A saúde no Rio de Janeiro: um caso exemplar de desmonte (e potencial resistência)
Foi o ministro Henrique Meirelles quem afirmou, há meses, que o caso do Rio de Janeiro deveria ser exemplar (referia-se ao plano de “recuperação” das finanças do Estado). Calote nos servidores, precarização e fechamento de serviços, entrega do patrimônio público e repressão aos trabalhadores em protesto contra o arrocho. Eis a receita do ministro.
O ataque ao SUS não vem de hoje, sabemos, mas é inegável a sua intensificação desde o ano passado, quando os donos do capital decidiram dispensar intermediários e gerir diretamente o seu negócio. De lá pra cá, no Rio, a agenda exemplar vem sendo implementada com harmonia invejável entre os governos federal, estadual e municipal. Ao congelamento dos gastos públicos por 20 anos, à lei da terceirização, às reformas trabalhista e da Previdência, ao beneficiamento escancarado do mercado privado de saúde, ao desmonte da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), somam-se o desmantelamento da UERJ, o sucateamento dos hospitais federais e universitários, os atrasos recorrentes de pagamento dos salários, demissões e ameaça de fechamento de clínicas da família por falta de pessoal e insumos básicos: como se vê, se são distintas as competências e a abrangência das medidas já efetivadas ou em curso, o sentido da política é o rigorosamente o mesmo. Trata-se de ataque sistêmico, que combina dramaticamente a retirada de recursos com o aumento, em tempos de crise, da demanda por atendimentos de saúde nas redes municipal, estadual e federal.
Com base numa consultoria contratada junto a uma instituição privada, o Hospital Sírio-Libanês, e sob a justificativa de melhoria da gestão da rede federal de saúde no Rio (composta por seis hospitais e três institutos), no final de junho o ministro Ricardo Barros anunciou um plano de reestruturação da rede e, ato contínuo, iniciou processo de demissão de funcionários (que até o fim do ano deve atingir a marca de 40% de redução da força de trabalho), encerrou a oferta de serviços especializados de alta complexidade, fechou clínicas e emergências de referência para a população da cidade e do estado. Em paralelo, Barros continua empenhado em apadrinhar “planos populares de saúde”, privados, destinados a ocuparem o vácuo deixado pelos serviços públicos que, também com empenho, o ministro vem patrocinando a destruição.
Alinhado a Barros, Temer e servindo aos mesmos senhores, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, na mesma semana, ampliou ainda mais o clima de incerteza que os trabalhadores em saúde da rede municipal experimentam diariamente – sobretudo os contratados por OSs – e decidiu não renovar os contratos de 11 clínicas da família das 13 existentes na Zona Oeste da cidade, o que praticamente significaria o fim da oferta de Atenção Básica naquela região. Terá sido a gota que faltava?
Não se sabe. Mas o fato é que, face aos repetidos ataques, parece estar ganhando novo impulso a articulação de forças em defesa do SUS na cidade do Rio. Partidos, sindicatos, movimentos, frentes já existentes (como o Fórum de Saúde do Rio de Janeiro) e recém-criadas (como a Frente em Defesa dos Institutos e Hospitais Federais do Rio de Janeiro – lançada no último dia 10 de julho), têm conseguido catalisar a energia de revolta e indignação que tomou conta dos trabalhadores do setor.
No último dia 1/8, uma assembleia relâmpago, convocada no mesmo dia, reuniu cerca de 300 profissionais e militantes da Saúde no auditório do Instituto Philippe Pinel (que havia acabado de fechar a sua emergência, por falta de profissionais e condições de trabalho), em face do vazamento da notícia do fechamento das 11 clínicas da família, para debater e organizar a resistência aos ataques. O recuo da prefeitura, no mesmo dia, e a manutenção dos contratos que não seriam renovados, certamente não foi por acaso. No dia 3/8, um ato de protesto, às 10h da manhã, em praça pública, levou cerca de mil profissionais de Saúde para a Cinelândia. E no dia 4/8, a cidade viu o que certamente foi o maior ato da saúde nos últimos anos: 5.000 pessoas foram pra frente da sede da Prefeitura gritar em alto e bom som: “A nossa luta é todo dia. Nossa saúde não é mercadoria”. Não haverá outro modo de resistir. O SUS foi resultado de luta. Só com luta conseguiremos fazer a sua defesa. Meirelles avisou: o Rio pode ser um caso exemplar! Cabe a nós dar ao ministro e a seus patrões a razão que eles merecem.