As balas de Washington
Alvos das balas de Washington: Patrice Lumumba (República Democrática do Congo), Fidel Castro (Cuba Socialista), Rafael Trujillo (República Dominicana), Ngo Dinh Diem (Vietnã do Sul). Fonte: boingboing.net
Uma história dos golpes e assassinatos da CIA
– Resenha do livro de Vijay Prashad, com prefácio de Evo Morales
por Jeremy Kuzmarov [*]
Durante a audiência de confirmação da sua nomeação em fevereiro de 2020, o mais recente diretor da CIA, William J. Burns, continuou a longa tradição da CIA de ameaçar a Rússia e a China juntamente com a Coreia do Norte. Disse também que o Irã não deveria ter permissão para obter uma arma nuclear.
O novo livro de Vijay Prashad, Washington Bullets: A History of the CIA, Coups, and Assassinations (New York, Monthly Review Press, 2020), detalha como a invenção de ameaças estrangeiras tem sido historicamente usada pela CIA para provocar guerras contra o Terceiro Mundo, a fim de aumentar o domínio das transnacionais dos EUA. No prefácio, Evo Morales Ayma, ex-presidente da Bolívia que foi deposto por um golpe apoiado pelos EUA em 2019, escreve que o livro de Prashad é sobre “balas que assassinaram processos democráticos, que assassinaram revoluções e que assassinaram esperanças.”
Vijay Prashad é um distinto analista político que escreveu importantes estudos sobre as intervenções imperialistas, as transnacionais e movimentos políticos do Terceiro Mundo. O seu último livro sintetiza a riqueza dos seus conhecimentos e inclui revelações pessoais de ex-agentes da CIA, como o falecido Charles Cogan, chefe do Directorate of Operations para o Próximo Oriente e Sul da Ásia (1979-1984), que disse a Prashad que no Afeganistão a CIA tinha desde o início “financiado os piores parceiros, muito antes da revolução iraniana e muito antes da intervenção soviética”.
Washington’s Bullets inicia-se na Guatemala com o golpe de 1954 que derrubou Jacob Arbenz, cuja moderada reforma agrária ameaçava os interesses da United Fruit Company. A sociedade de advogados do Secretário de Estado John Foster Dulles, Sullivan & Cromwell, havia representado a United Fruit e tanto Dulles como seu irmão Allen, diretor da CIA entre 1953 e 1961, eram seus grandes acionistas.
O ex-diretor da CIA Walter Bedell Smith tornou-se presidente da United Fruit após a remoção de Arbenz, e a secretária pessoal do presidente Dwight Eisenhower, Ann Whitman, era esposa do diretor de publicidade da United Fruit, Edmund Whitman. Depois do golpe, o sucessor de Arbenz, Castillo Armas, afirmou que “se for necessário transformar o país num cemitério para pacificá-lo, não hesitarei em fazê-lo”.
A CIA ajudou no banho de sangue fornecendo a Castillo listas de comunistas e, como presente, o seu manual de assassinatos. Este manual foi posteriormente aplicado em operações dirigidas contra revolucionários do Terceiro Mundo, como Patrice Lumumba do Congo (1961), Mehdi Ben Barka do Marrocos (1965), Che Guevara (1967) e Thomas Sankara do Burkina Faso (1987).
Sankara foi morto numa conspiração executada em estreita coordenação entre um agente da CIA da embaixada dos Estados Unidos em Burkina Faso e o serviço secreto francês, SDECE.
De acordo com Prashad, embora “muitas das balas dos assassinos tenham sido disparadas por pessoas que tinham seus próprios interesses paroquiais, rivalidades locais e ganhos mesquinhos, na maioria das vezes, foram ‘balas de Washington'”. O seu principal objetivo, diz, era “conter a onda que varreu o mundo a partir da Revolução de Outubro de 1917 e as muitas ondas que se desencadearam para formar o movimento anticolonialista”.
Prashad, como indicam estes comentários, enraíza os crimes da CIA na história mais ampla do colonialismo e na hostilidade das elites capitalistas mundiais contra o aumento de poder da classe trabalhadora gerado pela Revolução Russa. O imperialismo, ele lembra-nos, é a tentativa de “subordinar as pessoas para maximizar o roubo de recursos, trabalho e riqueza”. Os alvos das balas de Washington foram aqueles que, como Sankara e muitos outros, tentaram afirmar a soberania econômica de sua nação.
O padrão de comportamento da CIA foi estabelecido logo após a Segunda Guerra Mundial, apoiando na Europa fações políticas que haviam colaborado com os nazis contra os comunistas que lideravam a resistência ao nazismo. O trabalho da CIA, como Prashad escreve, ajudou a trazer de volta o cadáver da política reacionária para o bloco europeu.
No Japão, isso significou a criação de um novo partido (Partido Liberal Democrático, LDP) para derrotar os socialistas, absorvendo velhos fascistas (Ichiro Hatoyama e Nobusuke Kishi) e desenvolvendo laços duradouros com as grandes empresas e o crime organizado (Yoshio Kodama). Nobusuke Kishi, um criminoso de guerra de classe A, tornou-se mais tarde primeiro-ministro do Japão graças ao apoio dos EUA.
Em 1953, a CIA conseguiu derrubar o primeiro-ministro do Irã, legitimamente eleito, Mohammed Mossadegh, que procedera à nacionalização da indústria petrolífera iraniana. De 1960 a 1965, a agência tentou assassinar o líder revolucionário cubano Fidel Castro pelo menos oito vezes, enviando mafiosos com pílulas de veneno, canetas de veneno, um charuto envenenado, um traje de mergulho com tuberculose, toxina botulínica e outros agentes bacterianos mortais. No total, foram feitas 638 tentativas de assassinato – todas falharam.
Ngo Dinh Diem, presidente do Vietnã do Sul, era um aliado dos EUA. A CIA também orquestrou um golpe no Vietnã do Sul em 1963 contra os irmãos Diem, quando eles tentaram uma aproximação com a Frente de Libertação Nacional [1] .
Outro golpe foi levado a cabo na Indonésia contra o governo socialista de Achmed Sukarno, desencadeando em 1965 um banho de sangue anticomunista. O general Suharto foi escolhido para liderar o golpe de 1965 apoiado pela CIA. Ele ordenou massacres contra o Partido Comunista da Indonésia (PKI), que resultaram em cerca de um milhão de mortos.
O golpe indonésio de 1965 – como os precedentes na Guatemala e no Irã e o seguinte no Chile – seguiu um modus operandi envolvendo nove etapas diferentes:
1. Criar um grupo de influência para pressionar a opinião pública
2. Designar o homem certo no terreno
3. Certificar-se de que os generais estão preparados
4. Provocar uma crise econômica
5. Garantir o isolamento diplomático
6. Organizar grandes protestos de rua
7. Dar o sinal verde
8. Assassinato
9. Negar
Aperfeiçoado e refinado ao longo dos anos, quase todas estas etapas foram aplicadas mais recentemente no golpe Maidan de 2014 na Ucrânia e no golpe de direita contra Evo Morales na Bolívia em 2019.
Com respeito à economia, Prashad descobriu um estudo da CIA do início dos anos 1950 sobre como prejudicar a indústria cafeeira da Guatemala a fim de minar o governo Arbenz. Este estudo foi o precursor da campanha mais conhecida do governo Nixon de “fazer sofrer a economia do Chile” depois de os chilenos terem tido a ousadia de eleger um socialista, Salvador Allende, que nacionalizou a indústria do cobre do Chile (indústria antes controlada por duas empresas americanas, Kennecott e Anaconda, que fizeram lobby pelo golpe).
O chefe da agência da CIA na época do golpe chileno de 1973, que levou o general fascista Augusto Pinochet ao poder, era Henry Hecksher. Ele havia trabalhado clandestinamente como comprador de café na Guatemala na época do golpe contra Arbenz e subornou o coronel Hernán Monzon Aguirre, que se tornou o líder da junta que substituiu Arbenz.
Depois de ser promovido, Hecksher liderou as operações de subversão da CIA no Laos e na Indonésia no final dos anos 1950 e início dos 1960, antes de, no México, executar um projeto contra a Revolução Cubana. Hecksher era o equivalente a figuras sinistras como Lincoln Gordon, um anticomunista implacável que ajudou a orquestrar o golpe de 1964 no Brasil; Marshall Green, que ajudou a desencadear o golpe de 1965 na Indonésia; o agente da CIA Kermit Roosevelt ou o funcionário do Departamento de Estado Loy Henderson, que ajudaram a realizar o golpe contra Mossadegh.
As embaixadas dos EUA desempenharam um papel tão direto nos golpes em tantos países que durante a Guerra Fria era uma piada popular: “Por que nunca há golpes nos Estados Unidos? Porque lá não há embaixadas dos EUA”.
Um truque destas ações era o recrutamento de ativistas sindicais que pudessem expurgar comunistas e organizar greves contra governos de esquerda que ajudassem a facilitar o seu fim [2]. “Tudo era aceitável”, escreve Prashad, “para minar a luta de classe, tanto dentro da Europa quanto na libertação nacional de Estados”.
A atenção de Prashad às divisões de classe apresenta um antídoto para as habituais histórias de liberais sobre a CIA – como o livro Legacy of Ashes de Tim Weiner – que apresenta boas informações, mas não consegue analisar o que motivou a atividade desonesta da CIA.
Prashad escreve que “seja na Guatemala ou na Indonésia, ou pelo Programa Phoenix de 1967 (ou Chien dich Phung Hong) no Vietnã do Sul, o governo dos EUA e seus aliados incitaram os oligarcas locais e seus amigos das forças armadas a dizimar completamente a esquerda”. O Programa Phoenix foi um desastre no Vietnã como seria no Afeganistão – e o New York Times deveria saber isso.
Na América do Sul, a Operação Condor, dirigida pela CIA, matou cerca de 100 mil pessoas e prendeu cerca de meio milhão.
A CIA aliou-se com nazistas torturadores como Klaus Barbie, um agente altamente graduado dos serviços de segurança do General Hugo Banzer, presidente da Bolívia de 1971 a 1978 e figura chave da operação Condor. Muitas das vítimas da operação Condor eram defensores da Teologia da Libertação, que procurava aplicar o evangelho cristão às causas da justiça social.
A CIA ajudou também a liquidar as mudanças na África, apoiando atos como o golpe de 1971 no Sudão pelo coronel Gafar Nimiery, que depôs o major comunista Hashem al-Atta e resultou na execução do fundador do Partido Comunista do Sudão, Abdel Khaliq Mahjub.
No Oriente Médio, a cruzada da CIA contra o comunismo resultou numa preferência por fundamentalistas islâmicos como a família real saudita e o general paquistanês Zi-al-Huq (1978-1988), que mandou enforcar o seu antecessor Zulfaqir Ali Bhutto e armou violentos fundamentalistas jihadistas para no Afeganistão continuarem a guerra santa contra a União Soviética.
Quando um projeto do Terceiro Mundo surgiu na década de 1970 para promover a ideia de uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI) baseada no princípio do nacionalismo econômico, Washington trabalhou para minar o seu avanço por meio da deslegitimação da Assembleia Geral da ONU, que havia apoiado a NOEI em 1974. Foi neste período que os EUA começaram a pressionar o FMI para vincular empréstimos a programas de ajuste estrutural que eliminavam serviços do Estado e eram benéficos para as empresas multinacionais.
No século XXI, Washington usou descaradamente sanções para tentar minar governos desafiadores. Também ajudou a fabricar escândalos de corrupção, como os que derrubaram os políticos progressistas Lula e Dilma Rousseff no Brasil, cujas políticas tiraram quase 30 milhões de brasileiros da pobreza.
Prashad termina seu livro com uma citação de Otto René Castillo (1936-1967), poeta que levou os seus cadernos para as selvas da Guatemala na década de 1960 para lutar contra a ditadura imposta pelos EUA. Castillo escreveu:
“A coisa mais linda
Para aqueles que lutaram a vida inteira
É chegar ao fim e dizer
Acreditamos nas pessoas e na vida,
E a vida e as pessoas
Nunca nos decepcionaram”.
“Apolitical Intellectuals” de Otto Rene Castillo, poeta e ativista guatemalteco.
Estas palavras deviam perseguir todas as pessoas que trabalharam para a CIA; uma instituição do lado errado da humanidade desde a sua criação.
No cenário político cada vez mais autoritário de hoje, as críticas à CIA são poucas e raras. Muita gente que se considera de esquerda acredita na desinformação da CIA sobre a Rússia e celebram um presidente, Barack Obama, que foi grande apoiador da CIA. O presidente Obama selecionava com John O. Brennan da CIA alvos a serem mortos em ataques de drones. Os dois são figuras reverenciadas em alguns círculos liberais.
O livro de Prashad é neste sentido especialmente importante. Temos esperança que provoque a emergência de um movimento, que há muito está faltando, para abolir a CIA e suas ramificações como a National Endowment for Democracy (NED).
NT
[10] Ngo Dihn Dien : um criminoso utilizado por Washington. Foi afastado e morto no golpe de Estado militar fomentado pelos EUA quando pretendeu seguir uma política menos dependente.
[2] Recordemos a intenção de um dos impulsionadores da central sindical divisionista UGT: “quebrar a espinha à Intersindical” (CGTP).
[*] Editor executivo do Covert Action Magazine. É autor de quatro livros sobre a política externa dos EUA, incluindo Obama’s Unending Wars (Clarity Press, 2019) e The Russians Are Coming, Again , with John Marciano (Monthly Review Press, 2018). Contacto: jkuzmarov2@gmail.com
O original encontra-se em covertactionmagazine.com/…
Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .
Exibindo TIMGSM_0128866641_202105_4488036264_IR.pdf.