Memória Comunista: 24 anos da morte do Cabo Vermelho

 

Memória Comunista: 24 anos da morte do Cabo Vermelho2

 

Há homens que lutam um dia e são bons,

Há outros que lutam um ano e são melhores,

Há os que lutam muitos anos e são muito bons.

Mas há os que lutam toda a vida

e esses são imprescindíveis.”

Bertoldo Brecht

O dia da pátria deveria ser um momento de reflexão e tomada de consciência pelos processos que vivemos e nos fizeram chegar até aqui. Enquanto um país que tem uma das burguesias mais cruéis e que, em momentos especiais, fez uso da força brutal utilizando a polícia e as forças armadas para derrotar, ao arrepio da lei, as lutas dos trabalhadores. Sete de setembro é um dia de luta que nos permite refletir sobre nossa história e sobre o futuro daqueles que querem mudar o mundo. Todavia, o dia da pátria sempre nos é apresentado a partir de um simbolismo cívico, revestido de patriotadas diletantes. Mas esse dia nos oferece outra possibilidade de reflexão, que nos traz à memória, a história e a honra de um militante. Foi nesse dia que cerrou os olhos, lá em 1987, o cabo Vermelho, um dos comandantes da Comuna de Natal, do governo provisório e revolucionário de quatro dias no Rio Grande do Norte, em 1935.

A Luta pela sobrevivência

Estou aqui trazendo para a reflexão, daqueles que lutam pela emancipação humana, a figura revolucionária de Giocondo Gerbasi Alves Dias, ou simplesmente Cabo Dias, ou mais precisamente, o Camarada Dias.

Giocondo Dias nasceu na cidade de Salvador, em 18 de novembro de 1913, no centro histórico dessa cidade, onde passou sua infância entre o Santo Antônio Além do Carmo, na Rua dos Ossos, na Saúde, na Rua do Jenipapeiro e no bairro do Tororó, na Rua José Duarte. Começou a trabalhar muito cedo em virtude do falecimento do seu pai, Antonio Alves Dias, o menino Giocondo passou a ter tarefas laborativas para ajudar sua mãe, Ana Maria Frederico Gerbasi e seus quatro irmãos (Maria das Dores, Gilberto, Gerson e Antonio).

Descendente de italianos por parte de mãe e de portugueses por parte de pai, Giocondo trabalhou em armazéns de secos e molhados e, depois, como ajudante de padres, em várias igrejas do centro histórico expandido de Salvador. A infância muito atribulada, com a luta pelo sustento da família não permitiu que ele terminasse sequer o curso primário, embora tenha se matriculado várias vezes. O que restava para um jovem pobre e lutador, naquele período, era ingressar no exército para garantir a continuidade do sustento da família. Porém, antes de entrar para o exército, ele entrou em contato com as ideias que movimentariam a sua vida, e pelas quais lutaria por toda a sua existência.

Primeiro, tomou conhecimento das ideias revolucionárias a partir do convívio com o tio Federico Gerbasi, sapateiro e anarquista, que morreu muito cedo de tuberculose. Depois, através do poeta Alberto Campos, que tinha ido trabalhar em Salvador como datilógrafo de uma firma de comércio. Esse literato foi o responsável pela educação inicial que Giocondo teve sobre as ideias do comunismo. Alberto Campos apresentou a ele o primeiro jornal do Partido Comunista Brasileiro, A Nação, que era dirigido, no Rio de Janeiro, por Leônidas Resende, isso, em 1927. Em 1931, o escritório de comércio onde ele trabalhava foi fechado em virtude das turbulências causadas pela crise do capitalismo de 1929. Pouco antes, o poeta Alberto Campos tinha sido candidato a deputado federal pelo BOC, em eleição anterior.

Em 1932, exatamente no dia 2 de abril, na cidade de Recife, em Pernambuco, Giocondo Dias se alista no 21º Batalhão de Caçadores e entra oficialmente para o exército brasileiro. Logo depois eclode o movimento de descontentamento da burguesia paulista com o Governo Getúlio Vargas, que ficou conhecido na história oficial como a “Revolução Constitucionalista de 1932” e o 21º BC é deslocado para Uberaba no dia 12 de julho de 1932, como reforço na luta contra a empreitada paulista. Esse batalhão seria importante nas contendas políticas do Brasil, na época de Giocondo.

Ao terminar sua participação nas disputas entre o governo de Vargas e as tropas arregimentadas pela burguesia paulista, o 21ºBC, que em 1931 havia se levantado contra o usineiro e governador de Pernambuco Lima Cavalcante, e quase foi dissolvido após esse episódio, foi enviado para a fronteira do Peru com a Bolívia. Giocondo, que havia participado de combates e operações, estava neste momento, numa região inóspita de fronteira, onde o batalhão foi quase liquidado por doenças tropicais. Esse batalhão sempre mostrou um desejo ardente por transformação social. Giocondo cita que ao chegar ao quartel, no início da sua vida militar, encontrou nas paredes muitas pichações com as seguintes frases: “Viva o Comunismo”, “Viva Luiz Carlos Prestes”.

Mas a ingerência política do então governador de Pernambuco, Lima Cavalcanti, não permitiria o retorno do 21º BC à sua terra e a saída foi fazer uma troca, o 29º BC de Natal iria para Pernambuco e o 21º BC iria para o Rio Grande do Norte. Manifestando assim, nesse momento, o uso e abuso das classes dominantes sobre o exército brasileiro.

O Cabo Vermelho

Giocondo Dias, por bravura e heroísmo na luta contra as tropas paulistas, tinha sido promovido a Cabo e recebeu um elogio no Boletim do 21º BC do dia 05 de junho de 1933, assinado pelo comandante, onde ele reverenciava a coragem do Cabo Dias. Estamos no ano de 1933, Giocondo agora se encontrava em Natal, onde sua liderança avançava dentro do quartel, juntamente com a do Cabo Estevão Juvenal Guerra. O tempo avança, entra em cena o ano de 1934, agora com 21 anos, Giocondo casa com Lourdes Tavares, estudante secundarista de 18 anos e mantém contato com o PCB formalmente, embora a sua entrada no Partido, para muitas fontes historiográficas, só tenha ocorrido em agosto de 1935.

O ano de 1934 é movimentado por muitas agitações políticas e com grande insatisfação popular nos centros urbanos, fazendo com que, ao final desse ano e início de 1935, ocorressem greves que deixaram paralisados mais de 1,5 milhões de trabalhadores pelo Brasil a fora. Operários, estudantes, lutadores antifascista, ressurgimento do CGT, contribuíram para que o ano de 1935 fosse fortalecido com a fundação, logo no seu início, da ANL (Aliança Nacional Libertadora), em 30 de março, com um programa progressista bastante mobilizador, com presença forte nos quartéis e com grande influência do PCB e de Prestes. Essa articulação aliancista, com caráter de frente, foi operada pelo PCB. Podemos afirmar que a ANL agrupou, em trezentas cidades e 17 Estados, algo mais que um milhão de pessoas. Esse amplo operador político encontrou a reação do governo Vargas e dos seus aparatos repressivos, foi fechado pelo governo em 12 de julho de 1935.

Começava então um momento de muitas precipitações políticas e de avaliações voluntaristas e dogmáticas. Foi lançada a palavra de ordem “Todo poder à Aliança Nacional Libertadora”. Essa palavra de ordem percorreu todo o país através da ação do PCB e as contradições se acirraram. Vários dirigentes foram afastados do PCB, pouco tempo depois, a exemplo de Astrogildo Pereira, Cristiano Cordeiro e Heitor Ferreira Lima, ou seja, dois fundadores do PCB e dois ex-Secretários-Gerais. Nesse momento, encontrava-se na liderança do Partido, como Secretário-Geral, o baiano radicado em Alagoinhas, Antônio Maciel Bonfim, mais conhecido pelo codinome de Miranda.

Após entrar para o Partido, Giocondo foi desenvolver a sua militância na mesma célula do sapateiro Praxedes e de outros militantes no bairro chamado Petrópolis, em Natal. Começa então uma grande articulação nacional que coloca a questão do poder na ordem do dia. Essa movimentação fica restrita ao aparato militar do partido e, para muitos historiadores, grande parte dos CRs (Comitês Regionais) do partido não tinham conhecimento do que estava ocorrendo. Finalmente, a partir de uma inflexão da base militar do PCB, articulada com poucos membros da cúpula do Partido, a partir das informações de Miranda e com o conhecimento de Prestes, é desencadeado o movimento insurrecional de 1935, o chamado Levante Comunista.

O movimento revolucionário começou em Natal, no Rio Grande do Norte, na noite do dia 23 de novembro, quando o 21º BC se subleva, tomando a cidade e o batalhão da polícia, depois de uma luta feroz que durou 19 horas. Os revolucionários têm o apoio da população e formam o Comitê Popular Revolucionário (CPR). O Cabo Dias, líder revolucionário do levante, participa, nesse momento, da indicação dos membros do governo provisório que foi composto por: Lauro Cortês Lago, ministro do interior, José Batista Galvão, ministro da viação, José Praxedes, sapateiro que era o Secretário- Político do PCB neste momento, ministro do abastecimento, Quintino Clemente de Barros, que era sargento, ministro da defesa e José Macedo, ministro das finanças. Está assim constituído o Primeiro Governo popular da República Brasileira, que ficou quatro dias no poder e que pode ser considerado o terceiro regime de inspiração soviética instalado no mundo depois da Revolução Russa de 1917. O primeiro foi na Hungria, em 1918, com a liderança de Bela Kun, o segundo nas Astúrias, em 1934, na Espanha e o terceiro, esse levante, que tinha como comandante militar, o Cabo Dias.

O velho sapateiro Praxedes, comunista de longa tradição, em relatos no primeiro semestre de 1982, nos informou que o Governo Provisório era todo composto por militantes do PCB, embora eles usassem o instrumento da ANL para aumentar a coesão do movimento e pelas circunstâncias políticas do Rio Grande do Norte. Foi feito um comunicado ao povo pelo CPR, no dia 24 de novembro, cujo título e primeiro parágrafo diziam:

Ao povo

O Rio Grande do Norte, desafrontado dos dias amargos em que viveu tiranizado por um governante forjado na prostituição dos princípios republicanos de outrora, hasteia-se soberbo, como flâmula redentora no setentrião brasileiro, abrindo caminho largo no solo abençoado da pátria à entrada triunfal do Cavaleiro da Esperança – Luiz Carlos Prestes[…].”

A Revolução lançou seu jornal, A Liberdade, na manhã do dia 27, onde no seu cabeçalho havia um comunicado:

Enfim, pelo esforço invencível dos oprimidos de ontem, pela colaboração decidida e unânime do povo, legitimamente representados por soldados, marinheiros, operários e camponeses, inaugura-se no Brasil a era da Liberdade, sonhada por tantos martyres, centralizada e corporificada na figura legendária – omnipresente no amor e na confiança divinatória dos humildes – de Luiz Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança.”

Foram lançados vários comunicados do Comitê Popular Revolucionário, ao povo potiguar durante esses quatro dias de poder. O líder revolucionário, Cabo Dias, circulava em várias ações que iam definindo os rumos da Revolução. Todavia, as tropas do governo federal estavam no interior do Estado, vindas da Paraíba e de Alagoas, marchando agora para Natal. A correlação da luta era desfavorável, o fim do levante se aproximava. O Cabo Dias tentava conter os impulsos do subversivismo irresponsável que, naquele momento, desejava fuzilar os membros do governo deposto e seus oficiais, quando a correlação era desfavorável. E, numa dessas discussões, o Cabo Dias recebeu 3 tiros e teve que ser socorrido e levado rapidamente para o hospital. Mas, antes impediu que o atirador fosse fuzilado por seus camaradas. Do hospital, prevendo a derrota do levante, encaminhou um carro como escolta do quartel para resgatar a sua família. No retorno, quando o carro passava pela chefatura de polícia, foi alvo de vários tiros e um deles alvejou a cabeça da jovem Sinhá, cunhada do Cabo Dias, que morreu naquele momento.

A Revolução não avançou, mesmo com os levantes do dia 24, em Recife, comandados pelo sargento Gregório Bezerra, que foi sufocado no dia seguinte, e no Rio de Janeiro, no dia 27, liderado pelos oficiais Agildo Barata e Agliberto Azevedo e com a participação do ex-cabo David Capistrano. O levante foi dominado em todo o país. Longos combates ocorreram em Natal e no Rio de Janeiro. No Rio Grande do Norte com a participação de soldados, cabos, sargentos e com a presença do povo. No Rio de Janeiro com a participação de oficiais; em Recife, foi logo derrotado.

O Cabo Dias empreendeu fuga, conseguiu se esconder numa fazenda no interior do Estado e, lá, em circunstâncias periféricas ao movimento, foi covardemente ferido, levando 13 facadas e ficando à beira da morte jogado numa estrada vicinal.

Foi salvo por D. Alzira Floriano, a mesma pessoa que tinha providenciado a sua fuga, que chamou um médico e o removeu para um hospital, em virtude do estado grave em que se encontrava. D. Alzira era uma mulher da política local, havia sido prefeita de Lages, embora integrando a classe dominante, tinha uma admiração pela integridade política do Cabo Dias.

O líder revolucionário se recuperou e ficou preso em Natal, quando sofreu uma nova tentativa de assassinato, que não se consumou. Ficou na cadeia por mais de 01 ano, quando foi solto em Salvador (para onde havia sido transferido), pelo ato de anistia conhecido como “macedada”, em 1937. E, mesmo solto, foi procurado pela polícia em Salvador, tendo que entrar numa rigorosa clandestinidade até meados de 1945.

A luta política na Bahia

Apesar das grandes desconfianças em virtude de infiltrações, Giocondo Dias articula seu contato com o Partido na Bahia, através de conversas com João Falcão. Mesmo na clandestinidade, se transforma num importante dirigente do CR da Bahia, instância que era reconhecidamente a mais importante do Partido no Brasil, naquele momento. O CR da Bahia lançou a revista Seiva, a primeira publicação do PCB, e foi procurado pelo Birô da Internacional Comunista na América do Sul, que reconhecia o trabalho que estava sendo feito nesse Estado.

Nesse momento, nos anos 40, se constituía o chamado “Grupo Baiano”, que iria preparar e realizar a Conferência de 1943. Era um contingente de militantes baianos e não baianos, mas que na Bahia haviam se encontrado, a exemplo de Carlos Marighella, Armênio Guedes, Moisés Vinhas, Giocondo Dias, Aristeu Nogueira, Milton Caíres de Brito, Arruda Câmara, Leôncio Basbaum, Alberto Passos Guimarães, Jacob Gorender, Maurício Grabois, Praxedes, Fernando Santana, Osvaldo Peralva, Boris Tabakoff e Jorge Amado. A partir de 42, Mário Alves, em 45, Ana Montenegro e tantos outros. Era um conjunto extraordinário de militantes, intelectuais e dirigentes que marcou a história do PCB e do Brasil de forma indelével.

Durante o período de clandestinidade, Giocondo Dias foi condenado à revelia pelo Tribunal de Segurança Nacional (TSN) a 6 anos e 6 meses, assim como passou por uma cirurgia para retirar as balas que o atingiram no levante de 1935. Ainda nesse período de dura clandestinidade, nasceram seus filhos, Gilberto (1938), Antonio Eduardo (1940) e Eduardo Luís (1942), depois ainda teria mais duas filhas com D. Lourdes, mulher e companheira de sempre.

Um fato novo ocorreu na vida do Partido na Bahia. Voltando do exílio em 1943, Jorge Amado informou ao CR da Bahia que existia uma articulação nacional para reorganizar o Partido e que estava sendo feito pela CNOP (Comissão Nacional de Organização Provisória do PCB), constituída no Rio de Janeiro pelo chamado “Grupo Baiano”. Pouco tempo depois em passagem pela Bahia, João Amazonas conversaria com Giocondo Dias e João Falcão sobre o Partido. É desse período histórico, a realização da II Conferência Política do PCB, que ocorreu nos dias 27, 28 e 29 de agosto de 1943 num local entre Barra do Piraí e Engenheiro Passos, região da Serra da Mantiqueira. A partir daí o Partido passa a ter uma direção e a CNOP elege, in absentia, Luiz Carlos Prestes Secretário-Geral do PCB. Nesse momento começa o trabalho de construção da unidade partidária e da organização política do Partido em todo o país.

Na Bahia, o Secretário-Político era Giocondo Dias e em fevereiro de 1944 foi eleita uma nova direção para o CR, onde Mário Alves passou a fazer parte dessa instância e Giocondo continuou na função de Secretário-Político.

Tempos de democracia…

Enfim chegaram os ventos da liberdade. As hordas do fascismo foram derrotadas; a URSS no campo de batalha derrotou a tentativa de escravizar a humanidade; Getúlio cambaleava no poder. Era impossível, naquela conjuntura, barrar a democracia, que vinha das ruas, das fábricas, dos campos, das lutas dos comunistas e progressistas.

O Estado Novo estava desmoronando, aquele aparato que perseguiu, torturou e matou comunistas, sucumbiu ao espírito da época. Era o fim do governo despótico que havia enviado grávida, a heroína comunista e judia, Olga Benário Prestes, para os campos de concentração nazista, para ser assassinada. Lá nasceu sua filha, a comunista e historiadora Anita Leocádia Prestes, símbolo de uma luta sem trégua contra a barbárie.

O povo tomou as ruas, o PCB é o operador político da vanguarda, cai o Estado Novo no dia 18 de abril de 1945. Nesse dia histórico, na condição de Secretário-Político do PCB na Bahia, e ao lado de Mário Alves, Carlos Marighella, Fernando Santana e João Falcão, Giocondo Dias fala para as massas da sacada de um prédio na praça municipal, no centro de Salvador. Era o líder revolucionário falando para os trabalhadores da sua terra. A história marchava, a luta de classes pendia para o lado do proletariado, a burguesia reacionária encontrava-se nas cordas e o PCB era o operador político da classe, agora pautava a luta e definia os caminhos da democracia. A trilha estava aberta e o caminhar das lutas dos trabalhadores seria árduo.

Em junho de 1946, na III Conferência Política do PCB, realizada no Rio de Janeiro, Giocondo Dias é eleito para o Comitê Central. Nesse encontro, a vida do Cabo Vermelho é conhecida pela primeira vez, dentro do partido, e ele passou a gozar de uma grande admiração diante da descoberta de seus feitos em 1935. Ao término dessa conferência, foi apresentado, publicamente, o CC na sede da UNE, era sem dúvida um grande feito histórico. Foi eleito um CC com 29 efetivos e 15 suplentes. Entre os efetivos, além de Prestes, chamava a atenção a presença dos integrantes do chamado “Grupo Baiano” e na suplência a presença de históricos comunistas, a exemplo de Astrogildo Pereira, Octávio Brandão e Fernando Lacerda, todos ex-Secretários-Geral do Partido e, no caso de Astrogildo, fundador em 1922.

Prestes, nessa reunião, observava com muita atenção o que dizia o líder revolucionário do levante vermelho de 35 e, após o evento, o chamou em particular orientando ele a “estudar e melhorar o seu português”. Para muitos que conheceram Dias, sabem que esse conselho de Prestes o seguiu até o fim dos seus dias.

Ao final de 1946, Giocondo ainda participaria de um curso organizado pelo CC e ministrado por Dinarco Reis e Astrogildo Pereira, onde foi reconhecidamente um dos melhores alunos.

No processo eleitoral do ano anterior, o partido tinha tido uma grande participação. Seu candidato à presidência, o engenheiro Yedo Fiúza tinha tido quase 10% dos votos e Prestes foi eleito Senador, juntamente com 14 deputados federais pelo PCB, e mais três por outros partidos. O PCB encontrava-se num momento de grande visibilidade pública.

Em janeiro de 1947, ocorreram as eleições para deputados estaduais e governador, quando, na Bahia, o PCB lançou a sua chapa composta por mais de 20 militantes e liderada por Giocondo Dias, mas que ainda tinha a presença nela de Ana Montenegro, Mário Alves, Jaime Maciel, do líder operário que seria depois condecorado na URSS, João dos Passos. Essa chapa elegeu dois deputados, Giocondo Dias e Jaime Maciel. O apoio para governador exigia uma definição muito difícil e o CC tomou para si a decisão e terminou optando por Octávio Mangabeira, que viria a ser eleito. Antes disso, no dia 05 de janeiro de 1947, em grande comício em Salvador, na Praça da Sé, Luiz Carlos Prestes efetivava o apoio do PCB à candidatura de Octávio Mangabeira, que retribuiria o apoio recebido em nota de compromisso com o partido, que foi publicada no jornal O Momento.

Em 7 de abril de 1947, instalavam-se os trabalhos da Assembléia Legislativa, com caráter Constituinte e tendo dois comunistas no seu corpo. Giocondo Dias teve uma participação importante nos debates da Constituinte, levando para este espaço político as propostas dos trabalhadores.

Mas a reação burguesa cresceu e encontrou forças para enfrentar os trabalhadores e, em maio, no dia 07, de 1947, o registro do PCB foi cassado por três votos a dois, no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Era cassado assim, o registro de um partido que tinha uma presença enorme entre os trabalhadores, quase duzentos mil filiados, 17 deputados federais, 64 deputados estaduais, um senador legendário e que havia tido 10% dos votos na última eleição nacional.

O PCB reagiu em todo país. Lutou nas diversas trincheiras, fez manifestações, publicou comunicados em seus jornais, a exemplo daqueles que saíram no jornal O Momento, na Bahia, mas foi derrotado. Logo em seguida, no início de 1948, os parlamentares comunistas são cassados e um tempo de trevas se abre novamente para aqueles que sempre lutaram pela liberdade.

No dia 7 de janeiro de 1948, em seção concorrida, a Câmara Federal votou o projeto que extinguia todos os mandatos de parlamentares comunistas nas mais diversas instâncias legislativas. Foram 7 horas de seção e ao término, a bancada comunista, de pé, braço esquerdo levantado e punho cerrado, gritava:

Viva o Partido Comunista!

Viva Prestes!

Viva o proletariado!

Nós voltaremos!”

No dia 8, Giocondo Dias fazia o seu discurso na Assembléia Legislativa da Bahia, em nome dos “interesses do povo e da classe operária da nossa terra”. E no dia 14, realizava o seu discurso final, onde afirmava “[…] Um comunista é homem que sabe cumprir o dever e resistir a todas os arreganhos da reação e dos potentados dos senhores das classes dominantes.” E concluiu seu discurso dizendo que chegará um tempo onde “não haverá mais lugar para ditaduras terroristas como a que ora infelicita a nação, ditadura que nosso povo repudia e saberá substituir por um governo de sua confiança, um governo popular.” E concluiu dando vivas a Luiz Carlos Prestes.

Ainda em 1948, precisamente no dia 28 de fevereiro, o PCB resolveu fazer um comício na Praça da Sé. Era a comemoração pelo centenário do Manifesto Comunista e pela eleição de dois vereadores para a Câmara municipal de Salvador. Mesmo tendo o pedido de licença para realizar o comício, a polícia, a mando de Octávio Mangabeira, resolveu proibir, e a selvageria se abateu sobre os comunistas, ocorrendo várias prisões, espancamentos e o assassinato do bancário Luiz Garcia, que se parecia muito com Giocondo. Nesse episódio, enquanto conversava com a polícia diante do tumulto estabelecido pela repressão, Giocondo é agredido e cai. Nesse momento, os agentes da burguesia atiram nele, mas sobre seu corpo se joga o militante Américo Carvalho, então funcionário da livraria do Partido, que é atingido por uma das balas. Giocondo, ferido, é escondido no Hospital Psiquiátrico, Sanatório Bahia, no bairro da Lapinha, que era dirigido por um militante comunista. O Historiador Luis Henrique Dias Tavares, militante do PCB naquela época e participante dessa batalha, narrou esse episódio na crônica “O Comício”.

De volta à noite turva…

Já na clandestinidade, Giocondo chega ao Rio de Janeiro, em 15 de abril de 1948, e é designado para ser um dos responsáveis pela segurança de Prestes. Mesmo não morando com Prestes, e nem sabendo onde ficava o famoso aparelho, pois, em verdade, a segurança de Prestes nesse momento era feita pelo advogado e jornalista baiano, João Falcão, quadro da maior importância na história do PCB e que vivia com o “Velho”, sendo seu segurança e motorista, sempre “acompanhado por uma metralhadora” e pela postura reservada do comandante da histórica Coluna.

Em 1949, Giocondo ficou efetivamente encarregado da segurança de Prestes, agora, já em São Paulo, substituindo a João Amazonas. Assim, Giocondo era a única pessoa que tinha as informações sobre Prestes e sobre o aparelho onde esse residia, fazendo a ponte com o secretariado e a comissão executiva do Partido. Quando o aparelho foi mudado para o bairro do Jabaquara, ele trouxe, da Bahia, Altamira Rodrigues Sobral, uma jovem militante comunista, que era filha de um dirigente do CR, chamado João Rodrigues Sobral, muito conhecido de Dias. Passou-se então a se chamar Maria e, numa noite de dezembro de 1952, chega Giocondo no novo aparelho trazendo seu morador “um homem baixo, magro, de paletó, camisa e chapéu sobre o rosto”. Giocondo o apresenta a Maria, e ele respondeu estendendo a mão: “Meu nome é Pedro. Muito prazer, dona Maria”. Era Luiz Carlos Prestes, o líder comunista mais importante da América Latina e um dos mais importantes do mundo, diante da mulher que seria a sua companheira por mais de 40 anos.

Reservado e circunspecto, cuidado pelos seus camaradas, nessa casa não apenas dirigia a política dos revolucionários, mas também cuidava das rosas no jardim o dirigente comunista mais procurado do Brasil. Afinal, alguém diria mais para frente, “A Revolução é uma Rosa”.

A linha política perde o encontro com a realidade

O Partido está agora na mais profunda clandestinidade e seus dirigentes transitam apenas pelos subterrâneos. A inflexão na conjuntura leva à aprovação do Manifesto de Agosto, o espaço da ação política de massas vai cada vez mais se fechando e o Partido, no horizonte da noite turva, tenta organizar a FDLN (Frente Democrática de Libertação Nacional). Entrava em cena uma ação política que se preparava para a tomada do poder, porém sem a presença das amplas camadas de trabalhadores. Prosseguiu assim, a linha política obreirista, e a clandestinidade cega dava sinais de isolamento do partido. Mas, mesmo assim, nesse período histórico, o PCB foi a força motriz da campanha do “Petróleo é Nosso”.

A política do IV Congresso do PCB não fez o partido avançar. Mas a conjuntura política se encaminhava para uma trégua que talvez possibilitasse aos comunistas voltar à luz do dia em ações menos perigosas.

Chegamos aos movimentados anos do governo Juscelino, o Brasil estava sendo sacudido, e no PCB, o XX Congresso do PCUS traria uma larga crise. Mas o PCB prossegue sua marcha na história, e numa reviravolta política, a partir de uma articulação de Giocondo Dias, que coordenou uma comissão que escreveria um texto político para enfrentar as demandas do tempo presente, composta por Alberto Passos Guimarães, Mário Alves, Dinarco Reis, Armênio Guedes, Jacob Gorender e Orestes Timbaúba, que se reunia desde dezembro de 1957, foi apresentado ao CC, em março de 1958, a chamada Declaração que levava o nome do mês, e que contou com o apoio de Prestes; afinal, para o Secretário-Geral, era a mediação possível no sentido de manter a unidade do Partido. Vale ressaltar o papel primordial que tiveram Mário Alves e Jacob Gorender, na elaboração do documento.

Esse documento pauta uma inflexão política na história do PCB. E a sua aplicação o trouxe de volta para as atividades de massas, onde seus militantes puderam agir a céu aberto.

O PCB está, nesse momento, na ante-sala das articulações políticas. Termina o governo Juscelino, passa o episódio Jânio Quadros, agora é o governo Goulart. No decorrer dessas batalhas, um pequeno grupo insatisfeito com as críticas ao stalinismo, já afastado da vida partidária, sem raiz na classe operária e na sociedade em geral, sai do partido e lança o “Manifesto dos cem”. Esse acontecimento, embora capitaneado por importantes dirigentes comunistas, não teve maior repercussão, nem no Partido, muito menos na vida social ensejada pelas contradições de classes.

A Declaração de Março permitiu a reinserção do PCB na política nacional, todavia, se constituiu num instrumento para uma política reboquista frente ao governo e ao processo político em curso, permitindo vacilações frente à conjuntura de crise. Giocondo era nesse período o segundo dirigente na estrutura partidária, na condição de Secretário de Organização e com o prestígio político em ascensão. Afinal, foi o articulador da nova linha política, a partir desse célebre documento (A Declaração de Março).

Era um momento novo da história do PCB e do Brasil. Massas nas ruas, trabalhadores em greve, reformas de base em discussão, governo sem saber qual é o seu rumo, e o PCB claudicante na ação e dividido internamente entre o esquerdismo e o reformismo reboquista.

O Partido estava no ápice do seu papel de vanguarda, dirigia a classe operária via o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), tinha um homem interagindo com o Planalto, que era o deputado Marco Antonio Tavares Coelho, estava no comando dos sindicatos rurais, via a CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), e tinha muitos militantes nas forças armadas e nas forças públicas (PM). Poderia se dizer que agora o PCB tinha acesso ao poder. O que fazer? Continuava a indefinição dentro do Partido (qual seria o caminho a seguir), no governo o ambiente político era de confusão e vacilação. Todavia, a reação burguesa encontrou o seu caminho histórico, consolidou uma aliança dentro e fora do Brasil, colocou as tropas na rua e deu o golpe civil-militar de 1º de abril de 1964, efetivando assim, a contra-revolução de forma preventiva.

A derrota da linha: o golpe e a crise

Giocondo Dias estava alinhado em um campo de luta, de onde examinava o acirramento político do início de 1964, com preocupação. Ele compreendia que o Partido não tinha forças, naquele momento, para colocar a questão do poder na pauta da luta. E, em virtude disso, temia que algo de muito grave ocorresse. Pois bem, todos nós sabemos o que aconteceu, o longo período de trevas que começava, consolidaria a autocracia burguesa no Brasil.

Dias, assim como o Partido, de forma mais dura ou menos fechada, entrou para a clandestinidade. Uma velha forma de vida e militância, conhecida por ele há muito tempo.

A ditadura instalada tomava suas providências para assegurar o seu poder. E o Partido dava sinais de uma crise, principalmente pelas interpretações sobre o golpe que passaram a disputar a linha e a condução do aparelho.

O PCB vivia uma nova contradição, a linha política da “Declaração de Março”, consolidada no V Congresso de setembro de 1960, tinha sido derrotada pela precipitação dos acontecimentos golpistas. O Partido estava em ebulição. A percepção que essa “linha” tinha levado ao extremo da ação política o “caminho pacífico”, sem nenhuma preocupação com uma preparação para responder a articulação da burguesia, inclusive de forma armada, trouxe em si uma grande discussão, que se realizava num ambiente político tenso, podendo explodir a qualquer momento.

Nesse cenário interno, Giocondo Dias consolida a sua liderança e lança o documento, “Manifesto ao Partido”. O Secretário-Geral estava isolado dos debates, por se encontrar blindado na clandestinidade em virtude da repressão. Operavam no campo da luta política dois grupos, um liderado por Dias, que era composto por Geraldo Rodrigues, Jaime Miranda, Orlando Bonfim e Dinarco Reis, tendo o acompanhamento intelectual de Alberto Passos Guimarães, que era sempre consultado por Giocondo. E o outro, que era composto por Carlos Marighella, Mário Alves e Jover Telles. Os dois últimos lançaram um documento chamado, “Esquema para discussão” que polemizava, radicalizando o processo de discussão e que fora aprovado na Comissão Executiva.

Nesse processo, quanto mais o regime “endurecia”, mais estragos o Partido sofria.

Na disputa interna para encontrar uma orientação política, que refletisse sobre o golpe e apontasse o caminho para enfrentar a autocracia burguesa, é convocado o VI congresso que veio a ocorrer em dezembro de 1967, em São Paulo.

No decorrer desse processo, centenas de militantes saíram do PCB e organizaram agrupamentos políticos, cujo eixo central da atuação seria a luta armada contra a ditadura civil-militar. Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira formaram a ALN (Ação Libertadora Nacional), uma parte do setor estudantil criou o MR-8 (Movimento Revolucionário 08 de Outubro), Mário Alves, Apolônio de Carvalho (herói da guerra civil espanhola e da resistência francesa) e Jacob Gorender formaram o PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário). Os CRs da Guanabara, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais enfrentaram o Comitê Central e, em alguns casos, derrotaram as posições do comando nacional.

É um momento de grande ruptura política e orgânica, que abriu uma fenda profunda na maior força política da esquerda brasileira, o grande PCB, e ele estava em vias de ficar conhecido como o “Partidão”.

O PCB, agora sem os dissidentes, encontra o seu rumo. Estava formulada a política de frente com o chamamento à participação de amplas camadas populares. Segue o trabalho do Partido com base na “linha” definida e essa orientação começa a se mostrar vitoriosa, quando, ao mesmo tempo, os aparatos repressivos, massacravam os bravos heróis, que apesar das boas intenções e da disposição de luta, equivocadamente optaram pela luta armada. Dias sofreu muito com os assassinatos de camaradas e amigos de longas jornadas, como Mário Alves e Carlos Marighella.

Giocondo Dias operava na clandestinidade. Um terço do CC estava no exílio, Prestes já havia saído do país para não ser eliminado pela repressão e se estabeleceu em Moscou, na Rua Gorki, próximo ao Kremlin. A ditadura sofria com o avanço das lutas consolidadas pela frente política e, é nesse contexto, que a ditadura volta-se contra o operador político deste instrumento e lança várias operações para destruir o PCB. A repressão queria acabar com o papel do PCB na operação política que começava a abalar o poder do regime. Utilizando-se de várias técnicas, a repressão conseguiu com sucesso infiltrar gente no PCB, para, a partir daí, efetuar prisões e assassinar quadros dirigentes e lideranças de frente de massa. Quando começou o ano de 1974, essas operações avançaram e até 1976 elas conseguiram efetuar quase 700 prisões de militantes do partido e mais de 20 assassinatos de dirigentes, sejam eles do CC e dos CRs, mas também de militantes a exemplo do dentista baiano Célio Guedes (assassinado antes desse período), do operário Manuel Fiel Filho e do jornalista Vladmir Herzog. O operário e o jornalista são os últimos mortos da ditadura, em 1976.

Um fenômeno novo entrou no roteiro de debate dos comunistas: as posições políticas de Prestes e suas contradições com a maioria do CC no exílio. Passamos a ter, então, uma fissura velada no CC.

Aqui no Brasil, escondido, Giocondo Dias sentiu o cerco da repressão que se fechava sobre ele e notando que ele corria risco, o CC no exílio, em conjunto com o Estado Soviético, designou o baiano José Salles para organizar uma operação no sentido de tirá-lo do Brasil. Foi uma longa e vitoriosa operação, comandada pelo jovem dirigente que viria, mais à frente, ser o Secretário-Geral Adjunto do Partido no exílio. Salles saiu com Dias pela fronteira do sul e conseguiu seguir em diversos vôos até Moscou.

Do Exílio à Secretaria-Geral: os últimos dias do general da tática

Giocondo Dias se estabelece primeiro em Moscou e depois em Paris, onde passou a trabalhar em conjunto com outros dirigentes comunistas em um escritório cedido pela CGT. Era um trabalho de articulação política junto aos exilados da Frente contra a ditadura brasileira. Ele fazia reuniões, desenvolvia contatos, articulava o Partido no exterior e criava pontes com os camaradas no Brasil. Trabalhava de forma incessante. No exílio, em Paris, Dias perde a companheira de sua vida, morreu D. Lourdes, a camarada Lourdes, que deu toda sua vida, que começou aos 18 anos, a Giocondo, ao PCB e ao Brasil. O velho combatente mesmo acostumado com os ásperos tempos, agora sofria de forma constante.

Com a direção do partido quase toda no exílio, novas polêmicas se apresentaram no debate interno do CC. De um lado se postava o Cavaleiro da Esperança, de outro, mesmo sem demonstrar querer o combate, colocava-se o líder da maioria do CC, Giocondo Dias.

Dias viajou por toda a Europa, discutindo com os camaradas do PCB e dos outros Partidos Comunistas. No Brasil as lutas de massas avançavam, a política econômica da ditadura fracassava, a Frente política crescia no parlamento desde as eleições de 1974, se organizavam lutas amplas contra a carestia, pela anistia e por eleições gerais.

Era chegado o momento de voltar ao Brasil e Giocondo Dias retorna no dia 02 outubro de 1979. Alegre e motivado ele tenta organizar a sua vida para melhor atender a reconstrução do Partido. Reencontra sua mãe, que pouco depois faleceu, e se casa novamente, agora com Maria Cândida, por quem estava apaixonado. Mas a situação do PCB era de profunda cisão entre Prestes e o CC. Após algumas tentativas de resolução do longo impasse, o legendário Secretário-Geral lança uma “Carta aos Comunistas” e se afasta da direção, deixando um vácuo de poder. É nesse contexto que o CC se reúne no dia 12 de maio de 1980 e, mesmo bastante desfalcado, por mortes e desaparecimentos, elege Giocondo Dias para a Secretaria-Geral do Partido e forma uma comissão executiva composta por: Dias, Malina, Teodoro Mello, Luiz Tenório e Givaldo Siqueira.

Essa nova direção acentuaria a inflexão política que já estava em curso no Partido. E, ao arrepio da realidade concreta, sem compreender as transformações que o Brasil estava passando, subalternizou a ação do operador político aos interesses da agenda do centro democrático, enquanto outras forças de esquerda marchavam na disputa pela hegemonia do movimento social. Aprofunda-se nesse momento a derrota da hegemonia pecebista.

Giocondo Dias, na condição de Secretário-Geral, logo viajou para Moscou, esteve em vários países da Europa, em Cuba, na China, sempre em reuniões com as lideranças comunistas. No Brasil, esteve em contato político com diversas forças que efetivaram a transição pelo alto. O dirigente Dias, longe do cabo, era o general da tática. Operava na mediação da democracia, sem perceber que a tática teria que ser subordinada a estratégia da Revolução.

Já na consolidação dessa política, Giocondo Dias trabalha na perspectiva da realização do VII congresso, que termina por ocorrer no dia 13 de dezembro de 1982, em São Paulo, com a participação de 86 delegados. A polícia invade o local e prende vários dirigentes, mais uma vez o velho combatente estava na cadeia. Todavia, 3 dias depois seria solto. Ele seria mais uma vez detido, quando retornava de uma viagem a Moscou, em 1985.

O velho Giocondo Dias seria ainda, antes de morrer, homenageado no Brasil e no exterior pela sua incansável luta em defesa da Democracia, da Paz e do Socialismo.

Mas um novo inimigo se apresentou para um último combate. Dias descobriu que tinha um tumor no cérebro, foi tratado em Moscou, onde fez uma cirurgia em janeiro de 1987.

Retornou ao Brasil e faleceu no dia 07 de setembro, desse mesmo ano. Seu corpo foi velado na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Por lá passaram autoridades políticas, velhos e novos camaradas, intelectuais e simples trabalhadores.

Morreu um herói, morreu o Cabo Vermelho, que nos legou um patrimônio de 52 anos de militância no Partido Comunista Brasileiro, o velho PCB.

Sobre ele disse Jorge Amado, no seu livro Bahia de Todos os Santos, publicado em Portugal, em 1978:

Nenen…

Onde andará, não sei. Qual o caminho que o leva adiante, que rua atravessa com passo firme, em que cidade vive e trabalha, em que país de seu obscuro universo subterrâneo? Não sei se está magro ou gordo, se o cabelo loiro tornou-se grisalho, se o sorriso fez-se mais tímido, se as cicatrizes das balas e das punhaladas ainda o incomodam, mas imagino como deve se sentir sozinho desde que Lourdes morreu longe da pátria. Não sei sequer o nome pelo qual atende, sempre cortês e paciente, capaz de ouvir e aprender quem tanto tem a dizer e a ensinar. De seus nomes, um, quem sabe o primeiro, lhe foi dado pela mãe e é usado pelos mais próximos, seus irmãos, seus filhos, alguns poucos amigos de data antiga e maior intimidade – Nenen lhe dizemos com acentos de admiração e profundo afeto, em vez de amor.

Durante um tempo, vai longe, quando se decidiam os destinos da humanidade, cruzamos juntos, num vai-e-vem constante, as ruas da cidade da Bahia e realizamos uma saga inesquecível. Nossa luta era a da liberdade contra a escravidão nazista, nosso sonho o mundo farto, nossa bandeira a da fraternidade, ou seja, da anistia. Num dos meus romances, no Tenda dos Milagres, eu o coloquei numa tribuna de comício durante a guerra, falando em nome dos trabalhadores – em muitas tribunas ergueu a voz – na praça, no sindicato, na Câmara de Deputados, nas reuniões abertas e fechadas, mas ergue a voz apenas o necessário para argumentar e convencer, jamais para impor e violentar a opinião alheia. Nasceu para a convivência e por isso mesmo em nenhum momento suportou o dogma nem se curvou aos ídolos. Manteve-se íntegro, nem mesmo o mando o corrompeu por jamais ter desejado o poder, querendo apenas servir. Tão decente quanto ele certamente existem outros; mais decente e leal, impossível.

Baiano com as virtudes todas; o riso fácil, a discrição inata e a capacidade de sonhar com a aurora. Nunca será amargo quem luta por seu país e seu povo com ambição de concorrer na medida de suas forças para o bem comum. De quando em vez leio jornais que o procuram, com ódio mortal, policiais e inimigos da paz e da liberdade. Onde andará Giocondo Dias, dito Nenen por sua mãe? Não sei mas vos afirmo que, esteja onde estiver, estará trabalhando para que o amanhã dos brasileiros seja mais belo.

Baiano com régua e compasso e uma luz no coração.”

1 Professor de Ciência Política da Uneb e autor/organizador do livro Caio Prado Júnior – História e Sociedade, pela editora Quarteto.

 

2 As notas de rodapé e as referência bibliográficas foram retiradas do texto, para efeito desta divulgação.

 

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