Greve nacional no Chile: os conflitos e limites de um modelo

Trabalhadores chilenos convocaram nesta quarta-feira uma greve nacional de 48 horas. A paralisação evidencia a crise de um sistema que, apesar do êxito econômico, gera desigualdade e um crescente descontentamento social.

Uma greve nacional de dois dias teve início no Chile nesta quarta-feira (24/08), resultando em confrontos violentos entre policiais e grevistas. Segundo o governo, 36 pessoas ficaram feridas e 348 foram detidas nos confrontos.

Inúmeros sindicatos aderiram ao chamado da Central Unitária de Trabalhadores (CUT). A central sindical exige uma reforma tributária, da previdência social e do sistema de ensino, além de uma nova Constituição.

“Há uma escandalosa desigualdade social e econômica, cuja face mais suja é a forte concentração de riqueza do país, que faz com que os 20% mais ricos detenham 80% dos recursos nacionais”, afirma a CUT.

Durante anos, o Chile se orgulhou de ter a economia mais forte da região e foi apontado como um modelo para seus vizinhos. Hoje, o país sofre as consequências de um sistema marcado por desigualdades na distribuição de renda e nas oportunidades.

“O sistema neoliberal não é suficiente para estabelecer um dos bens mais importantes na vida de um país, a paz social. Estes protestos são um sintoma da insatisfação com esse sistema. Em um país rico como o Chile de hoje, é absolutamente necessário que os políticos encontrem formas de diálogo para solucionar esse problema”, diz o pesquisador Stefan Rinke, do Instituto de Estudos Latinoamericanos da Universidade Livre de Berlim.

“Se uma sociedade se esquece de seus jovens, isso traz grandes problemas, que podem gerar manifestações e protestos sociais ainda mais violentos”, completa o especialista em história latino-americana.

Educação em crise

Cara, ruim e elitizada: assim é caracterizada a educação chilena por aqueles que a criticam. O Chile é um dos países em que a contribuição estatal para a educação superior é mais baixa – inferior a 20% – e a maior parte dos custos fica por conta dos estudantes.

De acordo com um relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as universidades chilenas estão entre as mais caras do mundo. Estudar medicina no país, por exemplo, pode custar até 800 euros por mês. Em busca de melhores oportunidades, milhares de estudantes migram para a Argentina, onde há universidades públicas gratuitas.

Embora por lei a educação no Chile não deva ter fins lucrativos e seus lucros devam ser reinvestidos na própria universidade, isso não ocorre na prática. O fim dos lucros é uma das principais reivindicações dos estudantes, os quais veem as universidades – que recebem recursos do Estado – ganhando dinheiro enquanto eles se endividam.

“Os novos setores que têm acesso à educação superior ingressam num sistema com uma dívida que os acompanhará durante os primeiros 15 ou 20 anos de sua vida profissional”, aponta Juan Eduardo García-Huidobro, diretor de educação da Universidade Alberto Hurtado, em Santiago.

Um dos problemas básicos é a segmentação da sociedade. Quem tem uma renda mais baixa e estudou em escola pública, onde a educação é de pior qualidade, dificilmente terá acesso à universidade. Cerca da metade das famílias chilenas paga pela educação de seus filhos, buscando o melhor colégio possível de acordo com sua renda. Assim, há escolas para distintos grupos socioeconômicos, dependendo de quanto se pode pagar por elas.

A desigualdade social se reflete no desempenho acadêmico. Na PSU 2010 – prova de seleção nacional para ingressar nas universidades chilenas –, os alunos de colégios municipais gratuitos obtiveram uma média de 472 pontos; os dos particulares subsidiados (em que os pais pagam uma parte), 501; e os dos privados pagos, 611.

Ponto cego

A agitação social ultrapassou o âmbito da educação e o conflito adquiriu um caráter político. Diante da convocação da greve nacional, o governo ameaçou aplicar a Lei de Seguridade Interior do Estado, medida duramente criticada e que remete à repressão dos tempos do ditador Augusto Pinochet.

Para o chileno José Miguel Insulza, diretor da Organização dos Estados Americanos (OEA), isso seria um erro gravíssimo, pois não é o momento de reprimir manifestações, mas sim de canalizá-las.

“Este tipo de movimento juvenil é um sinal de esperança. Antes havia no Chile essa atitude dos jovens de ‘não estou nem aí’ e, com esse movimento, eles mostram a força que têm para se organizar e se fazer ouvir sobre um tema fundamental para o futuro do país”, diz Rinke. Contudo, ainda não se vê uma solução.

García-Huidobro diz que o conflito chegou a uma espécie de ponto cego, com inflexibilidade de ambos os lados. “O movimento social se sente com muito poder, eles sabem que têm um grande apoio. Pedem mudanças estruturais, de um sistema basicamente mercantil para um que volte a conceder ao Estado o papel central. E negar isso faz parte da ideologia de direita”, considera.

Autora: Victoria Dannemann (lpf)

Revisão: Alexandre Schossler

Fonte: http://www.dw-world.de/dw/article/0,,15343462,00.html?maca=bra-uol-eu-1391-xml-uol

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