PORTO RICO: Segunda invasão gringa?
Berta Joubert-Ceci
Porto Rico é há mais de um século uma colônia dos EUA. A dominação econômica tem se acentuado, nomeadamente com a lei aprovada durante a administração Obama que impôs a Porto Rico o pagamento de uma dívida pública ilegítima de $74 mil milhões. Agora, a pretexto de “ajudar” face à destruição provocada pelo furacão Maria, aumenta igualmente a presença militar.
Um ano depois de os Estados Unidos invadirem Porto Rico em 1898 e imporem um regime militar, a ilha foi fustigada pelo furacão San Ciríaco, que devastou quase na sua totalidade a infraestrutura insular. Isto serviu ao invasor para reestruturar o país segundo a sua conveniência. Destruindo uma economia agrícola que então cultivava – para além do açúcar – café e tabaco para exportação para a Europa, os EUA impuseram uma gigantesca plantação de cana para servir a sua indústria açucareira.
Os lucros iriam para Nova Iorque e Boston, sede dos seus escritórios, começando assim a sangria da riqueza boricua. Juntamente com isto, o Congresso dos EUA aprovou em 1900 a Acta Foraker, que ratificava o dólar estadunidense como moeda oficial de PR, substituindo assim o peso, que os EUA haviam já desvalorizado em janeiro de 1899. De um só golpe de mão gringo, os porto-riquenhos perderam 40 por cento das suas riquezas.
Agora, após a devastação do furacão Maria em 20 de setembro, parece que o império ianque se apresta a reestruturar novamente Porto Rico para que responda aos seus novos interesses nesta época em que o capitalismo se encontra em terrível decadência, o que não deixa de o tornar mais cruel e criminoso.
Esta reestruturação tinha já começado quando o Congresso dos EUA, sob a administração democrata de Obama, aprovou a Lei PROMESA para obrigar ao pagamento de uma dívida pública ilegítima e odiosa de $74 mil milhões. Dívida em relação à qual – há que reafirmá-lo – as autoridades recusam aceitar uma auditoria cidadã.
Imposta por esta lei chega uma Junta de Controle Fiscal de sete membros, associados a entidades bancárias, que dispõe e manda em PR, inclusivamente no governo insular. Justamente antes de María a JCF tinha já imposto um horroroso e prejudicial Plano Fiscal neoliberal contra o povo trabalhador, que afundaria ainda mais o povo na pobreza. PROMESA inclui também a privatização de entidades estatais como a Autoridade de Energia Eléctrica (AEE), sobretudo a sua parte produtora que é a que mais lucros gera.
É dentro deste quadro que chega a monumental devastação do furacão.
Pressagiando o que ocorre, a escritora Yarimar Bonilla escreveu um artigo em 22 de setembro sobre uma entrevista realizada a uma assessora financeira local. Esta “estava extremamente otimista sobre o clima econômico. Antecipando o descumprimento do governo, tinha reorientado os ativos dos seus clientes para ações estadunidenses…. ‘A única coisa de que necessitamos agora é um furacão’. Estava se referindo a como estes desastres naturais trazem dinheiro federal para a reconstrução e, frequentemente, se convertem numa bênção para a indústria da construção. ‘Ao sair do seu escritório, encorajou-me a comprar ações de Home Depot’” (Set. 22, Washington Post).
Militarização de PR
Passada quase uma semana do terrível acontecimento, o Pentágono anunciou a chegada a PR das suas forças para “ajudar o povo porto-riquenho”. Aumentou de 460 a 6.433 o pessoal do Departamento de Defesa estadunidense (DoD) e, segundo disse o governador Ricardo Roselló, “continuará a subir conforme as necessidades”.
De Forte Bliss do Texas chegarão entre 2 e 3 de Outubro 16 helicópteros. “O navio de assalto USS Wasp e aviões da Marinha estão também a caminho da Ilha, disse o tenente-coronel Jaime Davis, porta-voz do Pentágono” (elnuevodia.com, 1 de Outubro). Da Guarda Nacional vêm 210 oficiais da Policia Militar e pessoal de infantaria. Chegarão polícias de Nova Iorque e Nova Jersey. Supostamente o navio-hospital USNS Comfort arribará às costas de San Juan a 4 de outubro.
O Pentágono assumiu já com estes oficiais e o Corpo de Engenheiros o comando da “reconstrução” de PR. Nas diárias conferências de imprensa do governador vê-se este acompanhado de alguns destes oficiais, não esquecendo a FEMA, que está no comando da distribuição de alimentos, agua e materiais básicos.
E reside aí o grande problema agora em PR.
Enquanto nas câmaras de televisão e nas poucas cadeias de rádio que operam agora se anuncia que a entrega destes materiais está sendo feita aos 78 municípios da ilha, a realidade está muito longe desta descrição. Inclusive os mesmos meios noticiosos corporativos denunciam a falta de ajuda aos locais mais distantes da capital. Esses mesmos repórteres atravessaram rios e caminhos difíceis de transitar para chegar a essas comunidades e poder mostrá-las nos noticiários.
Comunidades após comunidades narram nas câmaras a tragédia e as condições infra-humanas em que estão passando isoladas do resto da ilha. Vivendo quase duas semanas em casas sem cobertura, sem eletricidade, água potável, comunicação, nem comida, tomando agua suja de regatos seguramente contaminados, onde também lavam a sua roupa e se banham. Enterrando os seus mortos no pátio.
Assim há grande quantidade de comunidades onde o “poderoso” exército estadunidense, que pode construir em poucos dias no deserto uma cidade com ar condicionado, como mostrou durante a invasão do Iraque, todavia não pode cruzar um rio para levar a ajuda necessária a estas comunidades. Este é um crime mais cometido pelo Pentágono.
FEMA, por seu lado, está cometendo outro crime.
Tanto FEMA como os militares atuam unidos e dependem um do outro. FEMA converteu-se no “coordenador” das ajudas que chegam à ilha e supostamente os militares ajudarão à sua distribuição. O problema é que isso realmente não ocorre, como indica o parágrafo anterior.
Mas o povo salva o povo
A diáspora boricua nos Estados Unidos vive intensamente o desespero dos seus familiares no arquipélago. Estes sentimentos impulsionaram um verdadeiro desejo de reconstrução começando pela recolha de artigos básicos necessários e o seu envio a PR. Entretanto, uma vez chegados à ilha, é FEMA quem toma conta dos vagões, demorando assim a sua distribuição. Milhares de contentores ficaram retidos nos portos, incluindo contentores de empresas que, sejam quais forem as razões que tenham, não retiraram os seus conteúdos, impedindo também assim a circulação de materiais necessitados.
O governo acusou os camionistas de não ajudarem na distribuição destes. Entretanto, os camionistas convocaram a imprensa para explicar que há dias que esperam que as agências os contratem para a distribuição, sendo repetidamente ignorados. Muitos deles ficam esperando por trabalho sem regressar aos seus lares para não utilizarem a gasolina dada a grande falta de combustível. Acusam, além disso, a empresa marítima Crowley de utilizar agências privadas de condutores, excluindo estes condutores boricuas independentes.
Perante isto, a diáspora boricua está procurando outras alternativas que não sejam o envio em contentores pela linha Crowley, optando por enviar independentemente. Pessoas que viajam a PR levam todas as malas que as linhas aéreas lhes permitem, para acomodar materiais para o povo. Ana, uma amiga desta escritora, que viajará em breve para a ilha, comentou que conseguiu uma passagem em primeira classe, o que lhe permite levar 70 libras por mala. Aí acomodará materiais, deixando atrás os seus pertences pessoais. Assim estão fazendo muitas pessoas para enviar materiais que, de outra maneira, não chegariam às comunidades que mais necessitam deles.
Em várias reportagens pode constatar-se como o povo se vai organizando por comunidades. Vizinhos que se unem para limpar os caminhos, reconstruir os seus lares com os materiais que ainda possam ser utilizados. O esforço é massivo. Brigadas de trabalho vindas da diáspora também se estão organizando para ajudar na reconstrução de Porto Rico.
Angélica Acosta, da Frente Socialista de Porto Rico, enviou a WW-MO o seguinte comentário: “A classe trabalhadora saiu à rua com os seus camiões, uniformes e muito mais para levantar o país como diariamente sabem fazer. Em outros lugares, conhecem finalmente os seus vizinhos ou compartilham mais com eles. O povo está compartilhando seus alimentos e utensílios. Há comunidades que começaram a levantar as casas destruídas, como povo valente que somos”.
A ajuda de artistas e personalidades – majoritariamente boricuas – que residem nos EUA está chegando individualmente. Desportistas levaram ajuda em aviões privados. Muitos estão recolhendo fundos para a recuperação do país. Porto Rico, à parte da grande tragédia, não está só. Outros países estão demostrando a sua solidariedade. A República Dominicana enviou gasolina. O Panamá também enviou ajudas.
Há organizações na ilha organizando brigadas para a distribuição de alimentos, água e medicamentos e para a reconstrução do país. Esta escritora se comunicou com Mercedes Martínez, presidente da Federação de Professores de PR, que é uma destas organizações que, juntamente com a CGT e a Jornada Se Acabaram as Promessas, iniciaram estas brigadas de trabalho em 3 de outubro. Além disso, a FMPR aceita doações através de ‘GoFundMe’.
Cuba ofereceu ajuda médica, mas até agora não se sabe se essa ajuda poderá chegar devido às leis coloniais impostas a PR pelos EUA. A alcaldesa de San Juan, Carmen Yulín Cruz Soto, aceitou a ajuda da Venezuela, que enviará gasolina. PDVSA, através da sua companhia Citgo nos EUA, pode enviar o produto. Para além disso, devido à pressão internacional para que seja revogada a Lei Jones de 1920 que impede PR de usar outra marinha mercante que não seja a estadunidense, com pessoal estadunidense e em navios construídos nos EUA, o presidente Núm 45 aceitou cancelá-la por 10 dias.
Atenção!
Em 3 de outubro Trump viajou até à ilha, num itinerário secreto. Mas não é apenas Trump quem visita. Há outros abutres que pairam para ver como se podem aproveitar de Porto Rico.
É aqui que está o problema maior: a reestruturação que o capital estadunidense quer fazer aproveitando a devastação da ilha. Espera-se também por estes dias a chegada de John Davies, presidente da Fundação Baton Rouge que participou na restruturação da Luisiana em 2005, depois da devastação do furacão Katrina. Davies vem assessorando o “Fundo de recuperação” que o Centro para uma Nova Economia (CNE) criou no dia 22 de setembro passado.
O CNE é integrado por banqueiros e assessores financeiros muito próximos do processo da Junta de Controle Fiscal. Aqui está o perigo da reestruturação com medidas neoliberais de privatizações. Medidas já incluídas na Lei PROMESA para privatizar o setor energético.
Não à militarização de Porto Rico!
Revogação das Leis PROMESA e Jones! Não às privatizações!
Reparações para o povo porto-riquenho por mais de um século de crimes dos EUA!
Ao povo o que é do povo!
Viva Porto Rico Livre e Soberano!
Original: https://www.workers.org/2017/
https://www.odiario.info/porto-rico-segunda-invasao-gringa/