Trump – Os racistas e a extrema-direita

imagemDavid Brooks*

Se a história do homem é o percurso da violência, a verdade é que esta é sempre o meio escolhido pela direita na sua luta pela preservação do velho contra a chegada do novo.

A morte de Heather Heyer, de 32 anos, assassinada por atropelamento premeditado executado por um nazi norte-americano, transformou Charlottesville num marco histórico na luta unitária contra o fascismo
(http://www.workers.org/2017/08/22/charlottesville-momento-clave-en-la-lucha-unida-contra-el-fascismo/).

Donald Trump foi apontado como simpatizante de neonazis e supremacistas brancos, o que provocou fissuras entre os seus aliados políticos e empresariais e, talvez, a pior crise da sua ainda curta presidência.

Durante as últimas 24 horas, a cúpula política e empresarial do país e quase todo o leque de líderes de opinião, onde se incluem reconhecidos conservadores, qualificaram de inaceitáveis as declarações de Trump sobre a violência desencadeada por neonazis, defensores da supremacia branca e ultranacionalistas brancos, membros do Ku Klux Klan e milícias da extrema-direita em Charlottesville, Virgínia, no passado fim-de-semana, o que acabou por custar a vida a outros 19 manifestantes pacíficos, antirracistas que protestavam contra essa festa do ódio.

Depois de ser obrigado a criticar os grupos extremistas de direita, na segunda-feira passada, perante a intensa pressão por não o ter feito de forma explícita no sábado, quando culpou todos os bandos pela violência, o presidente reiterou a sua primeira posição, ao acusar que a esquerda foi tão violenta como a direita e que ambos os lados partilhavam a responsabilidade pelos fatos. Pior, afirmou que havia algumas pessoas finas entre os neonazis e os Ku Klux Klan, e que muita gente desse grupo estava ali para protestar de forma inocente e legal.

Nunca antes um presidente tinha assacado, ou minimamente justificado, elementos da ultradireita racista nos tempos modernos. Recorde-se que uma parte fundamental da história oficial deste país é o seu triunfo na guerra contra Hitler (quase nunca se menciona o papel dos russos). Os que participaram nesta guerra são conhecidos como a geração de ouro estadunidense. Os nazis foram sempre o equivalente ao mau da fita, da novela, conto ou história; são os inimigos de todos os valores estadunidenses. Trump atreveu-se a dizer, na essência, que nem todos os que marcharam sob símbolos e bandeiras nazis são necessariamente maus, e que os da esquerda são igualmente maus. Afirmar tal coisa tinha sido até agora impossível. Os comentários assombraram quase todo o mundo, inclusive dentro da sua própria equipe e, crê-se, o seu chefe de gabinete, John Kelly, pois, segundo comentaram os meios de comunicação tudo isto não estava no roteiro preparado para a conferência de imprensa no vestíbulo da Torre Trump, na segunda feira.

Os únicos que o aplaudiram foram os líderes neonazis, os nacionalistas brancos e os líderes do KKK. Imediatamente, quase todas as pessoas – inclusive figuras e meios conservadores leais ao presidente – criticaram ou condenaram, tendo as declarações de alguns especulado que isto poderia provocar uma profunda crise dentro do seu governo.

Na quarta-feira, perante os crescentes protestos de chefes executivos dos conselhos empresariais presidenciais pelos seus comentários, Trump decidiu dissolver estas entidades. Declarou num twiter que, em vez de pressionar os empresários do Conselho de Manufatura e do Fórum de Estratégia e Política, estava pondo fim a ambos. Mas o Fórum já o tinha informado por Stephen Schwarzman, executivo da poderosa empresa financeira Blackstone Group e aliado próximo do presidente, que a maioria dos executivos estavam a favor da dissolução daquela entidade.

Pelo menos seis executivos de empresas que integravam o Conselho de Manufatura já tinham renunciado, e outros estavam para o fazer, antes da decisão de Trump de o dissolver. Entretanto, as declarações de reprovação de líderes empresariais contra a posição de Trump sobre Charlottesville inundaram as redes, entre elas as dos executivos de JP Morgan Chase, Wal-Mart, Merck, e General Electric, entre muitas outras.

Em Washington, o líder da maioria republicana do Senado, Mitch McConnell, condenou todo os grupos de ódio e declarou que não há bons neonazis, ao mesmo tempo em que o presidente da Câmara de Representantes, Paul Ryan, expressou o seu repúdio aos racistas brancos. Vários legisladores proeminentes do partido do presidente e os ex-mandatários de Bush (pai e filho) fizeram declarações de condenação dos grupos de ódio e de reprovação indireta, mas óbvia, de Trump.

O senador conservador Orrin Hatch declarou: o meu irmão perdeu a vida combatendo Hitler para que as ideias nazis não sejam desafiadas em casa. Uns poucos atreveram-se a criticar pelo nome o presidente, mas as tensões dentro do Partido Republicano, sobre como abordar a mais recente barbaridade do seu presidente, continuam retumbando, e ouvem-se por toda a parte.

Entretanto, os principais chefes militares de cada ramo das forças armadas, numa ação pouco comum, emitiram condenações públicas dos grupos de ódio e, ainda que não anunciassem pelo nome do comandante em chefe, ficou clara a sua diferença quando afirmaram que não se pode tolerar o ódio racial e o extremismo, já que isso vai contra os nossos valores.

Melvin Marks, veterano da Segunda Guerra Mundial, de 93 anos de idade, condecorado pela sua luta contra os nazis, ajudou a criar uma nova página no facebook chamada “Veteranos da Segunda Guerra Mundial indignados por Trump”, e o Washington Post comentou que Trump acaba de pisar as tumbas dos 400 mil soldados que morreram nessa guerra contra Hitler.

Editoriais dos principais jornais denunciaram as declarações. O New York Times afirmou que é equivalência falsa culpar os dois lados pela violência de Charlottesville e que se tinham empregado argumentos dos próprios racistas. O Washington Post encabeçou o seu editorial com a ideia de que a nação só pode chorar, ao sublinhar que terça-feira foi um grande dia para David Duke (ex-líder do KKK) e racistas de todos os lugares. Na verdade, o presidente dos Estados Unidos afirmou que os respeita.

A capa do New York Daily News foi uma imagem de Trump sob um título enorme: ‘Simpatia pelos diabos’.

Opositores políticos do presidente condenaram as suas declarações e alguns pediram a sua demissão. O senador e ex-candidato presidencial Bernie Sanders twiteou que Trump está envergonhando o nosso país e os milhões de estadunidenses que lutaram e morreram para derrotar o nazismo.

Michael Moore, que faz parte do elenco de uma peça da Broadway, convidou todo o público da noite de terça-feira a ir à Torre Trump protestar – ofereceu transporte a 200 pessoas –, a uns quarteirões de distância, onde juntamente com os atores Mark Ruffalo, Olivia Wilde e Narisa Tomei todos gritaram em coro consignas contra o presidente.

Entretanto, hoje [dia 17/08], em Charlottesville realizou-se o funeral de Heather Heyer, de 32 anos, que morreu atropelada intencionalmente por um nazi no sábado. “Mataram a minha menina para a calar, mas acredito, acabaram por glorificá-la”, declarou a mãe de Heyer, Susan Bro, frente a centenas de simpatizantes que foram à cerimónia, entre os quais se encontrava o governador de Virgínia e o senador Tim Kaine. Da tribuna, apelou a todos os que conheceram a sua filha em todo o mundo “a fazerem o que Heather faria (…): lutar”. E continuou: “vamos ter as nossas diferenças, mas transformemos a nossa ira, não em ódio, não em medo (…) mas em ação pelo que é justo”.

*Correspondente nos EUA de La Jornada

Tradução de José Paulo Gascão

Este texto foi publicado em:

http://www.jornada.unam.mx/2017/08/17/mundo/027n1mun

http://www.odiario.info/trump-os-racistas-e-a-extrema/

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