Secundaristas voltam às ruas

imagemA força e intransigência são as características fundamentais do governo golpista e seus aliados. Todas as reformas e medidas propostas até agora foram colocadas com uma rapidez sem igual, para que não houvesse tempo de discussão e avaliação na sociedade civil, além de serem asseguradas por meio da violência policial.

por Lucas Martins

Na última sexta-feira (10), os secundaristas paulistas saíram mais uma vez contra as reformas impopulares do governo, principalmente a reforma do ensino médio tratadas na MP 746 sancionado pelo Temer no último dia 16 de fevereiro. Com cerca de 100 manifestantes e envelopados o tempo todo por policiais conseguiram fazer uma mobilização importante, já que experientes em atos de rua, e que serviu de preparo para o grande ato nacional de paralisação de diversas categorias trabalhistas, sociais e estudantis do dia 15.

O roteiro da marcha foi tradicional. Concentraram-se no MASP, na Av. Paulista, por voltas das 17h40h e aguardaram a forte chuva parar de cair. Como manda a cartilha tucana a Polícia estava presente, e como sempre, em grande efetivo e fortemente armada, sendo da força tática ou praças, em número desproporcional, e muito maior, para aqueles estudantes que se concentravam embaixo do vão livre . Com o fim da chuva e a concentração chegando a quase 100 pessoas resolveram sair pela Avenida por volta das 19h00h, em direção a Secretaria de Educação do Estado, na Praça da República, região central. O enorme contingente policial foi acompanhando a manifestação, tanto pela frente por meio de motos e viaturas, pelos lados com um corredor humano e por trás, com mais um grande número de policias e viaturas. A Polícia cercou o ato de seu início ao seu fim.

A principal bandeira levada às ruas hoje, pelos estudantes foi a insatisfação com a reforma do ensino médio, promovida pelo governo federal desde o ano passado, que motivou a grande onda de ocupações estudantis no país em 2016, com mais de mil escolas e universidades ocupadas. Já acostumados em lutar contra reformas educacionais que lhes são enfiadas goela abaixo pelos governos, como aconteceu com a tentativa de reforma administrativa do governador Geraldo Alckmin (PSDB) nas escolas do estado de SP em 2015 ou a tentativa de privatização de escolas em Goiás, os estudantes não esquecem mais que a rua lhes dá voz como mais nada consegue.

Durante a caminhada pela Av. Paulista, seguiram com suas palavras de ordem, pedindo o fim da reforma, a desmilitarização da PM e chamando a atenção dos pedestres pelos quais passavam com um aviso “Trabalhador preste atenção! A nossa luta é pela educação”. Foi quando entraram na rua Consolação, no sentido centro, que começaram as provocações por partes dos policias. Chegando mais perto dos manifestantes, o cordão Policial que seguia por trás começou a dar cutucões e empurrões, com seus cassetetes nos estudantes mais próximos, algumas provocações verbais também foram faladas pelos PMs. A tensão continuou durante toda a descida pela rua Consolação.

O ato chegou à Praça da República, onde os estudantes encerraram pacificamente o ato depois de um pequeno jogral, admitindo que não tinham como continuar o ato mais por conta do tamanho do contingente que os acompanhava. Mas deixaram de aviso para aqueles que estavam presentes que no dia 15 estarão compondo a manifestação dos trabalhadores, também na Av. Paulista, lutando contra as reformas trabalhista, previdenciária e educacionais do governo.

A reforma educacional e a oposição estudantil

Proposta por meio de uma MP (medida provisória), a reforma do ensino médio foi colocada na pauta nacional por meio da força, uma vez que Medidas Provisórias são “um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República, em casos de relevância e urgência”. A utilização desse instrumento só foi necessária, como evidenciaram os estudantes que ocuparam suas escolas, pois o presidente não tinha interesse em dialogar. A justificava dada pelo governo para a utilização da MP, por conta da demora do Congresso em aprovar os PLs referentes ao ensino médio que tramitam nas câmaras, não se justifica como disse o próprio Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, “Não parece aceitável nem compatível com os princípios constitucionais da finalidade, da eficiência e até da razoabilidade que tal matéria, de forma abrupta, passe a ser objeto de normas contidas em medida provisória, que atropelam do dia para a noite esse esforço técnico e gerencial do próprio MEC, em diálogo com numerosos especialistas e com a comunidade, ao longo de anos” em parecer enviado ao STF, no qual considera a reforma inconstitucional.

Suas principais alterações são:

  • – Criar um currículo flexível, o aluno escolhe qual das cinco áreas seguir: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica e Profissional;
  • – Se tornam obrigatórias apenas Matemática, Língua Portuguesa e Língua Inglesa, durante todo o curso (que continua com três anos); Educação Física se torna facultativa;
  • – “Notório saber”, e não mais formação específica, já basta para que se possa lecionar;
  • – Aumenta a carga horária de 800 anuais (4 horas por dia) para 1.000 anuais (5 horas por dia).

As críticas são diversas. Especialistas ressaltam que o maior perigo dessa reforma é o aumento da desigualdade entre escolas, já que as unidades não são obrigadas a disponibilizarem as cinco áreas, e o fortalecimento da formação técnica para os alunos de perfil socioeconômico mais baixo. Outros questionam a falta que farão as matéria não obrigatórias, tidas como um perfil mais crítico como história, filosofia, geografia e sociologia. É nesse ponto que professores e alunos concordam. Muitos dos alunos que ocuparam seus colégios em 2016 o fizeram por conta de retirada das matérias de “humanas” do currículo. Mas a principal crítica encontrada entre professores, especialistas e alunos é a falta de diálogo e discussão sobre a reforma e a falta de legitimidade do presidente, interino, para fazê-la, pois sendo uma reforma estrutural não deveria ser vista de forma rápida.

Secundas de Luta

Era o ano 2015 e o governador Geraldo Alckmin, na tentativa de precarizar as escolas públicas avisou que iria reformar a estrutura das escolas estaduais. Em vez de concentrar em uma mesma unidade tanto os ensinos fundamental (fundamental 1 e 2) quanto o médio, as unidades passariam ter apenas ciclo único (uma escola seria apenas para o médio, outra apenas para o fundamental 1, outra apenas para o fundamenta 2). Assim os estudantes, pais e professores foram avisados que teriam que se adaptar aos caprichos do governador. Independente da organização familiar, uma vez que muitos irmãos em ciclos diferentes estudavam na mesma escola, a mudança vinha.

É então que alguns secundaristas ocuparam em outubro a escola “ E.E. DIADEMA”, em Diadema na periferia de São Paulo. Eles não aceitaram uma mudança hierárquica, sem nenhuma explicação ou diálogo. Resolveram inventar (como diria o governador) ou descobriram, de fato, que a escola era DELES. E dela fizeram sua morada. Tomaram o cadeado, levaram comida, colchão e cobertor. A ideia viralizou e, no dia seguinte uma outra escola, no centro da cidade, também foi ocupada. Em poucos dias a capital e todo o estado tinham cerca de 200 escolas ocupadas. O motivo? São alguns. Todos estavam insatisfeitos com a reforma autoritária. Mas não se restringia a isso. A consciência de que a escola podia deixar de ser uma espécie de prisão e se tornar deles foi o principal motor das ocupações. Também houve o evento cascata da violência causada pelo governo (especialidade de Alckmin e da PM paulista desde 2013), uma vez que a primeira ação foi mandar a polícia intimidar e ameaçar os alunos e logo após procurou a justiça pedindo diversas ordens de reintegração.

A situação virou uma verdadeira guerrilha (na visão de Fernando Padula Novaes, chefe de gabinete da Secretaria de Educação do Estado na época) na qual de um lado a Polícia, armada e disposta à guerra, violentava estudantes e de outro alunos buscavam seus direitos nas ruas. A violência por parte da PM aumentava, pois o governo não via o movimento como digno de diálogo e por isso precisava responder a ação de seus “oponentes” como se estivessem em guerra. Os estudantes começaram a fazer atos nas ruas da capital. Este que eram violentamente reprimidos. Cenas dignas de uma ditadura foram vistas nos protestos. Mas a situação se tornou insustentável para o governador. Os pedidos judiciais de reintegração não surtiam efeito, uma vez que as ocupações eram vistas como uma forma legítima de manifestação, como disse o juiz Corregedor da Central de Mandados “as ocupações – realizadas majoritariamente pelos estudantes das próprias escolas revestem-se de caráter eminentemente protestante. Visa-se, pois, não à inversão da posse, a merecer proteção nesta via da ação possessória, mas sim à oitiva de uma pauta reivindicatória que busca maior participação da comunidade no processo decisório da gestão escolar”.A população começou a se solidarizar com os alunos. A violência gratuita da PM, tanto nos protestos, quanto nas ocupações, só as fortaleceu. Ele recuou. Foi obrigado pelos protestos a demitir Padula e o secretário da educação Herman Voorwald. E oficializou em decreto que deixaria a reforma para depois.

Essa foi a primeira vitória política dos secundaristas. Mas a grande conquista foi a de que entenderam uma escola nova. A principal característica das ocupações, que virou legado, era a de que elas eram estritamente secundaristas e autónomas, o que fez com que percebessem sua capacidade de organização. Ou seja, quem mandava, organizava, limpava e pensava a escola eram os ocupantes. Descobriram até bibliotecas e livros escondidos. A entrada da mídia, pais e curiosos era decisão deles. A manutenção do prédio era responsabilidade deles, uma vez que os funcionários não podiam entrar. E a escola, como espaço de formação e trocas foi repensada, ganhavam aulas públicas de qualquer um que quisesse doá-las e assim criavam seu próprio conteúdo escolar. A autonomia era a primazia das ocupações.

Já em 2016 mesmo com a reorganização oficialmente suspensa, Alckmin burlou a lei (e seu próprio decreto), e passou a fechar salas e transferir os alunos das salas fechadas. Era a reorganização não anunciada, que até hoje continua, ilegal e contra a vontade de alunos, pais e professores. Com isso os estudantes voltaram às ruas. A violência foi a resposta de Alckmin e sua polícia. O movimento ganhou força com as denúncias sobre a máfia da merenda um esquema de corrupção que desvia recursos e superfaturava o preço de alimentos – principalmente suco de laranjal – eram fornecidos pela Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf) para escolas estaduais. E não parou por ai. Os alunos das ETECs, escolas técnicas paulistas, vendo o tamanho das denúncias resolveram também se unir aos colegas e ir para as ruas.

Os estudantes tinham aprendido que ocupar era efetivo. Os secundaristas das ETECs ocuparam no dia 28 de abril o Centro Paula Souza, sede administrativa das escolas técnicas do estado. Suas pautas eram a criação de bandejões, onde não haviam, e melhora da comida servida nos bandejões existentes, sendo que até então só recebiam merenda seca e tinham aula em horário integral. Poucos dias depois, no dia 3 de maio diversos estudantes ocuparam a Alesp, para pressionar a criação de uma CPI que investigasse a máfia das merendas. A resposta de Alckmin? Para a ocupação do Centro Paula Souza ele mandou a tropa de choque retirar os estudantes um a um na força. Já na ocupação do legislativo, Fernando Capez (deputado do PSDB e presidente da Alesp, o braço de Alckmin no legislativo estadual) pressionado por ser um dos nomes ligados a máfia da merenda, conseguiu estabelecer uma multa diária e por pessoa de R$30.000,00. Os estudantes então se retiram, mas conseguindo que a CPI fosse instalada. No segundo semestre de 2016, uma nova onda de ocupações de escolas e universidades, em solidariedade, explodiu no país por conta da MP 746. A maior concentração de ocupações ocorreu no Paraná. Boa parte dos estados teve alguma escola ocupada.

Um caso excepcional ocorreu em SP, onde secundaristas tentaram ocupar escolas, mas eram rapidamente atacados pela polícia, que invadia sem ordem de reintegração (se utilizando de um argumento jurídico da ditadura, a “autotulela” do estado sobre o prédio público) a ocupação, que acabara de se realizar, e retirava os estudantes sobre a mira de armas. Era a linha dura que, o então Secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes adotava contra os jovens estudantes.

No resto do país as ocupações ocorreram no mesmo modelo das ocupações de 2015 em SP, mas chegando a mais de mil em too o território nacional. Completamente secundarista, quem cuidavam de tudo eram eles, não seus pais e professores ou funcionários, como sempre era ressaltado pelos alunos. Desde a infraestrutura, passando pela segurança, até as atividades como shows ou aulas doadas. Todos motivados a fazer retroceder a autoritária e inconstitucional reforma. Ou que ao menos fossem ouvidos. A resposta de Temer? Silenciou-se e os ignorou.

As ocupações foram perdendo força, por conta do tempo e das retaliações de pequenos grupos, esperando alguma resposta, e se desfazendo. No Paraná, ao mesmo tempo que era o epicentro das ocupações, tinha a reação mais violenta contra. O MBL, um grupo fascista, forçava a desocupação invadindo as escolas ocupadas e agredindo os estudantes ou assediando e ameaçando a ocupações. Assim acabaram as ocupações estudantis em 2016. Mas, como em 2015, estas também serviram para aumentar suas bagagens de luta e prepara-los para a defesa de direitos trazendo o movimento estudantil de volta.

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