e segurança da UA, enquanto os financiadores estrangeiros – como a União Europeia – fornecem 98% dos fundos. Isso restringiu a capacidade do Conselho de Paz e Segurança de conduzir a sua própria agenda e é por isso que a UA não foi capaz de continuar a discussão em torno das bases militares estrangeiras de forma eficiente.
Em 15 de outubro de 2003, Nile Gardiner e James Carafano, da Heritage Foundation nos Estados Unidos, publicaram um documento oficial chamado US Military Assistance for Africa: A Better Solution [Assistência Militar dos EUA para a África: uma solução melhor]. Eles argumentaram que o governo dos EUA deveria criar um Comando dos EUA na África que interviria no continente “quando interesses nacionais vitais [dos EUA] forem ameaçados”, na mesma tradição do que foi feito na América Latina e no Caribe com o estabelecimento do Comando Sul dos EUA em 1963. Isso se tornou uma realidade em 2007. Dois países africanos, Botswana e Libéria, indicaram que teriam o prazer de abrigar a sede do Africom. Naquela época, a África do Sul expressou oposição à mudança do Africom para o continente. Através da intervenção da UA, tanto o Botswana como a Libéria recuaram.
O ânimo para evitar que a sede do Africom seja sediada no continente continua entre o povo africano. No entanto, isso não impediu os EUA e alguns chefes de Estado africanos. Em uma reunião com o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Blinken, em 27 de abril de 2021, o presidente nigeriano Muhammadu Buhari pediu aos Estados Unidos que realocassem a sede do Africom de Stuttgart, na Alemanha, para o continente africano, a fim de ajudar a combater as insurgências. A pressão crescente de islâmicos e outros dissidentes e o aumento da instabilidade na Nigéria podem ter contribuído para o apelo do presidente Buhari, embora ele não tenha sugerido a Nigéria como sede. A posição da Nigéria é uma grande mudança em relação à sua posição inicial que, há uma década, era contra a presença do Africom no continente. No entanto, as bases militares dos EUA proliferaram após essa data. A UA fez referência ao perigo dessa proliferação em 2016, mas, mesmo nessa altura, tudo o que a UA conseguiu reunir foram palavras tépidas: “preocupação” e “circunspecto”. Apesar dessas palavras, o Africom se insinuou na UA com um adido do PSC e funcionários da Divisão de Prevenção de Conflitos e Alerta Rápido da UA, bem como da Divisão de Operações de Apoio à Paz. Com a entrada do Africom na UA em nome da “interoperabilidade” para ligar as forças militares dos EUA às forças de manutenção da paz da UA, os EUA começaram a moldar o quadro de segurança da UA de forma mais direta.
Em seu livro sobre o neocolonialismo na África, Nkrumah escreveu:
O perigo para a paz mundial advém não da ação daqueles que procuram acabar com o neocolonialismo, mas da inação daqueles que permitem que ele continue. (…) Se a guerra mundial deve não ocorrer, ela deve ser evitada por ações positivas. Essa ação positiva está ao alcance dos povos daquelas áreas do mundo que agora sofrem com o neocolonialismo, mas só está ao seu alcance se agirem de uma vez, com resolução e em unidade.
Palavras de 1965 que soam verdadeiras ainda hoje.
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A versão em português encontra-se em thetricontinental.org/pt-pt/dossie-42-militarizacao-africa/
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