Os riscos e o perigo da conciliação de classe

imagemO governo Michel Temer (PMDB) vem acelerando os ataques do grande capital contra os trabalhadores. Diante destes ataques, imaginou-se que poderíamos ter um novo ascenso do movimento de massa, em particular o movimento sindical. Porém, é preciso acender um farol de alerta. Podemos ver grande parte  dessa energia ser canalizada para as eleições de 2018, com o “volta Lula”, através da ilusão institucional, com liminares, na tentativa de se colocar Lula na disputa de 2018. Por outro lado, há uma parte da esquerda que, temendo a cláusula de barreira, poderá rebaixar o discurso com o sonho de substituir o PT no campo institucional; com um discurso cada vez mais rebaixado e reformista pensando apenas em eleger alguns parlamentares com promessas de resolver algumas demandas no campo institucional, esquecendo das ruas, praças, paus, pedras e bombas. Mesmo em uma conjuntura política que tende a se agravar, com as massas estando dispersas e despolitizadas, o Estado Burguês tende a endurecer para fazer valer a determinação dos interesses do grande capital.

Não podemos esquecer que a hegemonia dos movimentos sociais dos trabalhadores ainda está nas mãos dos reformistas e conciliadores que blindaram e apoiaram os governos Lula/Dilma (PT) e que vão procurar colocar um freio nas lutas e enfrentamentos com o grande capital, o que tem sido demonstrado em diversas situações de greves e paralisações após Temer assumir a Presidência. Não podemos deixar de lembrar que Temer foi vice de Dilma e que o PT construiu a governabilidade burguesa com todos estes setores. Nós já éramos “Fora Temer” quando não votamos em Dilma e Aécio em 2014!! E, no segundo turno, nosso voto foi nulo, por vermos poucas diferenças entre as candidaturas do PT e do PSDB.

Estas forças que ainda hoje mantêm a hegemonia sobre o conjunto dos movimentos sociais vão tratar a atual conjuntura tentando se eximir de culpa. O próprio governo Michel Temer (PMDB) é fruto destas alianças que contribuíram para desorganizar e desarmar ideologicamente os trabalhadores, com o objetivo de garantir os enormes lucros da grande burguesia, enquanto que para os trabalhadores eram garantidas apenas as migalhas das políticas compensatórias. O petismo e seus aliados insistem em afirmar que promoveram uma política de distribuição de renda. Na realidade, ampliaram políticas compensatórias pré-existentes, sem ao menos tentar organizar e politizar as massas, com medo de sair do controle e de atrapalhar a burguesia, que acumulava lucros com os favores do BNDES. Mesmo assim, a burguesia não vacilou em afastar a Dilma da Presidência.

Mesmo assim, Lula continua afirmando que não vai fazer uma política de enfrentamento ou rupturas com as alianças do passado. Nem por isso o PT e seus aliados fizeram e nem vão fazer autocrítica dos treze anos de presidencialismo de conciliação, quando buscaram cooptar e domesticar os movimentos sociais, impedindo a possibilidade de se avançar em ações de grande impacto, como rever as políticas do período anterior do governo FHC. Apostar em uma possível autocrítica do petismo e seus aliados com um sonho de se construir um programa para os trabalhadores é o mesmo que operar com as velhas categorias e dispositivos que sempre têm desarmado os trabalhadores do ponto de vista ideológico, frente às manobras da burguesia brasileira, a qual, na hora H, consegue roubar o protagonismo dos trabalhadores através de seus porta-vozes entre os trabalhadores, que disseminam a política de conciliação, com a mediação de setores oportunistas nos movimentos sindicais e populares.

Mesmo que Lula fique de fora da disputa eleitoral deste ano, ou concorra com liminares, nem por isso poderemos investir no oportunismo e na conciliação com estes setores. Não vão e não podem fazer guinadas à esquerda, pois já estão comprometidos com a ordem burguesa. A movimentação para as eleições de 2018 e as desmobilizações das centrais sindicais pelegas têm demonstrado de que lado estes setores estão; vão insistir em velhas alianças com velhos setores carcomidos da burguesia do Brasil. Vão insistir na composição com as velhas políticas de manutenção do capitalismo no Brasil. O PT já está compondo em alguns Estados estas velhas alianças. Não devemos alimentar ilusões de classe com aqueles que ajudaram a desarmar política e ideologicamente os trabalhadores, contribuindo para deixá-los na atual situação em que se encontram, em grande parte despolitizados e alienados, dominados pela ideologia burguesa.

Já não é a primeira vez que isto acontece no Brasil. Após as derrotas das candidaturas de Lula em 1989 e 1994, no mesmo período do desmonte da União Soviética, a maioria das forças de esquerda passou por uma profunda crise ideológica, com muitos setores se adaptando à ordem burguesa neoliberal em todo o mundo. No Brasil, após a inércia e a ressaca do avanço neoliberal, os movimentos sociais começaram a retomar as ruas contra o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Por onde ele passava acontecia alguma manifestação contra as medidas antipopulares, e o clímax se deu por ocasião das manifestações contra a venda da Vale do Rio Doce. Toda essa energia foi canalizada para 1998, pois o Encontro Nacional do PT, de 1997, apontou a candidatura de Lula como meio de salvar a pátria de todos os males, no momento em que o PT já começava a ganhar prefeituras e governos em alguns Estados. O PT estava cada vez mais adaptado à lógica tradicional da política burguesa. Trataram de desarmar as lutas mais radicalizadas; muitos líderes de massa viravam candidatos. O programa de Lula em 1998 era rebaixado, retiravam o vermelho da propaganda – o que gerou atrito entre a coordenação geral da campanha com Brizola candidato a Vice na Chapa de Lula -, com o claro objetivo de passar a imagem de bonzinhos e bons administradores da crise capitalista.

Há militantes da esquerda no Brasil que acham ou fingem achar que a crise do petismo começou com o primeiro governo Lula, mas o PT, desde o seu nascedouro, sempre procurou se apresentar como novo, negando a história e as lutas do passado; rejeitando o marxismo como filosofia e o leninismo como orientação partidária. Com o tempo, buscou adaptar os trabalhadores à ideologia burguesa, através da domesticação dos movimentos sociais, impedindo na prática a independência de classe destes setores frente ao Estado Burguês.

Não dá para passarmos uma borracha como se nada tivesse acontecido durante treze anos do petismo, experiência tardia de socialdemocracia no Brasil, quando a socialdemocracia já não podia mais realizar as reformas sociais em nenhuma parte do mundo, quando a socialdemocracia vinha implementando as políticas neoliberais e se revezando no poder com a direita nos ataques aos trabalhadores em todo o mundo capitalista.

O PT aceitou governar com o presidencialismo de coalizão, em alianças com as velhas classes dominantes, aceitando dar continuidade às reformas neoliberais de governos anteriores, como a reforma da Previdência em 2003, a rodada dos Leilões da Petrobras, a lei antiterror que criminaliza os movimentos sociais. Essas e tantas outras medidas antipopulares foram aprovadas durante os Governos Lula/Dilma e, em nenhum momento, o PT procurou rever as medidas antipopulares dos governos anteriores ao chegar à presidência. Procuraram manter e avançar em novos ataques contra os trabalhadores e tentaram desqualificar os setores anticapitalistas que se recusavam a aderir à política de conciliação de classe.

O atual governo conduzido por Michel Temer está utilizando na intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro dispositivos criados nos governos Lula/Dilma que, em aliança com o PMDB em nosso Estado durante o governo Sérgio Cabral, também promoveram ocupações de favelas e criminalização dos seus moradores, com crimes e truculências que até hoje não foram apurados. E nada foi resolvido, porque não se atacou a raiz dos problemas, que está na própria lógica de funcionamento da sociedade capitalista, que cada vez mais nega um futuro melhor para os filhos das classes trabalhadoras.

Os problemas da violência em nossa sociedade não são um problema ético ou moral, como tentam nos convencer os veículos de comunicação de massas. Por se encontrarem nas mãos das classes dominantes, estes meios têm procurado gerar consenso em nossa sociedade para justificar esta intervenção no Estado do Rio de Janeiro como solução contra a violência em nossa sociedade capitalista. A militarização de nossa sociedade, com ocupações dos bairros proletários ou favelas por tropas militares não é e nunca será solução. A violência que tem vitimado os mais pobres não é um fato isolado da violência do Estado contra os trabalhadores que sofrem com a retirada de direitos e ausência de serviços públicos e criminalização da pobreza.

No processo atual de unidade de ação com os setores que participaram dos treze anos dos governos Lula/Dilma, os setores classistas e anticapitalistas devem manter sua independência de classe. Os setores representados pela CUT, CTB, Força Sindical e outras centrais sindicais e os partidos ditos de esquerda PT, PSB, PDT e PCdoB que foram parte dos governos Lula/Dilma foram responsáveis por atrasar o processo de organização e tomada de consciência dos trabalhadores, ao fazer alianças e acordos com alguns setores mais atrasados da sociedade brasileira para dar isenção fiscal para empresas, conceder canais de TVs e rádios, subsídios para o agronegócio; não demarcaram as terras indígenas, fizeram acordos com  a bancada evangélica representada nos partidos conservadores PR, PRB, PP e outras legendas espalhadas que recebem apoio das classes dominantes, só para obter maioria em um parlamento marcado por velhos esquemas de dominação burguesa.

É necessária muita firmeza política e ideológica, na defesa intransigente de um programa anticapitalista! Ter uma clareza de nossas tarefas na atual conjuntura, desde as bases nas categorias, no interior dos sindicatos e demais movimentos populares, com o objetivo claro de minar a ilusão das massas com os setores reformistas e traidores de classe que ainda exercem influência nas classes trabalhadoras.

Essa confiança não será conquistada da noite para o dia, como acreditam alguns. Será preciso um árduo trabalho para se merecer essa confiança e não será em nome de alianças oportunistas e casuais que os setores anticapitalistas vão conquistar esta confiança dos trabalhadores para enfrentar os desafios colocados pelos ataques do grande capital.

Os trabalhadores ainda não entraram em cena de forma organizada, com capacidade de dar uma resposta à altura diante dos desafios colocados nesta conjuntura de ataques do grande capital aos direitos históricos das classes trabalhadoras, para criar as condições para avançar em novas conquistas, sair da defensiva para a ofensiva contra o grande capital.

A classe operária, os trabalhadores e as camadas mais pobres dos bairros proletários estão à mercê do que acontece, seja pela alienação de que são vítima pela exploração econômica, diante de uma conjuntura de crise e perdas de direitos, ou pelo crescimento da religião, que em tempos de crise sistêmica, ocupa o espaço e a carência espiritual das massas ou pelo crescimento da violência nos bairros proletários que tem contribuído para desorganizar os trabalhadores em seus locais de moradia, deixando toda uma realidade difícil e complexa para os revolucionários anticapitalistas atuarem para enfrentar os desafios colocados.

Mesmo em uma conjuntura tão desfavorável para os comunistas, onde a maioria das forças de esquerda no mundo hoje é predominantemente reformista e anti-leninista, é possível sim ter um programa revolucionário claro de combate ao reformismo e à conciliação de classe. Temos, como exemplo, o KKE (Partido Comunista Grego) que, mesmo sofrendo o assédio e bombardeio da direita que o pressionou a aderir aos acordos de austeridade econômica impostos pela União Europeia à Grécia, em nenhum momento se rendeu às pressões e chantagens da esquerda reformista para entrar no Governo de ampla coalizão do Syriza. Além de não aceitar participar de um suposto governo de esquerda, o KKE denunciou os acordos e a traição do Syriza aos trabalhadores, mantendo-se firme na defesa intransigente dos interesses dos trabalhadores. Se hoje o KKE é um dos Partidos Revolucionários mais respeitados, isso se deve à sua postura firme, sem em nenhum momento fazer concessões ao modismo nem renunciar ao Marxismo-Leninismo.

Os setores anticapitalistas no Brasil têm algumas tarefas imediatas e históricas. É preciso construir uma agenda de lutas em defesa dos direitos imediatos e históricos dos trabalhadores e combater e desmascarar os setores pelegos, reformistas e traidores de classe (CUT, CTB, UGT, FORÇA SINDICAL etc.), pois estes, ainda hoje, exercem influência sobre os trabalhadores. É preciso construir o Enclat (Encontro Nacional das Classes Trabalhadoras) como meio de enfrentar os atuais desafios da organização e lutas dos trabalhadores, para darmos o salto de qualidade na organização dos trabalhadores do campo e da cidade, para criarmos as condições de uma plataforma de transformações radicais na perspectiva do Poder Popular, independente do calendário eleitoral, como um caminho necessário de superação do capitalismo, em direção à sociedade socialista em nosso pais.

José Renato André Rodrigues

Professor de Filosofia da Rede Pública Estadual do Estado do Rio de Janeiro

Secretário político do PCB na cidade de Nova Iguaçu – RJ

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