Argentina: “A pátria está em perigo”
Argentina: “A pátria está em perigo”
Por Carlos Aznárez*, Resumen Latinoamericano, 25 de maio de 2018.
Era um rio de homens, muitíssimas mulheres e uma enorme quantidade de jovens, meninos e meninas. Com o Obelisco à frente e atrás o Ministério de Desenvolvimento Social com sua fachada coberta pela gigantesca silhueta de Evita revolucionária, a multidão coincidia em uma frase que diz tudo: NÃO ao FMI. Que é igual a dizer “NÃO a Macri” e sua política de fome, miséria e entrega da soberania nacional. Ou gritar aos quatro ventos “Pátria Sim, Colônia Não”, para que se escute nas Ilhas Malvinas e em toda Nossa América. Lá, naquele ensolarado dia 25 transitava uma importante porção do melhor deste povo, convocado por numerosos sindicatos e movimentos populares. Era necessário marcar o território diante de um presidente e um gabinete que por essas mesmas horas se encerrava na Catedral rodeado de cerca e policiais, mostrando a solidão com que geralmente desgoverna.
Em contrapartida, o encontro popular era impostergável por ser emblemático, já que coincidia com um novo 25 de maio, data transcendental para a nação argentina. Recorda o dia em que a população se sublevou em 1810 contra a dominação espanhola. Disso se trata justamente nesta dolorosa atualidade que se vive no país. De sublevar-se contra um estado de iniquidade que colocou “a Pátria em perigo”, frase que se escutou repetidamente e que presidia o palco principal no ato multitudinário.
Todos e todas participantes no centro da cidade, armados de bandeiras nacionais, outras com o rosto insurgente de Che, ou os tradicionais cartazes dos sindicatos e das organizações políticas populares estão convencidos que este estado de coisas não dá mais. Que Macri “precisa que lhe parem a mão”. Que chegou a hora da desobediência civil, da greve geral, exigida aos gritos pelos participantes do ato e anunciada pelos microfones entre uma salva de aplausos. É o momento de insubordinar-se como há 208 anos, porque o império e seus discípulos locais estão arrasando com tudo. Faz falta deixar o medo de lado e colocar pé firme frente a um governo opressor que arrasa com os salários de trabalhadores e trabalhadoras, que impede as paritárias, que gera uma inflação asfixiante, que aumenta permanentemente as tarifas dos serviços públicos e cuja falta de pagamento envia à ruína mais um pequeno comerciante ou um clube de bairro, isso sem falar da gente mais pobre, que apesar dos altos preços da luz sofre permanentes apagões pela irresponsabilidade das empresas privadas que deveriam facilitar o serviço.
Daí que a maré humana que hoje baixou na cidade a partir dos bairros periféricos e da Grande Buenos Aires, estava necessitada de encontrar-se com seus pares, ler mutuamente o que cada um rabiscara em um cartaz ou simples folha de papel, e recuperar a autoestima que costuma vir baixa em tempos de ataques brutais, como os que gera este capitalismo selvagem. Notava-se nos rostos essa necessidade de estarem juntos e juntas, de cantar as consignas de rigor ou entoar com o trovador Bruno Arias esse hino dos povos originários que fala de “cinco séculos” de resistência ao colonialismo. E como não existe luta do presente sem recordar todos aqueles e aquelas que ofereceram suas vidas jovens mais de três décadas atrás, também se reivindicou a presença das Madres e Abuelas de Plaza de Mayo, que foram ovacionadas quando saudaram no palco.
Foi um ato libertador o deste 25, uma catarse coletiva necessária a fim de renovar o compromisso para travar as novas batalhas que se acercam. Por exemplo, a do próximo Primeiro de junho quando se repetir a junta massiva na chegada da Marcha Federal que percorrerá todo o país exigindo “Pão e Trabalho”.
Nesta concentração patriótica e anticapitalista, onde se questionou duramente o governo e o FMI, ficou claro que o clamou é também antipatriarcal já que milhares de mulheres usavam o lenço verde pelo aborto livre e gratuito. Nesta oportunidade participaram famílias inteiras, onde os meninos e meninas participantes se batizaram com o entusiasmo transbordante dos maiores a cantar em coro o hit do ano, esse que com música muito chiclete aponta: “Mauricio Marci, a p… que te p…”.
Logo, antes de entoar-se o hino nacional, um documento de alto conteúdo unitário e profundidade ideológica foi lido. Nesse momento, centenas de milhares de mãos aplaudiram o repúdio, ponto por ponto, à devastação produzida pelo macrismo em dois anos de governo e ovacionaram a solidariedade com a luta dos professores e professoras, a dos aposentados e outros setores da sociedade que sofrem e sofrerão as políticas do Fundo Monetário Internacional. Um FMI que, como nos anos 90 e 2001, significa o abismo e que desde que Macri voltou a abençoar abriu a caixa dos trovões, porque este povo tem memória e não está disposto a que um grupo de mercadores arremate o país e assassine as utopias das novas gerações. Por isso está na rua quase diariamente.
*Diretor do Resumen Latinoamericano e integrante da Coordenadora Resistir y Luchar
Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2018/05/25/argentina-la-patria-esta-en-peligro/
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Imponente multidão disse NÃO ao FMI e às políticas oligárquicas de Macri
Uma multidão repudiou as políticas de ajuste e os condicionamentos do Fundo Monetário Internacional. “Sabemos do que se trata. O colonialismo neoliberal só oferece miséria”, afirma o documento lido antes das milhares de pessoas presentes cantarem o Hino Nacional como encerramento da mobilização.
Milhares de pessoas expressaram no Obelisco seu repúdio ao acordo que o governo de Mauricio Macri negocia com o Fundo Monetário Internacional e ao aprofundamento do ajuste. A multidão, mobilizada sob a consigna “A Pátria está em perigo” por instâncias de organizações sociais, sindicatos e políticas que chamaram a manifestar-se no marco da celebração do 25 de Maio, encheu a Avenida 9 de Julio e cantou o Hino Nacional para encerrar a concentração. Do palco se leu antes um documento no qual se defendeu o valor do público, se expressaram críticas ao governo nacional e se apresentaram diversas reivindicações.
A leitura do documento foi o momento culminante de uma mobilização que começou pouco depois do meio-dia, quando as colunas de distintas organizações convocadoras e, também, de gente que se somou de forma individual, começaram a povoar a Avenida 9 de Julio. O cartão postal se contrastou com a Praça de Mayo cercada horas antes, quando Mauricio Macri se transferiu da Casa de Governo à Catedral rodeado de funcionários e forças de segurança e longe do povo.
Muitos marcharam para o Obelisco com bandeiras argentinas; outros levaram as de agrupamentos partidários e sindicais. O hit do verão foi cantado várias vezes desde cedo e voltou a ser escutado logo após terminarem os últimos acordes do Hino Nacional, que marcou o encerramento da mobilização. No local o entoraram, entre outros, atores, Madres de Plaza de Mayo e Sergio Maldonado.
Os atores Osmar Núñez e Paola Barrientos alternaram a leitura de um texto que foi consenso entre os diferentes convocadores da manifestação. Da convocatória, participaram os sindicatos da CGT mais críticos ao Governo, a Corrente Federal e as duas CTA. Também estiveram presentes entre a multidão o titular de Suteba, Roberto Baradel; a de Ctera, Sonia Alesso; e Eduardo López, da UTE, que foram algumas caras mais visíveis da Marcha Federal Educativa ocorrida há apenas dois dias atrás, e vários dirigentes políticos da oposição.
No documento, se proclamou a defesa do “trabalho digno que geram as riquezas da pátria” e se reivindicou às “organizações sindicais, os direitos conquistados e as paritárias livres”. Além disso, se apresentou “a necessidade do desenvolvimento industrial, protegendo as economias regionais” o marco de um “federalismo ameaçado pelo programa do saqueio”.
O texto também fez uma defesa da “capacidade criativa do povo”, organizado no trabalho cooperativo e a “organização de bairro e social”, e se expressou o apoio à educação pública e ao papel do Estado para fazer frente às corporações.
Nessa linha, houve uma defesa das políticas de memória dos anos anteriores ao macrismo e se destacou que “o único lugar para os genocidas é o cárcere”, ao tempo que se reclamou justiça por Santiago Maldonado e Rafael Nahuel, que lutaram pelo respeito aos povos originários que sofrem com “a subjugação de suas culturas ancestrais”.
A poucos dias de uma nova marcha de Ni Una Menos, prevista para 4 de junho próximo, teve-se uma mostra de apoio a esse movimento que “sacode as entranhas da cultura patriarcal dominante”; e reclamaram paridade de gênero “em termos políticos, econômicos, sociais e culturais”.
Em outra passagem do documento, se demandou “liberdade de expressão e comunicação popular” para evitar a concentração dos meios em poucas mãos, o que levaria “à construção de um pensamento único que legitime os programas de ajuste e saqueio”.
Houve também uma revalorização da democracia “para o futuro que se constrói”, pelo qual se pediu “a liberdade de todos os presos políticos e o cessar da perseguição”; e da política “como ferramenta de transformação que não permita nunca mais um governo que mente e cujo projeto é o saqueio”.
Finalmente, se falou da “necessidade de integrar nosso destino com a América Latina”, e se recordou que “enfrentamos o colonialismo e o Plano Condor”. No encerramento, se definiu os argentinos como “um povo digno com memoria”, que “sabemos do que se trata. O colonialismo neoliberal só oferece miséria”, ao que se chamou a “enfrentar nas ruas e nas urnas”, no marco “da unidade necessária para construir a Pátria que sonhamos”.
Vídeos e fotos: Resumen Latinoamericano
Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2018/05/25/argentina-imponente-multitud-le-dijo-no-al-fmi-y-a-las-politicas-oligarquicas-de-macri/
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Argentina: Documento lido no ato massivo contra o FMI em Buenos Aires
Em 25 de maio de 1810, as mulheres e os homens que habitavam este solo foram protagonistas do feito revolucionário que marcou a fogo os destinos de nossa história. Tratava-se de defender e organizar um Povo ansioso por construir um destino comum de Pátria. Porém, 208 anos depois, mais uma vez, a Pátria está em perigo. E nós, mulheres e homens da Pátria, sabemos do que se trata. Por isso:
Repudiamos os acordos de Mauricio Macri com o Fundo Monetário Internacional, seu modelo de dependência política e econômica com as grandes potências estrangeiras que estão reeditando em nosso continente, um plano sistemático que só oferece às maiorias populares um destino de miséria planificada. Repudiamos o endividamento externo que significa uma cadeia de dependência sobre nosso povo.
Repudiamos os acordos de livre mercado que Mauricio Macri e os gerentes corporativos que governam a Argentina andam mendigando pelos Estados Unidos e Europa. Repudiamos a abertura irrestrita das importações, o fomento da concentração econômica em um punhado de multinacionais e a matriz especulativa com a qual tentam destroçar o aparato produtivo e industrial para direcionar os benefícios econômicos aos quais especulam na cidade portenha.
Repudiamos o selvagem tarifazo imposto sobre os serviços públicos essenciais, que condena a produção nacional e obriga nosso povo a decidir entre pagar uma fatura ou colocar um prato de comida sobre a mesa.
Repudiamos a reforma trabalhista com a qual segue ameaçando o governo no Congresso.
Repudiamos o ajuste sobre o salário real pelo caminho de uma desvalorização especulativa e dos limites conjuntos. Repudiamos o processo de flexibilização laboral iniciado ao fazer crer os níveis de desocupação, por mentirosos que sejam os índices que nos oferecem. O desemprego é um crime.
Repudiamos a reforma previdenciária que liquidou as rendas de aposentados e pensionistas, que inicia uma privatização disfarçada do sistema previdenciário argentino. Repudiamos as medidas tomadas por este governo para meter a mão no Fundo de Garantia do Anses e especular com o dinheiro das trabalhadoras e trabalhadores.
Repudiamos o ajuste brutal sobre os programas de emprego, a eliminação dos programas de habitação, a destruição do modelo cooperativo como ferramenta de organização econômica do trabalho, o corte das rendas populares garantidas pelo direito conferido na Atribuição Universal por Filho.
Repudiamos o desfinanciamento educativo, o disciplinamento do salário docente, o ataque a suas organizações sindicais e a perseguição à organização estudantil.
Repudiamos o discurso negacionista do governo e sua tentativa de impor novamente a teoria dos dois demônios.
Repudiamos a radicalização da violência exercida pelas forças de segurança e a aplicação da “doutrina Chocobar”.
Repudiamos o ataque às comunidades de nossos povos originários e a subjugação de seus direitos sobre terras e cultura ancestrais.
Defendemos a capacidade criativa de nosso povo que inventou seu próprio trabalho, sua capacidade de organização coletiva em cooperativas da economia popular. Defendemos a organização comunitária, social, de bairro e sua profunda participação na vida política.
Defendemos o trabalho digno, que gera as riquezas reais de nossa Pátria. E para isso, defendemos nossas trabalhadoras e nossos trabalhadores, suas organizações sindicais, seu protagonismo político na batalha pela distribuição da riqueza. Defendemos os direitos trabalhistas conquistados, as paritárias livres e avançamos para sua efetiva participação nos lucros.
Reafirmamos a necessidade de defender a produção e o desenvolvimento industrial de nossa Nação, protegendo o desenvolvimento das economias regionais lhe dão vitalidade econômica a um federalismo ameaçado pelos programas de saqueio de nossas riquezas no solo e subsolo da Nação.
Defendemos nossas filhas e nossos filhos, seu direito a uma educação pública, gratuita e de qualidade.
Defendemos nosso grito “Ni Una Menos” [Nem Uma a Menos], porque enfrenta e sacode as entranhas da cultura patriarcal dominante. Avançar para a paridade de gênero em termos políticos, econômicos, sociais e culturais é uma premissa inevitável para consolidar uma Pátria justa.
Defendemos o Estado, suas trabalhadoras e trabalhadores, para que as corporações econômicas não decidam por nós.
Defendemos a liberdade de expressão e a comunicação popular, para que essas corporações econômicas não concentrem o mapa de meios em poucas mãos e ditem a construção de um pensamento único que legitime os programas de ajuste e saqueio.
Defendemos as políticas públicas de memória e o conquistado em mais de 40 anos de luta. Defendemos os julgamentos dos responsáveis pelo terrorismo de Estado e seus cúmplices civis. Reafirmamos que o único lugar para os genocidas é o cárcere comum. Continuamos exigindo justiça para Santiago Maldonado e Rafael Nahuel.
Defendemos a democracia, como ferramenta para decidir nosso futuro e repudiamos a perseguição política à militância popular. Continuaremos exigindo a imediata liberdade de todas as presas e todos os presos políticos da Argentina.
Defendemos a política como ferramenta transformadora da realidade. Abraçamos a verdade, para que nunca mais, pelo caminho da mentira, um projeto econômico de miséria possa ser alçado com o governo, e o exercido com cinismo, hipocrisia e repressão.
Reafirmamos a necessidade de integrar nosso destino com o dos povos de nossa Pátria Grande. Nossa Pátria é a América, gritamos nós que soubemos enfrentar o colonialismo e o Plano Condor.
Somos um povo digno, com muita memória e sabemos do que se trata tudo isto que padecemos: o colonialismo neoliberal só pode oferecer um destino miserável para as maiorias populares. Por isso, enfrentamos o governo de Mauricio Macri, pelo caminho da democracia, nas ruas e os faremos também nas urnas.
Nesse caminho, e com estas reivindicações e a partir destes princípios, nos dispomos a forjar a unidade necessária para construir definitivamente a Pátria que sonhamos.
Fotos: Nahuel (para Resumen Latinoamericano)
Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2018/05/25/argentina-documento-leido-en-el-acto-masivo-contra-el-fmi-en-buenos-aires/
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)