Pela imediata revisão da lei da Anistia!

imagemA divulgação, nessa última semana, de documentos da agência central de inteligência dos Estados Unidos – a CIA – até então secretos, comprovou que o general Geisel não apenas sabia, mas autorizava, consultado pelo general Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações – SNI, a execução de opositores da ditadura aprisionados pelos órgãos de repressão. Os assassinatos atingiram várias organizações que se opunham ao governo militar, utilizando-se de diversas formas de luta, incluindo-se a luta armada, como o MR-8, o PCdoB, a ALN e outros. Elio Gaspari, em sua coluna do jornal O Globo, de 13 de maio de 2018, registrou que o PCB, no início do governo Geisel, em suas palavras “a única organização esquerdista que agia na esfera política”, teve um terço de sua direção nacional assassinada entre 1974 e 1975, além de inúmeros militantes e simpatizantes presos, torturados e mortos.

Somente dois anos mais tarde, Geisel, ao exonerar o comandante do II Exército, general Sylvio Frota, poria fim às execuções, após grande parte das direções das organizações de esquerda já ter sido aniquilada, inviabilizando, ao menos temporariamente, as suas ações. O desmantelamento das esquerdas, ou seja, do setor mais combativo e organizado da resistência à ditadura, foi considerado uma “pré-condição” para o processo de “distensão” e abertura política que viria em seguida, dando início à transição pelo alto que levaria ao fim do regime. Mesmo com a retomada dos movimentos sociais e das grandes manifestações populares, a exemplo das lutas pela Anistia (1979) e das eleições diretas para presidente (1984), a chamada redemocratização se deu sob a hegemonia burguesa, num processo que culminou com a eleição, pelo Congresso, de um presidente da República civil, em 1984.

imagemA Anistia, conquistada em 1979, foi o resultado de muita luta contra a ditadura empresarial-militar, que já dava claros sinais de desgaste junto às camadas médias brasileiras, entidades da sociedade civil, Igreja e outras instituições, assim como à comunidade internacional, por conta da desaceleração da economia e das denúncias de tortura, assassinatos e corrupção que ganhavam espaços crescentes na mídia brasileira e estrangeira. A morte por torturas do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, no rastro do massacre aos militantes do PCB, posto em prática pelo governo Geisel com a Operação Radar, foi a gota d’água no caldo já efervescente da indignação de amplos setores sociais, possibilitando, a partir daí, a irrupção de inúmeras manifestações de protesto contra o regime autocrático. As vitórias da oposição consentida nas eleições de 1974 e em 1978 e, já em outra configuração partidária, com sua consolidação em 1982, acompanhadas do movimento pelas “Eleições Diretas Já”, foram alguns dos muitos outros fatores que levaram à queda do regime.

A Anistia, no entanto, assim como a transição da ditadura para o “Estado de Direito” e outros episódios da história do Brasil, foi um processo negociado, em que a parte da burguesia que apoiava a ditadura e os segmentos militares que dela participaram impuseram a condição de que nenhum dos grupos ligados à repressão fosse investigado. Era um “perdão” para todos, torturadores e torturados, assassinos e assassinados. Foi, de acordo com diferentes historiadores, o que a correlação de forças permitia na época, mas não representava o desejo de quem participou ativamente do movimento de resistência à ditadura, o qual, quando deflagrou a bandeira da “Anistia ampla, geral e irrestrita” estava se referindo a garantir os mesmos direitos de liberdade a todos os que lutaram contra o regime (inclusive os que pegaram em armas), mas não que isso devesse ser estendido a torturadores e assassinos.

Assim, diferentemente do que ocorreu na Argentina, por exemplo, onde os agentes do Estado que cometeram crimes como o sequestro, a tortura e o assassinato de militantes opositores à ditadura e suspeitos, não houve, no Brasil, o julgamento e a punição dos responsáveis por essas atrocidades. Tampouco os empresários que financiaram organismos de repressão e aqueles que lucraram com benesses do regime militar – recebendo contratos privilegiados, terras, financiamentos facilitados e outros favores – foram investigados.

Os documentos da CIA atestam, sem deixar qualquer margem de dúvida, a responsabilidade do Estado brasileiro sobre esses crimes. É hora de passar a limpo a história, como a Comissão da Verdade, em alguma medida, começou a fazer. É hora de rever a Lei da Anistia, de 1979, para que os agentes do Estado sejam identificados e julgados pela barbárie cometida naqueles tempos, a partir do comando direto da presidência da República, para podermos virar essa página, dar paz definitiva aos familiares de todos os atingidos e garantir que a justiça seja feita finalmente.